sexta-feira, 6 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 16


Ensaio 41B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



O camará Farol andava veiz qui otra com um menino de acompanhamento qui veiz qui otra lhe aparecia. O guri sabia o qui queria: aprendê o meió feitio de acendê e cuidá das lanterna, o camará é qui não sabia dizê pro guri não aparecê. Era serviço de hôme feito a ilumira com as vela. Ele velava as sombra inda viva qui ia e vinha, os passagêro das rua.

O véio acendedô teve vida lenta, comprida e desabitada, não recomendava vida igual pro menino. Chegô pra lida com as vela já passado da metade da vida qui achava qui podia tê, mais não ia tê. Nenhum preto cumpriu toda vida com as parte da carne qui tinha quando nasceu. Nem o camará Vila. Ele se meteu em desavença, perdeu a língua e o lugá de acendedô das lanterna da iluminura das rua

Ele não perdeu a língua, Laetitia.

Sorri, sempre me soltô o riso o chamamento desse nome, Laetitia. Tive muitos nome e apelido, mais esse provocava as lembrança do amô de tanto tempo. Um amô qui dura o tempo qui durá a eternidade tá sempre nas lembrança, nos suspiro, na vontade de tê de volta o qui não volta. Um amô assim é um castigo. Um desassossego qui inté pode se acomodá, virá segredo, queixa, um feitio de vivê sem resistência, mais nem a morte basta pra dá sossego. Reforcei minha atenção na voz qui me provocava e respinguei as palavra

O camará Farol pode me usá pra contá a história da língua perdida do camará Vila, ele não sorriu nem mostrô tê muita vontade de animação, balançô as mão e chamô o menino

Meu camaradinho...

Tô aqui, mestre Farol.

Colocô a mão no ombro do menino, manchada e catingando de cera, um oiava no otro o qui foi, o menino oiava o qui ia sê, um carvoêro ardendo debaixo da água, o camaradinho escuta meió parado ou prefere ouví as história andando, pergunta feita e resposta dada

O gosto é seu, mais o trabáio fica bão se tivé conversa, fica mais passagêro, os óio do mestre apertô bem pouquinho, uma titica, quase nada, nunca fiz gosto de conversá

Então, ocê tá pronto?

Desce qui sai pra nascê.

E onde foi isso?

Um lugá sem nome, só sei do encantamento de mãinha embaixo do teto das estrela, deitada no pó da terra, abé obíurin libertô meu corpo no anginjù. As mão de Bayànnì me recolheu daquele lugá desabitado, gosto de dizê qui sô fio de Ogum.

E ocê é bão escutadô?

O mestre Farol conta as história do ensinamento no seu gosto, o menino oiava os pé enquanto ia soltando as palavra, eu boto toda precisão qui tenho.

Vamô andando, meu camaradinho, não há quem sempre mande, assim como, não há dia qui nunca acabe ou noite qui se demore, vi qui o menino tava no tempo de aprendê escutando e oiando. Eu não sabia se gostava de ensiná nem atinava sê aconseiadô, mais o menino parecia se bem comportado, lembrei sorrindo das palavra qui já tinha escutado sem sabê o qui tinha dentro das palavra, inté qui com o camaradinho fiquei sabendo, atinado é aquele qui vê quando chega o tempo de sê desafiado pelo mais novo

Já começô?

Nunca termina, ocê nunca vai tê vida folgada. Antes do escurecimento do dia, ocê vai precisá pegá a primeira sacola de velas com o Joca Lampião, cada casa tem uma lanterna, cada lanterna tem uma vela. É preciso queimá os pavio, um a um. Acendê e controlá qui não se apague.

É preciso sê mais ligêro qui a escuridão.

Tem noite qui se faz mais vinda do qui ida, nem pensá em cochilá enquanto durá a cerração do escuro.

E as vela queimada inté o fim do pavio?

Precisa sê raspada da lanterna, depois é só colocá a nova e incendiá a mecha. Tem escuridão qui o patrulhamento é pra resistí a teimosia do vento. E óia qui tem coisa pió... a chuva.

E sê é chuva e vento?

É preciso esperá a chegada da calmaria.

E se durá mais qui a noite?

Voltei as vista no camaradinho, sorri pras pergunta. Gosto das pergunta qui dá importância pras resposta. Tem perguntadô qui não qué resposta, só qué perguntá, meu camaradinho, é preciso esperá a calmaria, não tem jeito, água e fogo não se junta.

O meió de fazê é não saí de casa.

Isso. Esperá a chuva secá... mais parece qui foi comprado lampião meió, eles usa óleo de baleia.

O que é isso?

A baleia?

É...

A baleia é um peixe qui pode tê o tamanho do barco!

Virgi do céu, como pode tê um peixe tão grande? E como faz pra pescá? Imagina o tamanho da vara e a linha deve sê da corda mais grossa...

Não sei, não sei... nunca vi uma de pertinho. E ocê tá aqui pra escutá das baleia?

Não, desculpe, mestre Farol.

A incumbência do trabáio qui faço é vigiá as lanterna à noite toda. E deixá pra elas mais a lua e mais as estrela a vigília das bruxa, o cuidado com os veneno das rua e o recolhimento dos sonho perdido. Depois, as claridade de otro dia vem se exibí e tudo se separa no seu lugá. Hôme é qui manda, muié cuida da casa e dos fio, os preto faz os serviço e apanha. Tem veiz qui a claridade chega sem muito aviso, então faço caminho de volta, assoprando as vela qui tá no começo da queimação, uma a uma. O serviço tá se terminando. Faço assim porque fico com dó de vê elas queimando a claridade do dia, é balda perdida. Elas não consegue fazê mais iluminação qui o amanhecimento.

Gosto do vivê da noite apinhada com as estrela. Elas controla os vudu deixando o meu corpo fechado na proteção de Ogum, contra os veneno das rua me conduz na luz. Assim, vô passando as noite, indo e vindo, fiscalizando as vela, descendo e subindo as lanterna, trocando, raspando, atiçando os caminho com aprovação de Ogum. Sô um caso de preto liberto qui ganhô alcunha e nome próprio pra branco sabê dizê, Betobento Luz.

Esse tempo de saí da Casa dos Lampião com as sacola carregada nas vela, o vapau com gancho numa das mão e a tocha incendiando, tava se acabando com a modernice das noite iluminada com óleo de baleia. Otros tempo chegando. E ocê, meu camaradinho, qui hoje é o novidadêro vai tê o tempo de sê desusado. Gasto. Aproveita o tempo qui cada tempo tem jeito de aproveitá.

E tem tempo meió qui otro?

Não sei dizê, tenho desconfiança qui é o tempo de tê vida, mais cada um é diferente do otro, o qui é bão pra mim, pra ocê pode não sê. O qui muda é as dô qui cresce e fica repetida quando ocê ficá gasto, mais vamu voltá pra fazedura da iluminação.

O mestre Farol é qui manda.

Inté quando? Não sei. Chega dessa falação tristinha. Vamu atravessá o Largo dos Enforcado. A tocha tem qui tá erguida. Não quero nenhum espritu fechando meu caminho nem me dá com o camará Junquín, o primeiro enforcado com ordem de sê enforcado. Gosta de pará pra proseá. É preciso tê respeito pra caminhá no meio dos esganado pelo nó da corda. Faço gosto de recitá a mesma ladainha de benzedura, toda noite, se feiz pagô, se não feiz pagô pelo qui não feiz, ocês fique pras banda de lá qui o jeito não tem mais jeito nas banda de cá.

Óio eles esticando na ponta do nó e desconfio qui pra eles foi impossível escapá dos justicêro branco qui tem fartura de podê, brilhantura e afetação de grandeza, no fim das conta, manda quem pode e obedece os qui é obrigado. Um podê amontoado em mentira, meu camaradinho. Vai levá muito mais tempo qui ocê possa vivê, pros branco pará de oiá com tolerância e silêncio as corrente qui amarra o povo preto.

O mestre Farol não usa mais as corrente!

Não se engane, meu camaradinho, tem as corrente qui dá pra vê e as qui é de sentí sem vê. Elas aperta, esfola e mata do mesmo feitio. Tem veiz qui a maldade é tamanha qui nem benzedura e pedido de socorro tem ajuda. Entendeu?

Entendi.

Agora, é só fazê as benzedura do fim da travessia. Nunca tive cisma em encontrá um dos enforcado, mais sempre pedi, salve as banda de lá, salve as banda de cá, toda ajuda de lá é bem-vinda cá. É assim qui se rasga a escuridão de dentro do Largo dos Enforcado.

Não tive medo.

O camaradinho já pode largá da mão e deixá pra resolvê essa coisa de tê ou não tê medo quando tivé no tempo de fazê a travessia sozinho. Vamu seguí a rua da Praia, ela fica no cumprimento da praia. Quase no início já é preciso cruzá otra tranquêra, o pelôrinho de pedra. Erguido mais ligêro qui rápido, no ano de 1810, pra fazê a freguesia tê a etiqueta de celebração e abertura no modo de Villa da Nossa Senhora, tudo em nome de Deus. Entendo essa querência de subí de freguesia pra vila, e depois virá cidade. Gente de bem sempre qué subí na vida, as veiz nem se importam em quem pisa. Não consigo tê entendimento qui pra tê essa subida era preciso fazê o pelôrinho. Uma pedra de sofrimento e dô. E mais, queria sabê da razão qui levô tramá e levantá a maldita pedra, cara e frente com a igreja santa.

Mostrá os preto castigado?

Isso, meu camaradinho. Mostrá pra assustá, dá exemplo. E mostrá pra divertimento. Os branco sempre gostô de esfolá o côro dos preto, não tem quem não sabe, inté pode não tá segurando o cipó, mais se parô pra oiá é a mesma coisa qui segurá.

Tanto lugá longe pra fazê a pedra...

Tanto lugá longe e teve qui ficá de frente pro sió padre. Os ouvido qui escuta as oração é o mesmo qui não escuta as lamentação no pelôrinho? O qui ocê acha meu camaradinho?



______________________________

Leia também:


As Casa do Comércio na Villa 15
Ensaio 40B – 2ª edição 1ª reimpressão



As Casa do Comércio na Villa 17
Ensaio 42B – 2ª edição 1ª reimpressão

Nenhum comentário:

Postar um comentário