Simone de Beauvoir
SlMONE DE BEAUVOIR
DE BOM GRADO imaginamos a lésbica com um chapéu de feltro ríspido, de cabelos curtos e gravata; sua virilidade seria uma anomalia traduzindo um desequilíbrio hormonal. Nada mais errôneo do que essa confusão entre a invertida e a virago. Há muitas homossexuais entre as odaliscas, as cortesãs, entre as mulheres mais deliberadamente "femininas"; inversamente, numerosas mulheres "masculinas" são heterossexuais. Sexólogos e psiquiatras confirmam o que sugere a observação corrente: em sua imensa maioria, as mulheres "danadas" são constituídas exatamente como as outras mulheres. Nenhum "destino anatômico" determina sua sexualidade.
Há seguramente casos em que os dados fisiológicos criam situações singulares. Não existe distinção biológica rigorosa entre os dois sexos; um soma idêntico é modificado por ações hormonais cuja orientação é genotipicamente definida mas pode ser desviada no decurso da evolução do feto; disso resulta o aparecimento de indivíduos intermediários entre os machos e as fêmeas. Certos homens apresentam uma aparência feminina porque a maturação de seus órgãos viris é tardia: do mesmo modo veem-se moças — em particular esportistas — transformarem-se em rapazes. H. Deutsch conta a história de uma moça que fez uma corte ardorosa a uma senhora casada, quis raptá-la e viver com ela: percebeu um dia que era na realidade um homem, o que lhe permitiu casar com a bem-amada e ter filhos dela. Mas disso não se deve concluir que toda invertida é um "homem escondido" sob formas enganosas. O hermafrodita em quem os dois sistemas genitais se acham esboçados tem muitas vezes uma sexualidade feminina: conheci uma exilada de Viena pelos nazistas que se desolava por não agradar nem aos heterossexuais nem aos pederastas, quando em verdade só gostava de homens. Sob a influência de hormônios masculinos, as mulheres "virilóides" apresentam caracteres sexuais secundários masculinos; nas mulheres infantis os hormônios femininos são deficientes e seu desenvolvimento permanece inacabado. Essas particularidades podem motivar mais ou menos diretamente uma vocação lésbica. Uma pessoa dotada de uma vitalidade vigorosa, agressiva, exuberante, almeja despender-se ativamente e recusa ordinariamente a passividade; desgraciosa, mal constituída, uma mulher pode compensar sua inferioridade adquirindo qualidades viris; se sua sensibilidade erógena não está desenvolvida, ela não deseja as carícias masculinas. Mas anatomia e hormônios não definem senão uma situação e não põem o objeto para o qual ela transcenderá. H. Deutsch ainda cita o caso de um legionário polonês ferido, de quem tratou durante a guerra de 1914-1918, que era na realidade uma moça com caracteres virilóides acentuados; acompanhara o exército como enfermeira e conseguira depois envergar o uniforme; com tudo isso se apaixonara por um soldado — que desposou mais tarde — o que a fazia ser encarada como homossexual. Suas condutas viris não contradiziam um erotismo do tipo feminino. 0 próprio homem não deseja exclusivamente a mulher; o fato de que o organismo do homossexual macho pode ser perfeitamente viril implica que a virilidade de uma mulher não a impele necessariamente para a homossexualidade.
Até mesmo entre as mulheres fisiologicamente normais, pretendeu- se por vezes distinguir as clitoridianas das vaginais, estando as primeiras votadas aos amores sáficos; mas verificou-se que, em todas, o erotismo infantil é clitoridiano; quer se fixe nesse estádio, quer se transforme, não depende de nenhum dado anatômico; não é verdade tampouco, como se sustentou amiúde, que a masturbação infantil explique o privilégio ulterior do sistema clitoridiano: a sexologia reconhece hoje no onanismo da criança um fenômeno absolutamente normal e geralmente disseminado. A elaboração do erotismo feminino é — já o vimos — uma história psicológica em que os fatores fisiológicos são envolvidos, mas que depende da atitude global do sujeito em face da existência. Maranõn considera que a sexualidade tem uma "direção única" e que atinge no homem uma forma acabada, ao passo que na mulher fica "a meio caminho"; só a lésbica possuiria uma libido tão rica quanto a do homem, ela seria pois um tipo feminino "superior". Na realidade a sexualidade feminina tem uma estrutura original e a ideia de hierarquizar as libidos masculina e feminina é absurda; a escolha do objeto sexual não depende absolutamente da quantidade de energia de que a mulher disporia.
Os psicanalistas tiveram o grande mérito de ver na inversão um fenômeno psíquico e não orgânico; entretanto, ela se apresenta ainda neles como determinada por circunstâncias exteriores. Eles a estudaram pouco, de resto. Segundo Freud, a maturação do erotismo feminino exige a passagem do estádio clitoridiano ao estádio vaginal, passagem simétrica à que transferiu para o pai o amor que a menina a princípio sentia pela mãe. Razões diversas podem entravar esse desenvolvimento; a mulher não se resigna à castração, esconde a si mesma a ausência do pênis, permanece fixada à mãe para a qual busca substitutos. Para Adler essa parada não é um acidente suportado passivamente: é desejado pelo sujeito que, por vontade de poder, nega deliberadamente sua mutilação e procura identificar-se ao homem cujo domínio recusa. Fixação infantil ou protesto viril, a homossexualidade se apresentaria em todo caso como um inacabamento. Em verdade, a lésbica não é nem uma mulher "falhada" nem uma mulher "superior". A história do indivíduo não é um progresso fatal: a cada momento o passado é retomado mediante uma nova escolha e a "normalidade" da escolha não lhe confere nenhum valor privilegiado: é pela sua autenticidade que cumpre julgá-lo. A homossexualidade pode ser para a mulher uma maneira de fugir de sua condição ou uma maneira de assumi-la. O grande erro dos psicanalistas está em, por conformismo moralizador, encará-lo somente como uma atitude inautêntica.
A mulher é um existente a quem se pede que se faça objeto; enquanto sujeito, ela tem uma sensualidade agressiva que não se satisfaz com o corpo masculino: daí nascem os conflitos que seu erotismo deve superar. Consideram normal o sistema que, entregando-a como presa a um homem, lhe restitui a soberania colocando em seus braços um filho; mas esse "naturalismo" é comandado por um interesse social mais ou menos bem compreendido. A própria heterossexualidade permite outras soluções. A homossexualidade da mulher é uma tentativa, entre outras, de conciliar sua autonomia com a passividade de sua carne. E se se invoca a natureza, pode-se dizer que toda mulher é homossexual. A lésbica caracteriza-se com efeito pela recusa do macho e seu gosto pela carne feminina; mas toda adolescente receia a penetração, o domínio masculino, experimenta em relação ao homem certa repulsa; em compensação, o corpo feminino é para ela, como para o homem, um objeto de desejo. Já o disse: pondo-se como sujeitos, os homens põem-se ao mesmo tempo como separados; considerar o outro como uma coisa a ser possuída, é atentar nele e solidariamente em si contra o ideal viril' ao contrário, a mulher que se reconhece como objeto vê em suas semelhantes e em si uma presa. O pederasta inspira hostilidade aos heterossexuais masculinos e femininos porque estes exibem que o homem seja um sujeito dominador [1]; ao contrário ambos os sexos consideram as lésbicas com indulgência. "Confesso diz o Conde de Tilly, que é uma rivalidade que não me aborrece em absoluto; ao contrário, isso me diverte e tenho a imoralidade de rir da coisa." Colette atribuiu a mesma indiferença divertida a Renaud diante do casal que Claudine constitui com Rézi [2]. O homem agasta-se mais com uma heterossexual agressiva e autônoma do que com uma homossexual não agressiva; só a primeira contesta as prerrogativas masculinas; os amores sáficos estão longe de contradizer a forma tradicional da divisão dos sexos: são em sua maioria casos de uma assumpção da feminilidade, não sua recusa. Vimos que aparecem muitas vezes na adolescente como um ersatz das relações heterossexuais que ela não tem ainda a oportunidade ou a ousadia de viver: é uma etapa, um aprendizado, e quem a isso se entrega com mais ardor pode amanhã ser a mais ardorosa das esposas, das amantes, das mães. O que é preciso explicar na invertida não é portanto o aspecto positivo de sua escolha, é sua face negativa: ela não se caracteriza por seu pendor pelas mulheres e sim pela exclusividade desse pendor.
[1] Uma mulher heterossexual tem facilmente amizade por certos pederastas porque encontra segurança e divertimento nessas relações assexuadas. Mas em conjunto, sente hostilidade contra esses homens que, em si ou em outrem, degradam o macho soberano, transformando-o em coisa passiva.
[2] É interessante notar que o código inglês pune a homossexualidade nos homens e não a considera um delito nas mulheres.
Distinguem-se amiúde — depois de Jones e Hesnard — dois tipos de lésbicas: umas "masculinas" que "querem imitar o homem", outras "femininas" que "têm medo do homem". É verdade que se podem considerar, grosso modo, duas tendências na inversão; certas mulheres recusam a passividade, enquanto outras escolhem braços femininos para a eles se entregarem passivamente. Mas essas atitudes reagem uma sobre a outra; as relações ante o objeto escolhido, ante o objeto recusado explicam-se uma pela outra. Por muitas razoes, como veremos, a distinção indicada parece-nos assaz arbitrária.
Definir a lésbica "viril" pela sua vontade de "imitar o homem" é votá-la à inautenticidade. Já disse a que ponto os psicanalistas criam equívocos aceitando as categorias masculina-feminina tais como a sociedade atual as define. Com efeito, o homem representa hoje o positivo e o neutro, isto é, o masculino e o ser humano, ao passo que a mulher é unicamente o negativo, a fêmea. Cada vez que ela se conduz como ser humano, declara-se que ela se identifica com o macho. Suas atividades esportivas são interpretadas como um "protesto viril"; recusam-se a levar em consideração os valores para os quais ela transcende, o que conduz evidentemente a considerar que ela faz a escolha inautêntica de uma atitude subjetiva. O grande mal-entendido em que assenta esse sistema de interpretação está em que se admite que é natural para o ser humano feminino fazer de si uma mulher feminina: não basta ser uma heterossexual nem mesmo uma mãe, para realizar esse ideal; a "verdadeira mulher" é um produto artificial que a civilização fabrica, como outrora eram fabricados castrados; seus pretensos "instintos" de coquetismo, de docilidade são-lhe insuflados, como ao homem o orgulho fálico. Ele nem sempre aceita sua vocação viril; ela tem boas razões para aceitar menos documente ainda a que lhe é designada. As noções "complexo de inferioridade", "complexo de masculinidade" fazem-me pensar na anedota que Denis de Rougemont conta em La Part du Diable: uma senhora imaginava que, quando passeava no campo, os pássaros a atacavam; depois de vários meses de um tratamento psicanalítico que não conseguiu curá-la de sua obsessão, o médico acompanhando-a no jardim da clínica verificou que os pássaros a atacavam. A mulher sente-se diminuída porque, em verdade, as determinações da feminilidade a diminuem. Espontaneamente, ela escolhe ser um indivíduo completo, um sujeito e uma liberdade diante de quem se abrem o mundo e o futuro: se essa escolha se confunde com a da virilidade, é na medida em que a feminilidade significa hoje mutilação. Vê-se claramente nas confissões de invertidas — platônica no primeiro caso, declarada no segundo — recolhidas por Havelock Ellis e Stekel que é a especificação feminina que indignou os dois sujeitos.
Por mais que recue no tempo, diz uma delas, nunca me encarei como uma moça e me encontrei em face de uma perturbação perpétua. Por volta dos 5 ou 6 anos, disse a mim mesma que, fosse qual fosse a opinião das pessoas, se não era um menino não era em todo caso uma menina. . . Olhava a conformação de meu corpo como um acidente misterioso. . . Quando ainda mal podia andar já me interessava por martelos e pregos, queria estar sentada no lombo dos cavalos. Pelos 7 anos verifiquei que tudo o que eu apreciava era errado para uma menina. Não era absolutamente feliz e muitas vezes chorava e me encolerizava a tal ponto ficava furiosa com as conversas acerca de meninos e meninas. .. Todos os domingos, saía com os meninos da escola de meus irmãos. . . Por volta dos 11 anos. . . para me punir, por ser o que era, puseram-me interna no colégio. . . Com cerca de 15 anos, quaisquer que fossem meus pensamentos, meu ponto de vista era sempre de um rapaz... Sentia-me cheia de compaixão pelas mulheres... Tornei-me protetora delas...
Quanto à travestida de Stekel:
Até a idade de 6 anos, apesar das asserções dos que a cercavam, ela se acreditava menino vestido de menina, por motivos que lhe permaneciam desconhecidos. . . Aos 6 anos, ela se dizia: "Serei tenente, e se Deus me der tempo, marechal''. Sonhara muitas vezes que montava a cavalo e saía da cidade à frente de um exército. Muito inteligente, sentiu-se infeliz por ter sido transferida da escola normal para um liceu, tinha medo de se tornar efeminada.
Essa revolta não implica absolutamente uma predestinação sáfica; em sua maioria, as meninas conhecem o mesmo escândalo, o mesmo desespero quando sabem que a conformação acidental de seu corpo condena seus gostos e suas aspirações; é com raiva que Colette Audry (Aux yeux du souvenir) descobre aos 12 anos que nunca poderia tornar-se um marinheiro. Muito naturalmente, a futura mulher se indigna com as limitações que lhe impõe o sexo. Perguntar por que as recusa é formular mal a questão: o problema é antes compreender por que ela as aceita. Seu conformismo vem de sua docilidade, de sua timidez; mas essa resignação transformar-se-á facilmente em revolta se as compensações oferecidas pela sociedade não forem julgadas suficientes. E o que acontece no caso em que a adolescente se julga desgraciosa como mulher: é principalmente por esse lado que os dados anatômicos assumem importância; feia, mal feita, ou acreditando sê-lo, a mulher recusa um destino feminino para o qual não se sente dotada; mas seria um erro dizer que a atitude viril é adotada para compensar uma carência de feminilidade: cumpre antes dizer que, em troca das vantagens viris que lhe pedem que sacrifique, as possibilidades concedidas à adolescente parecem-lhe muito diminutas. Todas as meninas invejam as roupas cômodas dos meninos; é sua imagem do espelho, as promessas que nela adivinham que tornam pouco a pouco seus vestidos preciosos; se o espelho reflete secamente uma fisionomia quotidiana, se nada promete, rendas e fitas se constituem em libre incômoda, ridícula mesmo, e o "menino falhado" obstina-se em continuar menino.
Ainda que bem feita e bonita, a mulher que se empenha em projetos singulares ou que reivindica sua liberdade, recusa-se geralmente a abdicar em proveito de outro ser humano; ela reconhece- se em seus atos mas não em sua presença imanente. 0 desejo masculino que a reduz aos limites de seu corpo choca-a tanto quanto choca o jovem rapaz; pelas suas companheiras submissas ela sente o mesmo nojo que o homem viril pelo pederasta passivo. É em parte para repudiar toda cumplicidade com elas que adota uma atitude masculina; fantasia a roupa, muda de atitude, forma com uma amiga feminina um casal em que encarna o personagem masculino: essa comédia é, com efeito, um "protesto viril", mas apresenta-se como um fenômeno secundário; o que é espontâneo é o escândalo do sujeito conquistador e soberano à ideia de se transformar em presa carnal. Numerosas esportistas são homossexuais; esse corpo que é músculo, movimento, distensão, impulso, elas não o apreendem como uma carne passiva; ele não atrai magicamente as carícias: é domínio sobre o mundo, não uma coisa do mundo. 0 fosso que existe entre o corpo para si e o corpo para outrem parece, no caso, intransponível. Encontram-se resistências análogas na mulher de ação, a mulher de "cabeça" para a qual a demissão, ainda que sob a forma carnal, é impossível. Se a igualdade dos sexos estivesse concretamente realizada, em grande número de casos, esse obstáculo se aboliria; mas o homem ainda está imbuído de sua superioridade e é uma convicção incômoda para a mulher se ela não a partilha. Cumpre observar, entretanto, que as mulheres mais voluntárias, mais dominadoras, não hesitam muito em enfrentar o homem: a mulher dita "viril" é muitas vezes francamente heterossexual. Ela não quer renegar sua reivindicação de ser humano; mas não deseja tampouco mutilar-se na sua feminilidade, escolhe ascender ao inundo masculino e até anexá-lo. Sua sensualidade robusta não se assusta com a aspereza do macho; para encontrar sua alegria em um corpo de homem, ela tem menos resistências a vencer do que a virgem tímida. Uma natureza muito rude, muito animal, não sentirá a humilhação do coito; uma intelectual de espírito intrépido a contestará; segura de si, de humor briguento, a mulher se empenhará alegremente em um duelo que tem certeza de ganhar. George Sand tinha predileção pelos rapazinhos, os homens "femininos"; mas Mme de Staël só tardiamente procurou mocidade e beleza em seus amantes; dominando os homens pelo vigor de seu espírito, acolhendo com orgulho a admiração deles, quase não devia sentir-se presa em seus braços. Uma soberana, como Catarina da Rússia, podia até permitir-se uma embriaguez masoquista: continuava senhora absoluta em seus jogos. Isabel Eberhardt que vestida de homem, percorreu o Saara a cavalo, não se sentia em nada diminuída quando se entregava a algum soldado vigoroso. A mulher que não quer ser vassala do homem está longe de sempre o evitar: tenta antes fazer dele o instrumento de seu prazer. Nessas circunstâncias favoráveis — dependendo em grande parte do parceiro — abolir-se-á a própria ideia de competição e ela se comprazerá em viver plenamente sua condição de mulher, como o homem vive sua condição de homem.
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O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (1)
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As mulheres de nossos dias estão prestes a destruir o mito do "eterno feminino": a donzela ingênua, a virgem profissional, a mulher que valoriza o preço do coquetismo, a caçadora de maridos, a mãe absorvente, a fragilidade erguida como escudo contra a agressão masculina. Elas começam a afirmar sua independência ante o homem; não sem dificuldades e angústias porque, educadas por mulheres num gineceu socialmente admitido, seu destino normal seria o casamento que as transformaria em objeto da supremacia masculina.
Neste volume complementar de O SEGUNDO SEXO, Simone de Beauvoir, constatando a realidade ainda imediata do prestígio viril, estuda cuidadosamente o destino tradicional da mulher, as circunstâncias do aprendizado de sua condição feminina, o estreito universo em que está encerrada e as evasões que, dentro dele, lhe são permitidas. Somente depois de feito o balanço dessa pesada herança do passado, poderá a mulher forjar um outro futuro, uma outra sociedade em que o ganha--pão, a segurança econômica, o prestígio ou desprestígio social nada tenham a ver com o comércio sexual. É a proposta de uma libertação necessária não só para a mulher como para o homem. Porque este, por uma verdadeira dialética de senhor e servo, é corroído pela preocupação de se mostrar macho, importante, superior, desperdiça tempo e forcas para temer e seduzir as mulheres, obstinando-se nas mistificações destinadas a manter a mulher acorrentada.
Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.
O SEGUNDO SEXO, de Simone de Beauvoir, é obra indispensável a todo o ser humano que, dentro da condição feminina ou masculina, queira afirmar-se autêntico nesta época de transição de costumes e sentimentos.
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