segunda-feira, 26 de setembro de 2011

IV - Memórias


A turma dos músculos e batom rosa juntaram forças
O Jornal
baitasar
A professora Jaqueline é a editora sênior do jornal da nossa escola. É algo como o lápis vermelho que condena ou absolve as nossas matérias jornalísticas. O nosso aprendizado inclui descobrir as coisas que se publica e o que não temos permissão de investigar. Jornalismo investigativo é uma barra e não dá dinheiro, eu acho. Ela chamou a turma para nossa primeira reunião. Conversou sobre os objetivos do seu projeto e que a arrecadação da venda dos exemplares fica com a comissão da formatura. Tudo deverá ser gasto com a nossa graduação. O jornal da escola é feito pelos alunos do terceiro ano do médio.
Ela explicava como funciona um periódico semanal, quando foi interrompida pela Cândida
(Jaqueline.) (O que foi, Cândida?) (Podemos começar escolhendo um nome para o nosso jornal.) (Todos concordam?)
Nossa primeira tarefa.
Escolher um nome parecia simples, mas não foi. Tomar decisões não facilita a vida de ninguém, têm aqueles que nasceram pra fazer disso uma demonstração de força e estupidez. A turma dos músculos e batom rosa juntaram forças. Não houve disputa. Foi um massacre. A Cândida e seu bando tomaram tudo. É impressionante como são iguais. A Jaqueline bem que tentou intrometer-se, mas as meninas não queriam deixar por menos. O duelo foi desigual. Para essas meninas é tudo um jeito de mostrar que são populares. Claro, elas são lindas, muito gostosas, mas é tudo uma armadilha. O espelho que usam para se mostrarem não reflete as suas almas sem luz. São apenas aparências de bundas e bocas. Com elas o fotoshop funciona para apagar as linhas defeituosas da sua concepção moral: as aparências enganam
(Mas que bundas, hein?) (Dá um tempo, Charles.)
No final desta primeira batalha ficou decidido que as patricinhas dirigem o jornal até a metade do ano. Até pensei em fazer falação... foi melhor não. O momento vai chegar e ai eu falo tudo que ta engasgado. No segundo semestre faremos nova votação.
As meninas do batom rosa e do jeans básico se reúnem rapidamente, comemoram a vitória do seu modo de organização
(Aiiiii Cândiiiiii, viu que fofo o Gustaavo?) (Siiiiim, apoiou a gente o tempo todo.) (Ai, que bundinha, né?) (Hahahahahaha!) (Tá fluindo?) (Hei, meninas, não sou tão fácil assim! E tem maiis, eu não amo, sou amadaa. Não me achooo, sou procuradaaa.) (Somos irresistíveiiiis.) (É isso meeesmo, Leila.) (Te adolu muitoooo, você é a amizade que qualquer pessoa pediuuuuuuuuuu!)
Depois de decidirem o nome do jornal. Falando Baixinho. Formaram a diretoria do jornal, e claro, vocês já sabem: Cândida Ferraz Gomes Flack – Diretora Geral; Leila Silva Fontoura e Silva – Chefe de Redação. Tudo a ser publicado deve passar por essas duas. Aos mortais, como nós, restaram as funções de repórter, digitador, fotógrafo, revisor. É de chorar. Não que eu estivesse com apetite de mandar, mas ser censurado e corrigido por bundas e caretas
(Vamos reunir hoje, à tarde?)
A Cândida faz cara de nojo para a sugestão da Júlia
(Nem pensar, eu tenho academia.) (Mas tem muita coisa pra resolver.) (Tem tempo.) (Então a gente se reúne e depois passa as coisas pra vocês.) (Nem pensar, Charles.) (Ainda não decidimos as partes do jornal.) (Tamires, isso é fácil! Alguém anota, enquanto vamos dizendo. Quem começa? Pode ser eu? Acho que não podemos deixar de criar a página das fofocas.) (Isso! Os tumultos da semana.) (Gustavo, a gente pode criar subseções, tipo as fofocas da semana, caidinhas e loucas, paqueras e ficadas, namoro sério, fim de namoro, os eleitos e as eleitas da semana.)
O Gustavo dá um tapa na perna do Dalton
(Essa mina é gênio.)
Gênio do mal, talvez
(Eu não saio por aí, atrás de diz-que-diz-que.) (Eu estou com a Tamires.)
A Leila ergue a mão
(Fala, queridinha.) (Cândida, essa parte deixa com a gente. É fácil.) (Alguém contra.)
Silêncio
(Aprovado.) (Cândida, a gente tá pensando em criar sessões de reflexões, uma página com uma entrevista nervosa.)
A Cândida não parece muito alegrinha com essa ideia de reflexões. Tem certeza que a gurizada não quer saber disso,
(Júlia, o que é isso de entrevista nervosa.) (Escolhemos uma pessoa popular da escola e fazemos perguntas rápidas e indigestas. Para serem respondidas bem ligeiro.) (Tá, tá, podem fazer. Mais alguma coisa?)
Antes de qualquer resposta a professora Jaqueline retorna a reunião. Disse que a sua supervisão procurava não intervir em nossas decisões, blablablá...
(E aí, tudo resolvido?) (Aos poucos, aos poucos.) (Já acabamos Jaqueline.) (Ah! E quando é a próxima reunião?) (Semana que vem.)
Todos levantam e saem. As tarefas estão definidas. Será uma longa semana. As meninas cor-de-rosa perfeitas estão convencidas que a tarefa mais importante do jornal será a produção das fofocas. Os esportes e academias ficaram com a turma do Gustavo. Fala sério, isso não é coisa séria.  E a parte grave e sisuda com o restante da turma.
Depois que todos saem e as vaidosas ficam a sós com seus espelhos, começam os gritinhos
(Meninasss.) (A gente já foi convencida, não é mesmo?) (Siiim!) (Ainda somos vaidosas?) (Não precisamos, né?) (Por queeeeeeeeee?) (Somos perfeeiiitas!)
Somando e diminuindo tudo, foi legal. Todos têm as suas tarefas. Fiquei com a empreitada de escrever pequenas crônicas do dia-a-dia na escola. Acho que uma por semana eu consigo. Já tenho o assunto e começo a rascunhar alguma coisa. Não precisa ser preciso e exato. As primeiras ideias vão se deixando aparecer no bloco. Tenho sempre ele ao meu alcance. Pintou uma ideia e vai pro caderno. Não confio na memória. E acho que precisamos exercitar escrever como a turma do Gustavo exercita os músculos na academia.
O último período de aula daquela manhã não rendeu. As gurias das fofocas passavam recadinhos rosinhas e amarelinhos e verdinhos. Combinam de se encontrarem no quarto da Cândida. Imagino aquele quarto todo rosáceo, com dezenas de cartazes, Kelly Key, Jeito Moleque, Britney, KLB, Pitty, Avril. Escolham. E a discussão sobre quem iriam detonar. Claro, estavam com as fofocas na mão. Nenhuma precisa ser verdadeira. Todos sabem disso. Essas meninas têm atitude e uma couraça de coisas tolas. As fofocas que fazem se escondem. Elas ficam badaladas, mas o que elas dizem se oculta na falação dos cochichos. Agora, elas terão que mexericar diferente, o dito será escrito e permanece. Terá assinatura de autoria. Acho que ainda não pensaram nisso.
Precisam pôr a bunda na janela...

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