quinta-feira, 22 de setembro de 2011

X (1ª) - No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Um hábito amoroso de arreganhar-se para o homem depravado
A tristeza do ventre

baitasar


Naqueles dias e noites, depois da partida do Juzé Qualquer, minha irmã perdeu-se em desinteresse e tristeza. Não lhe adiantavam as explicações que seriam apenas dias, até o tempo das leiteiras parirem e aleitarem os vitelos. Tempo necessário para que os homens do coronel diminuíssem o ímpeto de procura e justiçamento. La Muerte rondava Piedras Altas e Blanca sabia dos riscos do seu destempero, a morte sempre tem um desculpa e aguarda nas sombras qualquer descuido
(Será 290 días hasta el nacimiento...)
Queria noticiários do seu meio-homem, queria ter raízes enfiadas no chão para poder enxergar de olhos fechados e escutar o cochichar no vento a direção do seu coração
(¿Cuál es el paradero de mi hombre?)
O melhor para si, para Juzé, para as leiteiras e Piedras Altas é que não soubesse de nada, repetia papá para acalmar seus miedos.
Os dias se arrastavam em quefazeres de juntar gravetos, esmagar baratas, cuspir nas moscas, quebrar o milho, assar tortillas, tudo feito e desfeito sem alegria. Ela se mantinha resignada pela tristeza da desesperança. Um bagaço definhando, seco de umidades. Blanca secava na frente de todos, era a imagem da tristeza resignada de quem havia desistido. Apenas esperava pelo tempo do próprio acabamento e a vez de desexistir.
Falei com papá que minha irmã estava muy triste, ele respondeu com pequenos resmungos que o acabrunhamento da sua filha tinha data para acabar
(Criancice e agastamento baldado.)
Meus olhos não precisavam mais ficar espremidos ou fingidos de dormir. Estavam entrelaçados, despertos até quase doer o amanhecer, quando o cansaço vencia minhas forças de resistência. Eu dormia e Blanca seguia desaninhada dentro do próprio ninho.
Na morte se perdem os movimentos e a solidão é completa. Os ruídos têm medo daquela solidão indiferente e permanente, fogem como o diabo da cruz. O desgostoso desiste e perde importância, acabou. O corpo desfalecido da vida será apenas carne que se desmancha de si mesma, perde as memórias, os perfumes e aromas. Por isso, enquanto Blanca morria e ficava viva, sofria a dor insuportável da permanência amaldiçoada do próprio cadáver, mas lhe foi prometida a ressurreição.
Em outras noites, ouvia minha irmã reclamando da própria dor metida na mudez das lágrimas. Ficávamos escondidas na exaustão, na escuridão; sem os tocos de vela, o manto escuro cobria os pés e a cabeça. A voz da mulher sagrada crescia e aumentava a dor daquele isolamento em saudades. Disfarces, solidão, memórias sussurradas na penumbra
(Mira me, mis ojos quieren mirar te, necesitan de tus ojos. Deja me cegar o aparece de vez.)
Nenhuma resposta do silêncio, além de um vento fraco, cochichando lamentos. Minha irmã ansiava que o vento levasse as palavras quietas da sua dor e retornasse das pedras, das águas, das copas das árvores, com algum murmúrio de alento, algum acalanto
(Estoy vivo, estoy nostálgico, te quero.)
Foi a primeira vez que senti vontade de fugir, parar de escutar a voz e as lágrimas da minha irmã, molestada tão profundamente pelas lembranças do seu tempo de amor.
Minha querida amiga, o tempo passou, mas continuo perguntando o que não tenho como responder. Sou uma velha que se acostumou como perguntadeira, sem paciência para as respostas vazias, por isso nunca descobri o que faz num homem o descontrole com a virilha, no ponto do sujeito querer sentir o gosto e os cheiros, procurando uma intimidade desfalecida de palavras e bom senso. Enfia-se a beber em pequenos goles a seiva úmida, que brota quente das provocações e das loucuras indecentes, a intimidade apaixonada é entregue na bandeja das pernas arregaçadas. E assim, ele faz o desejo se tornar um vício, um hábito depravado de arreganhar-se.
Tampouco sei o que fez de mim uma puta
(É uma palavra muito real? Prefere outra? Minha amiga, que outra palavra? Mariposa?)
Enfim, são tantas pequenas razões: a cólera do patrão e a sua astúcia em me conquistar; o coração que me saiu pelos pés depois que fui embruxada pela febre descontrolada, insatisfeita; sempre fui débil para negar-me, uma falsidade de boas intenções. Meu mau humor perdeu-se da fé em Blanca.
Sei lá, a única coisa concreta, cruel, era o amanhecer diluindo as vontades e mistérios das mulheres bem ou mal possuídas, seus homens esbranquiçados levantando das nossas camas, subindo as calças, reclamando de suas mulheres estúpidas: não deixam um homem gozar como deve... vacas defuntas!
Todos acham que as suas vontades é que valem, estão embruxados com egoísmo. Estúpidos de criação
(Sou assim porque escolhi assim, fui a inspiração de mim mesma, um catavento desgovernado.)
Passei minha vida procurando bigodinhos raladinhos, mas jamais encantei ou deixei me encantar, faltou a Montaña, por perto. Desde tempos muito remotos, ela tem servido para o encontro entre a terra e homens, e mulheres, e a vida. Não sei se a Montaña voltará a ser feliz com ingenuidade, fugi dela. Escapei daquela tirania de fome e frio, fome e calor, e penúria de tudo. A avareza é a sua fartura. O encanto que não desencanta. Minha irmã prosseguiu com a rebelião das leiteiras, deixei-a abandonada, entregue ao próprio destino da rebelião pelas leiteiras.
Minha querida, nestes anos, eu precisei aprender a pensar, parar de ficar repetindo o discurso cruel da Montaña. Num dia qualquer, sem importância nenhuma para mim, nem para o mundo, perguntei para os meus olhos, refletidos num livrinho pequeno, de um hombre gigante com seu jeito honesto de escrever: por que existem tantos mestiços e tão poucos médicos mestiços; por que existe tanto milho e tantos mestiços com fome, se os mestiços cavam as covas de milho da Montaña; por que mestiços vestem os mesmos linhos e algodão, enquanto a seda pertence aos brancos; por que mestiços passam metade de suas vidas desdentados; por que mestiços são acorrentados por correntes invisíveis de resignação e esperança num outro paraíso, um lugar das delícias tão acima da Montaña?
Homens e mulheres que empunham o lápis no papel oferecem ajudas que ajudam hombres blancos y mujeres blancas que sabem sonhar com os olhos siempre acordados, enquanto os ojos mestizos estão siempre dormidos. Juram que se importam com os mestizos, mas não consigo acreditar em suas juras, esses juramentos de barriga cheia não são as mesmas juras com a barriga vazia; amor e reino não são parceiros — sim, minha querida, não te iludas que têm homens e mulheres desonestos para pensar e escrever. Escondem as conseqüências da pacificação e neutralidade inconseqüente, como se todos fossem inocentes e a Montaña abrisse covas por própria vontade
(Soy una perra de maíz.)
Não te choques, isso não é nada de mais nem de menos, apenas uma das escolhas da Montaña que demorei em entender. Passei anos acreditando que eu mesma escolhera ser uma das putas da Montaña, até que descobri que ela não precisava apenas do adubo para suas terras de milho, mas também de adubo para as carnes que lhe subiam às costas. O destino de adubo es siempre el mismo: ficar sepultado, apodrecendo como los dientes de la boca de estas personas mestizas, sem antes nem depois, invisíveis com suas gengivas moles, vermelhas e sorridentes. Desdentadas e atrevidas a sonreír.
A escuridade ainda não subira de todo pelas paredes, mas as baratas e as formigas brotavam do chão, curiosas e nervosas. Caminhavam rastejando suas moléstias. Os piolhos seguiam coçando en la cabeza, sem dormida fixa, saltavam de cabeza en cabeza, como fugitivos que perseguem vítimas, siempre las mismas, uma grande família de vivos y  muertos.
Os ratos vagueavam de um lugar para o outro, até encontrarem as crianças para roer. Nariz, orelhas e dedos.
De certa feita, os bichanos roeram el pene do menino. A mãe foi de casa em casa, gritando e mostrando o ratão que matara com dentadas e abriu para salvar el pene de su hijo. Aos poucos começaram murmúrios que as deusas amarelonas estavam zangadas e o ratão comera as virilhas do menino com o consentimento das divindades
(Mas por quê?) — se perguntavam las madres — Os deuses não precisam se explicar, por isso são deuses, retrucava mi mamá, E ademais, quem disse que eles sabem o que fazem — explodia em risadas de mágoas la madre de Blanca. Mi mamá aguardava o silêncio daquelas risadas e explicava que os deuses queriam castigar las perras roendo el pene dos meninos, um castigo enviesado. Coitados, estavam pagando pelo que fariam
(Todos os cholos, mais dia menos dia, siempre requieren las chicas perras.)
A nossa vida de mercadoria se confunde com a história da própria Montaña, não catamos piolhos, nem mesmo abrimos os olhos, apenas arreganhamos as mãos e apanhamos o pagamento, depois as virilhas se abrem para que o destino se cumpra. Começar aprendendo con las mejores daba a los niños vantaje con las chicas del matrimonio el resto de sus vidas. Ensinar tem poder, mas educar a seu gosto não tem preço.
Essas divindades têm nome e endereço, são as mesmas que se importam e nada fazem além de olhar e rezar, e torcer, e chorar, para que el pene do menino torne a crescer. Senti pena do vaso vaginal que não teria el pene daquele menino. Alguma chica haveria de dar por dar sua cova, sentida com a falta daquele tico roído que pudesse ser o seu amor. No fim de tudo, covas são covas, podem não estar abertas, mas bastam braços, mãos que segurem o ferramental e golpeiem la tierra com vontade, ela haverá de ceder.
Escapava em adágios. Sentia vergonha da minha medrosa infâmia. Quando fugi da Montaña subia as escadas dos dormitórios com as malas nas duas mãos
(Onde fica o meu quarto?) (Ali, naquela porta.)
Era uma voz sem rosto, como se o viento quisesse entrar por frestas e estivesse sussurrando que não entrava e se debatia nas janelas e portas abertas
(É por ali, por ali, sua velha tola.)
Bem feito, fugi em um alojamento de quartos desocupados de qualquer vida e o viento sussurrando
(Por ali, por ali.)
Abria as portas, os quartos ocupados por La Muerte. O corredor vazio, desocupado de qualquer vida. Olhei às janelas e os alunos desciam pelas janelas, pulavam do andar acima para o andar abaixo
(Não se assuste, é assim mesmo, eles descem pelas janelas.) (Por que não usam as escadas?) (A juventude tem pressa e para baixo todo santo ajuda.)
Aqueles sussurros de uma ventania que não existia pareciam zombar dos meus ouvidos. Gritos de terror
(Não se assuste, foi apenas outro jovem que caiu.)
Pensei com minhas virilhas que a pressa e a perfeição não andam juntas, mas se provocam para admirar o fracasso da outra.
Na Montaña os murmúrios vêm e vão ao sabor das ventanias que deslizam suaves sobre os topetes das espigas de milho. Minhas entranhas estão amortecidas como as covas de maíz.
Sou a cova em que eles se metem enquanto pensam que estão vivos.

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