sábado, 17 de setembro de 2011

Adeus, meu amigo

A barranca do Inhacundá



Mauro Marques



Meu pai foi um dos meninos pelados do Inhacundá.

Meu pai foi um colorado

(Elci, a gente vai casar, mas tenho que avisar duas coisas: sou getulista e colorado, isso nunca vai mudar.)

Meu pai foi getulista, transformado em brizolista apaixonado durante a Legalidade

(A tua mãe tinha uma mala de roupas sempre pronta no apartamento, lá no IAPI, se começasse a confusão fugia contigo e o teu irmão, lá pra tua vó.)

Ele se ia à Prefeitura.

Porto Alegre era uma cidade armada dos dentes aos telhados.

Não posso mais sentar ao lado deste homem, sinto falta do guri com 8, 9 , 10 anos.

Foi assim que me senti nestes últimos dias, perdendo um amigo único, sem igual, e a criança que sempre fui quando estava ao seu lado.

As lembranças do arroio, daqueles meninos pelados correndo, se jogando nas águas, não me deixam.

Os seus cabelos brancos não se afastam e meus dedos tornam a se enfiar entre seus fios lisos e pálidos de leite.

Mesmo quando de mim restarem menos que a poeira dos vestígios da minha vida, aquele menino do arroio Inhacundá ainda será o meu pai.

Tenho as fotos, mas conservo a lembrança do revirado com as sobras na geladeira, todas as manhãs de sábado.

Nestes dias de reencontros doloridos com minhas memórias, tomei o rumo dos sonhos e viajei no tempo, voltei a lugares distantes. Nem foi preciso atravessar a rua, bastou fechar os olhos.

Os churrascos de domingo temperados na salmora, aplicada com os pequenos galhos de guanxuma.

Sou aquelas memórias do meu pai que existem em mim... o único pai que eu quis ter.

O guri que tomava banho pelado no arroio Inhacundá adoeceu e desacreditado de qualquer esperança pelos médicos... partiu

(Vó Nena, posso ir?)

E lá se foi o menino jogar bola na barranca do Inhacundá, eu fiquei ali segurando sua mão.



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