quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Comer o pão do diabo


XV (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
baitasar

Quiero te contar fatos e conversas que vi, outras tantas que ouvi, durante minha vida como escrava, aia, muro de lamentações, objeto e utensílio, para uso geral, até ser rejeitada pelo desgaste dos dias, mas não te preocupes que ainda não estou aguando as plantas quando chove: agotada, como una mujer abierta a los médios por el aburrimiento.
Por aqueles dias, depois do costume de ouvir a patroa, minha meninice sentia orgulho de importância quando la mujer do patrão se abria em confidências. Não me ocorria vontade de desocultar os segredos, mantinha silêncio da falação daquela mujer tão triste de sonhos. Não enxergava razão para fazer conversa de mexerico. Seguia a promissão de Blanca: comer el pan del diablo, mas não fazer da sua tristeza a tristeza para os outros. Carregamos nas entranhas os feitos e desfeitos, os ditos e silêncios, os cacoetes, as bondades, as malvadezas, as histórias, os costumes dos homens e mulheres que nos esculpiram com seu amor, às vezes com seu ódio, muito mais que podemos perceber.
La Montaña não tinha hábito de escuela, não havia precisão dessas futilidades para sobreviver. Era imposição a sabedoria de entender do tempo para semear e colher. Resistir com a enxada e as mãos nas suas entranhas. Aprender a ler as estrelas, a poeira cinza e os ventos quentes das queimadas, o brilhantismo do sol, o desassossego da seca, o imprevisto das chuvas e a abastança assassina da cheia das águas. Los hombres existiam nos dias subindo a Montaña y las mujeres viviam de esperar para serem fertilizadas en sus tumbas. Sem cobiça, sem desespero, sem promessas. A vida é o que é: una tumba para los pobres y una colmena de vacaciones para los ricos.
Fui aprender o significado de ler e escrever muito depois, por vontade própria, até então, não havia motivos para contar com o lápis e o papel a história desta luta eterna. Continuo misturada entre duas línguas, ao fim de tudo, não sei de nenhuma sozinha da outra e não sei das duas, mas não há de ter muita importância: la esclavitud es la misma en cualquier lenguaje. Minha querida, a importância da tua atenta escutação é o teu testemunho de ouvinte que não deixará que tudo seja esquecido. Depois de mim, você carrega a vida daqueles hombres y mujeres muertos en la  Montaña: los muertos vivientes.
Escucha: continuo sem jeito para escrituras, a imaginação não me sai na ponta do lápis, me falta o hábito de pensar con el lápiz, acostumei com a ponta da língua; assim, nessas inconfidências, siempre tenho a saída estratégica de quem disse, mas não disse. Entonces, cierra sus ojos y voltemos ao que interessa, como comer o pão do diabo e não desejar cobras e lagartos aos outros, pelo menos, não no meio da algazarra da casa que me acolhia.
Dona Lara vivia se queixando da sua requisição de privacidade, o banheiro de suíte virou de uso comum. Después del cuarto de baño construído perdeu a intimidade de ficar sozinha para lavar todo el cuerpo o parte de él. Gritava arrependida que todos faziam uso da sua pia e toalhas. Mastigava os seus gritos de trovão y escupía su destino contra os hijos, siempre que encontrava o assento da bacia sanitária molhado
(O que custa levantar o assento do vaso?) – perdeu a conta dos gritos com aquela caótica multidão de hijos — (¡Dios mío, cabellos caídos en el lavabo!)  — y hijas, destino de mierda.
Silêncio... siempre fingiam que ficavam calados para os gritos enfezados, mas para minhas orelhas acostumadas com os murmúrios da Montaña, aquelas lágrimas e ameaças de miedo produziam o mau humor da cólica: murmullos de excrementos y orina, entre los dientes
(Vaya a la mierda...) (Truchas de edad…) (No llena la paciencia...)
As respostas se mantinham no sigilo das bocas caladas com raiva y miedo
(É pedir muito?!) (¿Lo que mamá?) (É pedir muito que cada um erga a tampa antes de usar?) (¿Lo que mamá?) (... que cada uma pegue seus cabelos da pia?)
Todos resmungavam, mas não passavam do hábito de responder baixo, por entre dentes e com mau humor. Sabiam que a mãe tinha razão. Para o bem da verdade, as mães sempre têm juízo, bom senso e prudência quando o assunto são os filhos. Usam das garras e dentes para defendê-los. Enxergam de longe os discursos vazios ou falsas promessas. É o equipamento humano mais apurado da natureza: el instinto maternal. Ele enfrenta os desafios, independente de qualquer exercício ou aprendizado que tenha recebido, é um impulso espontâneo e alheio a razão. Como levar a boca ao peito para mamar. Intuição uterina. Para o bem da verdade, os filhos de Dona Lara fazem muxoxo de descontentamento, impaciência, indiferença, ficam calados, mas reconhecem o amor incondicionado, absoluto... regañóna
(¡Carajo, ahora le doy la teta!)
O único que não se habituava al miedo con la regaña era o leporino, chorava porque queria mamar. Não silenciava nem calava entre dentes. Não havia aprendido a resmungar
Sobrevivências.
Subvivências.
Era pegar no colo, dar a teta e o berreiro desaparecia.
Minha vida foi muito fácil com os homens, se tinham moedas trepavam em minhas virilhas, mais moedas e se agarravam em minhas tetas, mais moedas e beijavam minhas virilhas, outras moedas e beijavam la hendidura de mis nalgas — Quero teu cheiro em meus pelos do nariz — Carregar meus cheiros por aí, te custará mais trinta moedas — Não tem preço — não tenho ganâncias, mas os tontos não têm cuidado com o que dizem, tantos elogios fez o preço da mercadoria subir — La Española es la pena cada centavo atrapado en la bolsamas se não tivessem as moedas ficavam a mercê do meu querer. Não tive as aulas práticas dessas moças que berram e gritam desde muito pequenas, enquanto crescem e se comem têm o tempo das bonecas, casinhas, panelas, fogão. Nenhuma menina dos Caraca, em tempo algum, deixou de segurar uma boneca de louça, plástica ou pano, mas nunca o sabugo, elas não têm como escapar, rosa é menina, boneca é coisa de menina, carinho é jeito das meninas
(Tu é a mãe, cuida e protege teu filhinho.) (Tá na hora da comidinha...) (E depois?) (Nana nenê que o bicho vem aí...)
Enquanto o homem usa a instrução familiar da espada como um escudo, azul é menino, carrinho é coisa de menino. Sua insígnia de caçador, não importa se soldado de infantaria ou cavalaria ligeira, lhe diz que a implicação natural é o combate brandindo o gládio do poder e da força. Fendendo corpos de alto a baixo até ficar retalhado como um garanhão acabado: gordo e desdentado, sem jeito de levar à boca o peito e morder a teta. Mantido a distância pelo medo. Intuição peniana: enfiar a espada no fundo, alcançar e não mostrar misericórdia. Não pode ser fraco, mas duro e resistente. Pronto, ágil e decidido, mentir é coisa de menino
Nunca chora, carrega revólver na cintura, espada na mão e máscaras de super-heróis nos olhos: no puede escapar, as guerras em que irá combater já foram juradas.
A força é o jeito dos meninos
(Mostra esse tiquinho... que lindo!) (Grandão assim, hum, vai fazer muita mágica com as garotinhas.)
As vozes do passado estão quase sempre no presente. A família Caraca ensina seus meninos a ultrapassar corpos com espadas aos gritos e suas meninas a romperem suas fendas em segredo.
É assim desde sempre, las mujeres se rompem em cuidados e prudências, los hombres querem tudo e não se dispõem a quase nada. As moedas permitiam seus beijos, menos na boca. Não dava nem recebia beijos na boca, meu cuspe não se misturava por moedas. Muito poucos beijaram mi boca, Juanito foi o primeiro. Não tenho certeza de su beso quando agarrou mis senos, mas não importa, me basta recordar o gosto de su beso  inocente y sus manos pequeñas como conchas en mis pechos. Ou talvez tenha me beijado só em minhas memórias, ou nem isso: en esa época y todos otros momentos, quem sabe não tenha me beijado por conta do nosso destino cruel de prudências. Ensinamos o que aprendemos.
Dom Juan aprendeu o que ensina para os filhos sobre apertar tetas, enfiar espadas, cagar de bater e fugir das índias madraças que sonham com a comida de brancos. Sem rubor ou escrúpulos, fazia treinamento de guri para el tiempo del hombre.  Ninguém se escandalizava, nem com a fome, nem com o suor do cansaço amargurado, nem com o cheiro de podre, nem com as pancadas do amante.
Dona Lara aprendia o que ensinava às filhas: tiene tiempo para aprender y hacer.  Suas meninas apreendem que o poder não está nas virilhas, mas nos hijos de lo sangre. As virilhas se desencantam, mas o ventre é um negócio de segurança para o bem-estar. Assim, não será preciso esconder a amarga contrariedade, permanecer imóvel, olhar para não ver, como se não estivesse onde está, sendo ordenhada. Impotente. Escondida dos seus maus pensamientos. Sem lamentações. Un cadáver – un cuerpo muerto pálido y macilento – depósito de pagar la cuenta.
Dom Juan enfiava e Dona Lara murmurava
(Vai ser difícil encontrar outra...) — não era uma flagelada da monotonia, encharcada pelo chuvisco do santo suor maternal
(Quer mais?) (Sí, quiero mi patrón.)
Não se recordava de ter se negado ao marido, não se recordava do marido ter-se negado, mas lembrava das vezes em que os dois se entregaram juntos, como se ela empunhasse a espada e ele ficasse a mercê pela fenda das virilhas, fodas de rara beleza — Então, que venha.
Jamais sentiu dores de cabeza, apenas dores pelo cuerpo, e aquelas manchas que solicitavam esconder os caprichos nas noites mais negras. Nunca perdeu as vergonhas de abandonar as roupas íntimas na cama. Dava as tetas con miedo que su hombre a ordenhasse. E cumprido os caprichos de hombre y mujer, tombavam de sono.
Depois da crise do acordamento de todos, ela ficava só, por aquela casa de pedra toda desarrumada e calada, nua. A vozes da casa se foram e ela adorava isso, caminhar descoberta pela casa. Sentia como se cada esquina ou aresta estivesse a acariciá-la e ruborizava com sua ousadia. Encontrava sua maneira de infringir e relaxar.
Antes de visitar todas as frestas do casario, Dona Lara entrava na banheira, lentamente, a boa vida não queria pressa. A água morna perfumada era seu bem mais precioso. Assim, alcançava sentir alguma vantagem daquele quarto de banho. Ficava morneando, esquecida dos filhos e deslembrada do porco espinho, lembrança que tinha do marido quando estavam agitados por confusão
(Menina, tudo nesta vida tem os prós e os contra.)
Mais repetia para si, quando ele se metia apaixonado por ela e a deixava maluca
(Es un gran hijo de puta.)
Ele quase sempre começava por comê-la com os dedos. Adorava aqueles dedos felpudos e tarados se enfiando, derrubando seus muros, torturando suas vontades, golpeando su esclavitud
Hijo de puta... sí, quiero mi patrón!) — era quando perdia o medo do fracasso e cumpria o seu dever na ilusória personagem de esposa y hija de su madre.

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