sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 9


Ensaio 34B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar


A vida não tem meneio nem aparência de generosidade, a largueza ou justeza da vida é a própria vida. As coisa bondosa é feita com as mesma mão e cabeça qui pode escolhê as maldosa. Nem tudo qui parece sê é, tem gente qui usa a vida qui tem com beleza, como as moça qui enfeita a vida com uns brinco ou os moço qui corre atrás do ouro dos tolo; e têm os inumanos, eles parece feiura e descortesia, mais, em verdade, eles são as minhoca enfiada nas terra de mina procurando os brinco das moça e o ouro dos tolo. Aformoseá a vida das moça com meiguice e louvação aos moço tolo pode custá a vida aos inumanos virado em minhoca. A bondosa beleza e a tola abastança usá de malvadeza. A vida não tem culpa da feiura nem da formosura. A vida é só vida. As mão da bondade é as mesma da malvadeza, não esqueça mifioneto.

O Gaspá sorriu misericordioso consigo mesmo, teve a muié dos seus encanto e perdeu a feitiçaria qui ela sabia fazê no seu gosto. Tolo. Ergueu-se e recostô no balcão os cotovelo com força. Procurô seu pano de limpeza qui sempre carregava nos ombro, ele tava nas mão da pretinha. A cara do tabernêro continuava em brancura. Não parecia tê muitos dia, nessa vida. Fazia planos de vivê meió na próxima vez, mais não dava certeza. Nem da próxima vez. Pode sê qui ia repetí as coisa já feita. Estendeu o braço e apanhô o pano. Não pediu nem agradeceu. Secô o suó e a baba. Aproveitô pra continuá a limpeza e fez a faxina do balcão. E sem oiá direto no siô da Hora, falô como se os acontecimento não tivesse acontecido

Não lhe contei as novidades?

O siô da Hora mostrô a sua meió voz de fingimento, ofereceu o seu ombro amigo. Não avisô qui podia traí com a mesma facêrice qui podia ajudá. Escondeu qui ia escutá pela curiosidade e a sorte de sabê mais do qui já sabia. Conhecê é mais vantajoso qui não conhecê; no caso do tabernêro, as novidade parecia qui tinha interesse de desabafo, alívio da lama da alma, as coisa dita assim tem mais utilidade de uso. O tabernêro pediu segredo, ele concordô em silêncio, mais fez uma figa pra modo de se garantí qui a concordância não tinha valô

O amigo não contou as novidades e nem precisa. Mas, se, por acaso, sentir mais alívio conversando...

O tabernêro oiô a pretinha, teve gana de apertá de novo. Ele tava sofrendo. Ela tava merecendo. Queria esgoelá a guria qui abandonô a sua vontade de não morrê sozinho. Sorriu só de lembrá o gosto qui sentia com as mão colada nos dois montinho arrebitado. Foi mandamento seu a pretinha andá descoberta da cintura pra cima

Comprei uma negrinha no contrabando, depois qui disse o qui disse, fez mudez. Esperô a falação do siô da Hora, qui mais parecia entediado qui curioso, afinal, o contrabando de escravo era tão comum como o fingimento das autoridade de não sabê

Essas compras estão cada vez mais corriqueiras, Gaspar, o tabernêro fez aceno com a mão, pediu qui o desinteressado ficasse mais aproximado, não queria usá da voz mais alta pra contá os seus mistério. Os grito qui gostava de gritá ficava guardado pros causo de necessidade: desmanchá uma qui otra desavença ou fazê cumprí os mandamento qui ditava. Agora, não era vez da gritaria, precisava fazê uso da voz qui intriga, aquela qui jura não parecê um modo de contá falsidade e qui morre se não contá. Ela se diverte enquanto o otro procura sabê o verdadeiro e o falso da história contada. Otro aceno do Gaspá e o siô da Hora aproximô, mais não muito, o tabernêro tava catinguento, parecia tê se esfregado mais qui o costume, tava com faro de preto

A negrinha veio em uma carga de Buenos Aires. Botei os olhos e já fui anunciando que era minha. Queria mais que tudo aquela negrinha que chorava muito, o siô da Hora pareceu entendê os desafio do comerciante. Ele mesmo tinha um comércio qui não podia se misturá com as ilegalidade do contrabando; tinha qui parecê sê o qui não era

Isso é coisa que as pessoas de bem fazem aqui na Villa, uns melhor, outros nem tanto. Tudo é uma questão de costume, sangue frio e saber chupar o sangue dos mansos e miseráveis, o siô da Hora não soube logo, mais percebia qui as coisa não tava bem resolvida, pela sua vocação de adivinhadô, era capaz de apostá qui ela abandonô o tabernêro. No fim das história contada, ele ia sabê. Tudo no seu tempo

Foi tudo tão absurdo e rápido.

Nem me fale, Gaspar. Já foi mais em conta ter escravo novo. E o pior, é preciso renovação. Eles não duram muito. Aqui na Villa, duram menos que na Capital do império. Sem contar a morosidade e as complicações da governança. Para viajar de uma província para outra é preciso passaporte, apólice de seguro, recibo de compra do escravo e do pagamento de sisa. E ao chegar no lugar de destino, somos obrigados por lei registrar os escravos na Alfândega.

Governo não ajuda, só atrapalha! Impostos e mais impostos, isso não tem fim. Um saco sem fundo! Canalhas!

Gente depravada e podre!

A pretinha pegô o pano de limpeza recostado nos ombro do Gaspá e trocô com otro, livre da babação do tabernêro. Depois, ficô parada, desinteressada, morrediça. Mais triste qui sempre. Ela não podia se curá de sê pretinha como o carvão, quase azulada. Ele não podia se curá de querê respirá os perfume dela. Cada um com a sua sina. O homê arrancô o pano dos ombro e recomeçô a limpeza dos copo, parecia mania ou coisa de quem não pode ficá parado

São uns metidos, isso é o que são; se metem onde não precisamos deles, os dois falava falava e falava, mais sem escutá, um não parecia atentá no otro, era só um feitio pra despejá os ódio guardado

Na semana passada, fui obrigado colocar anúncio na Voz da Villa. Tinha necessidade de comprar um escravo sapateiro e outro para todos os serviços. Ficou mais caro que no contrabando. Isso que não coloquei anúncio querendo negro cozinheiro ou pedreiro. Muita humilhação. Antes dessas leis, os anúncios vendiam os escravos. Agora, nem com anúncio se consegue comprar esses negros por preços mais humanos e acessíveis.

Só no contrabando!

Só assim, no mundo subterrâneo da embustice, compramos os escravos fugitivos. Fogem da Villa e se debandam para o lado dos espanhóis. Os estancieiros daquelas bandas são uns grandes filhos-da-puta, recebem os negros do outro lado da fronteira e os trocam pelo nosso couro, carne, graxa e sebo.

E não esqueça da farinha de trigo, recomendô um dos freguês qui bebia nas mesa

Pagamos para ter de volta o que nos pertence: os nossos negros! E o governo imperial não toma nenhuma atitude!

Só no contrabando! Esse governo de merda não faz nada! Corrompidos!

Nem as tropas que mandamos para pilharem o gado estão a salvo das deserções. Não faz muito, o coronel Bento, homem da minha mais alta estima, me relatou que pediu a soltura de um negro aprisionado de sua propriedade. O escravo fugira da sua estância, mais foi apanhado e levado para a Prisão Militar, pois nem esse lugar foi suficiente para segurar o negro.

Bem sei... quando a negrada quer, nada os impede de tentarem a fuga, o tabernêro não conseguia se curá da pretinha qui o abandonô, tudo tão absurdo e rápido. O frio e os vento aparta a Villa do resto do mundo. Ele ia continuá abandonado e apartado atrás do balcão

Fugiu com o soldado de sentinela e outro negro. Foi preso, novamente. Agora, estava na Cadeia da Justiça, enquanto o soldado e o outro negro conseguiram escapar.

Só no contrabando, o tabernêro ergueu a destilada, a pinga brilhava na penumbra do anoitecimento, escutava os gemido enquanto lhe entrô com as mão, depois usô sua espada. Levava os dedo polegá e fura bolo inté o nariz, fungava o perfume da pretinha, os peitinho, os óio esbugaiando conforme a espada rígida e tesa ia entrando. Cheirosa e atrevida. Ela o abandonô morrendo em suas mão, a menina morreu sem tê necessidade

Tinha que ser assim, Gaspar. Não se culpe.

Não podia me curar do perfume, dos gemidos e das mãos ensopadas naquela pretinha.

Ocê não pode ser o homem da pretinha...

Eu sei, mas queria ser...

Mas nunca ia ser, Gaspar, o tabernêro ameaçô derrubá a destilada nos copo, para mim, não, recusô o siô da Hora

Só mais um dedo, avisô.

Oiô no lado, ela continuava ali, um encosto insuportável. Continuava chorando. Nunca parô. Parecia menina querendo brincá de boneca. Tê e não tê, ela o atormentava da eternidade, ninguém reconhecia a desgraça da sua tristeza sem fim. A covardia pareceu sê o seu maió instante de felicidade, apertô com as mão gigante seu pescoço quebradiço inté estalá. A espada enfiada, as vista esbugaiada e o pescoço partido, ela não suportô a emoção do medo permanente qui ele lhe ofereceu

Um dedo, Gaspar... e esquecemos tudo isso, o tabernêro serviu um dedo da destilada nos dois copo

Comprei a negrinha com os olhos da cobiça. Ela veio com as marcas mais os costumes de menina.

Marcas? Marcas do quê, Gaspar? A menina já carregava as marcas de fujona?

Não, sinhô da Hora. Ela veio com as marcas do seu lugar de antes. Um documento do nascimento. Eu não conheço, mas uns dizem angola, outros que é congo. Tem capitão-do-mato entendido em negro que afirma que é benguela, mas pode ser cabinda ou inté negra mina.

E isso tem alguma importância de serventia? Saber o lugar de aparecimento da negrinha não vai mudar o rumo que ocê deu nela...

Antes de respondê, o tabernêro abaixô atrás do balcão inté desaparecê todo, parecia tá procurando algo

Achei, desdobrô o corpão e colocô na tampa do balcão otro lampião. A noite tinha feito o convencimento para o dia desaparecê. Voltô a descê e subí com mais dois lampião. Parô mais um instante, ergueu a destilada no copo, deixô caí inté o chão uma gotinha da pinga

Vivam as negrinhas! Qualquer que seja o lugar de nascença, interessa mais o lugar de chegada. Quem se importa, afinal? Tudo não tem o mesmo sentido? Virar mortalha?

Viva!

Os dois desceu na garganta a destilada pura. O tabernêro atiçô o pavio dos três lampião e espaiô a iluminura no salão. Parô ao lado do siô da Hora. Parecia querê fazê mais confidência. Enfeitá a defunta. Apontô na direção dos 7 Pecado e abaixô a voz, dava importância de segredo

Quando chegar um carregamento novo na Maria Cobra, vou pessoalmente fazer a avaliação das peças, escolho uma novinha para o seu uso, não conseguia escondê as artimanha na voz, farejava os óio do siô da Hora

Gaspar, ocê não vai ter arrependimentos, é de menina que se ensina. Depois de bem acostumada com as instruções do ensino, dominando conhecimento e prática, está pronta para o trabalho. É só fazer venda ou arrendamento, a voz morna do siô da Hora parecia convocá o tabernêro pra assumí a linha de frente de alguma guerra de mentiras e segredos: o faz-de-conta qui diz vivê meió quem morre. Ele não conseguia explicá o prazê qui sentia no ensinamento de qualqué subalterno. Na aparência da brancura eles parecia igual, mais ele sabia mostrá qui era superiô

E a negrinha, Gaspar?

Fugiu... escapou entre meus dedos.

É assim, muito bem dito. É só aparentar que acredita, meu amigo.

Tava guardando para meu próprio uso, a amargura da voz e o desespero nas vista denunciava o tabernêro. O siô da Hora parô de sorrí, naquele mato não tinha cachorro e não era mais o causo de se metê. Era causo de amô sem alegria. Ofereceu sua meió finura e gentileza de boa recuperação da saúde

Virgem Santa, esqueci da reunião. Preciso ir... e ocê se cuide! Até mais ver, Gaspar!

O tabernêro não respondeu, qui o diabo levasse o casamenteiro calculista. Serviu o próprio copo inté a borda, virô tudo na goela, sabia qui a noite ia sê muito longa. Arregaçô os dente e bateu o copo no balcão. O barulho do vidro partido chamô atenção de todos no salão. O siô da Hora parô na porta, já tava virado com as vista na estrada

Essa é das melhores que já servi. Viva! Viva, minha negrinha!

O choro do tabernêro fez caí o silêncio, pela primeira vez, na Casa dos Molhado do Gaspá. Ele pensava se teria força pra contá, talvez nem fosse preciso, ela seria como um cachorro qui se perdeu.


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