segunda-feira, 19 de setembro de 2011

IX (1ª) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

O xucro atirou as patas dianteiras sobre a garupa da leiteira
Chifres e cascos


baitasar


A linha superior e inferior do tronco era paralela, os membros e o peito longos; as nádegas volumosas e afastadas desciam até os jarretes; a garupa longa. As costelas curvadas em forma de arco, o tronco recoberto por uma camada de gordura que avançava sobre as paletas e os quartos traseiros.
O xucro era pura gordura e músculos: o dorso e o lombo longos e largos, o pescoço longo e musculoso, o peito estufado e a cabeça com sua cara erguida, mas leve sob um olhar desconfiado. Era impossível resistir ao desejo de passar a mão na pelagem cinza com manchas quase negras.
A fronte larga, o chanfro curto, os chifres grossos e longos crescem para fora, para cima, para dentro e com as pontas viradas para trás em forma de lira; a postura imponente metia medo, mas o temperamento menos nervoso se provou no manejo dócil até Piedras Altas, apesar de pesar mais de meia tonelada.
Um príncipe encantado para nossas leiteiras. Não precisavam nem escolher o pretendente com as melhores qualidades entre as disponíveis. Fora tudo arranjado. Um macho para fazer crias bonitas, fortes, saudáveis e reprodutoras.
Nem a Pastora, nem a Plantera, nenhuma das duas se fez de difícil para o cortejo desajeitado e apressado do chifrudo, mas a Tormenta não pareceu esforçada em agradar, acho que queria testar a persistência e a qualidade do xucro. Tentava criar dificuldades para o xucro mostrar até onde ia sua determinação, queria que el hombre se desse al trabajo da conquista.
Aconteceu que o bichano não estava muito preocupado em ser sedutor e atencioso. Foi seu primeiro erro, o segundo veio na sequência, pode ter lhe parecido que estava num harém, mas a Tormenta não estava disposta a ser dominada pela força de sinais de ameaça ou aparência intimidadora. Tampouco fazia questão de parceria prolongada e fiel, a primavera nem chegara, era mais do que podia tolerar. A paciência lhe escapava.
Foi quando nuvens prateadas brilhavam no escuro como fantasmas que o bonitão cometeu seu terceiro erro, o xucro atirou as patas dianteiras sobre a garupa da leiteira e se alongou todo para se enfiar, sem estar convidado, aí aconteceu o imprevisto anunciado. A vaca empinou sobre as dianteiras e com as duas patas traseiras esmurrou o bufão endurecido.
O animal ficou assustadiço com o rabo entre as pernas. As lágrimas não lhe saíram, apenas os gritos da surpresa. Judiação aquele coice da Tormenta no puro sangue da Montaña, bastava ter se negado.
Os homens se olharam, sabiam que aquela brusquidão mudou o rumo dos próximos passos: não sabiam nada sobre os próximos passos. O animal se acovardou de dor. O anão foi escalado para examinar o abatido pela Tormenta
(Dom Carmelo, pelas aparências parece fingimento do xucro.) ((Precisamos devolver o cabisbaixo.)
Mais fácil falar do que fazer o animal levantar e caminhar. O anão se chegou às orelhas do bichano e sussurrou sua máxima da vida
(Meu amigo, a desilusão faz perder as ilusões, mas a cura não é ficar enroscado sobre o próprio rabo.)
O xucro fez que não fosse com ele aquele palavrório de merda, continuou estendido sobre os bagos com a testosterona ferida.
A Montaña hominiza a humanidade, você deixa de ser você mesma, o milho passa a ser você. O campesino não mais se pertence, é recriado e se torna um estranho para si mesmo e para os corações.
Os espíritos não podem esgotar seus truques, e jeitos, e maneiras, para ensinarem alguma coisa da vida verdadeira. Os campesinos dependem dos espíritos para continuarem conversando, abraçando a cura do desengano. A desilusão não faz perder as ilusões, ela convence de desexistir do mundo. É quando a Montaña ensina ao campesino que o cabo da enxada é o braço que golpeia a terra. A enxada e o braço são uma só ferramenta, uma só utilidade. A Montaña convence aos campesinos que o pecado da cobiça é o apego excessivo a si mesmo e aos próprios bens, sem considerar os interesses estranhos.
José continuava assustado com o jeito de aquele toro reagir à rejeição da Tormenta
(Se o animal não reagir e erguer o couro do chão, não conseguimos devolver antes das claridades do dia.) (Dom Carmelo, o que se faz?) (Mais ervas, mais massagens, mais paciência.)
O anão foi incumbido de reanimar o bicho atolado em tristeza. Panos, água morna e ervas da Montaña. O homem pequeno reclamava que aquele serviço desrespeitoso não lhe competia
(O touro parece com febre.) (Trouxemos o inferno para nossa garganta.)
El toro cinzento berrava de dor. A Tormenta lhe atingiu entre as virilhas, disto não se tinha mais dúvidas. O ferido não fez o silêncio que o anão suplicava
(Não demora muito e toda vila vai acordar com os berros desta besta.)
O pequeno Juzé mergulhou sobre o xucro e agarrou o focinho para impedir seus urros. Nada resolvia, até que usou a própria mão como uma marreta na testa do gritante, deitado em berço esplêndido de terra e grama. Quando o xucro deu um último suspiro e desistiu de vez, o anão sentiu a morte nos bagos do bicho
(O que vamos fazer?) (Mas que mierda, os terneiros já nascem sem pai.)
Jaquín olhava para aquela montanha de carne morta e a pergunta lhe brotou na boca como a água cristalina sobe na vertente e aflora afetuosa e bem-educada, até se avantajar em rios enérgicos e intensos
(O que fazemos com esse amontoado de carne?) (Comemos.)
Os três olharam para papá, olhos esbugalhados, a respiração cortada pelas lâminas do miedo
(O velho está doido!) (E o que fazemos, meus jovens? Atolamos en la tierra a carne pra nossa fome?)
Minha irmã chegou durante a indecisão daquele comando suicida
(Es fácil... escondemos la Pastora, la Plantera, y difundimos que esas bichanas murieron.) (E as carnes recortadas serão dela.) (Eso mismo, papá.) (O Juzé leva as prenhas.) (Pero... papá.) (Assim será.)
Minha irmã, José e Jaquín ficaram com a incumbência de descarnar o toro. Arredaram os bagos e a vara, enquanto sangravam o bicho. Os cortes no extinto foram feitos sem nenhuma fiscalização, tudo clandestino. O preparo da carcaça foi feito ali mesmo, no chão. Pareciam hienas famintas e assustadas.
O couro foi retirado, depois os cascos e os chifres; tudo limpo da triparia e da bucharia, a parte suja do manuseio, foi a vez da carcaça e dos miúdos
(Juzé, leve daqui o couro, o chifre e os cascos.) (Blanca...) (Meu filho, não tem mais tempo, a carga precisa estar à distância segura no clareamento do dia.)
Depois da ordem de desaparecimento para o anão, papá foi em busca de mais mãos para aquela carnificina. Voltou com Maria e Carmelita. O chão daqueles hombres y mujeres foi tingido de vermelho. Todos misturados na terra pelo suor, graxa e sangue.
No amanhecer estavam com o xucro desossado e as partes salgadas: os cortes do Dianteiro foram empilhados de um lado, as Costelas separadas do Traseiro e dos Miúdos.
O noticioso sobre a morte da Pastora e da Plantera esparramou feito sangria soltada. Entre lágrimas e sorrisos constrangidos, os campesinos de Piedras Altas se aproximavam do matadouro para receberem sua parte da carne de sal. Os roceiros do milho perguntavam sobre o acontecido, papá respondia que as leiteiras se finaram por entristecimento
Miré a mi papá en los ojos
(Mi hija, os campesinos de Piedras Altas não têm precisão de saber tudo.)

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