sexta-feira, 13 de março de 2015

Histórias de avoinha: As Casa do Comércio na Villa 17

Ensaio 42B – 2ª edição 1ª reimpressão

baitasar



Meu camaradinho, se ocê qué sabê do serviço desse preto é bão tê sabedoria de sê dois em um. Sô o Betobento Luz qui foi ensinado pela força do siná em cruz do Pai, do Fio e do Espritu dos hôme Santo, também sô o camará Farol, gosto de metê prosa com os espritu qui ronda aqui, gente preta esquecida na cruiz de pedra. Uma lambança de muitos nome com muitas morte na mesma vida. Tem muita dô no pelôrinho qui não consegue sê esquecida. E não vai tê deslembrança enquanto tivé mão qui garra o cipó e não se solta da vontade de humilhá, depreciá, dominá o povo acorrentado na cruiz de pedra. Esses bandeirante da boa nova tem tara qui carrega escondida e solta aqui, nessa pedra, gritando, as veiz, oiando em silêncio, mais sempre babando. É bão tê prudência com aqueles qui gosta do chicote e dos grito, a mão qui empunha o chicote e a arma qui atira não é só uma mão, ela tem dono, essa mão é um tarado maravilhado com a intolerância do egoísmo. É bão não tê esquecimento e encostá o ombro na cruiz de pedra, tê uma prosa de conforto pro lado de lá e cá.

Bão... chega dessa prosa. Depois da conversa feita na cruiz de pedra é preciso seguí o caminho qui não acaba, lanterna em lanterna, casa em casa, inté a Bragança. Nas rua da Villa se encontra muitas casa amparando a iluminação. A obrigação do acendedô é mantê elas queimando. Tá escutando com atenção?

Tô, mestre Farol.

Tem necessidade de fazê um trecho da Bragança inté a rua da Ponte, depois ocê vira e volta, inté perto da esquina das água, na Casa dos Lampião. Nesses dois caminho, tem o cruzamento com o Beco do Fanha, o Beco do Leite e o Beco do Trem. Na rua do Ouvidô tem qui entrá, é preciso tê cuidado com as lamparina do siô Ouvidô. De volta na Ponte, siga a vigilância cruzando a rua Clara, a rua do Arroio, muito conhecida como a rua dos Pecado Mortal com as cabana, os cliente e o dinhêro das putaria. Uma escuridão bem-vinda naquela rua. Ninguém reclama ou coloca lanterna de iluminação. O entrevêro da escuridão parece sê meió pra caminhá inté as cabana.

E a água de bebê, mestre?

Ocê precisa carregá a sua água. A noite tá ficando curta pra tanta laterna. A cada tempo aparece mais rua na Villa, esse preto já não consegue dá conta. É isso ou tô ficando véio. A idade sempre chega pra todo mundo, meu camaradinho. Chega sem ocê vê, inté qui ocê enxerga qui não tem mais véio qui ocê. E ocê acha simples qui seja assim. O tempo se passô em ocê. Os pé arrastando nos caminho qui só cresce, ocê para e óia na frente, atrás. A sacola tá vazia. É bão fazê a rua da Ponte e reabastecê as vela da sacola, na Casa dos Lampião. Só tem precisão pegá as vela das mão do Joca, fazê a sua marca no recibo qui tá sempre em branco. E saí. Não tem conversa nem riso.

Ele não gosta de ocê, mestre Farol?

Coloquei mais atenção no menino, oiei bem o guri, não sabia se chegô a conjuntura pra contá o qui era preciso contá. Ele num tava ali, querendo sabê uma coisa qui foi ensinado não querê sabê. Ele tava ali, querendo sabê o qui foi ensinado querê sabê: mexerico.

É só mexerico.

Se tem fumaça tem fogo.

Ocê pode gostá ou não gostá.

Aposto qui vô gostá, o guri tava mexido nas curiosidade, ele queria sabê das coisa qui não lhe pertence

Meu camaradinho, ocê nunca vai tê a verdade qui merece se não sentá nesta pedra, mais antes de começá, ocê precisa sabê qui toda história tem lado.

O menino sentô na pedra, não tem guri qui não gosta das história com segredo e mistério, vô lhe contá a história do sumiço da língua do camará Vila, mais ocê precisa sabê pro seu conhecimento de ouvidô qui a justiça pode tê muita injustiça, os fazedô de justiça tem lado. As lei tem lado. Ela é feita pelos fazedô das lei, eles também tem lado. A justiça pode não tê justeza quando empurra a vida pra morte.

Não tô entendendo, mestre Farol.

Eu sei, meu camaradinho... tem veiz qui nem eu consigo sabê o lado certo, demora pra ocê aprendê o lado qui ocê tá, mais o qui importa mais é sabê os motivo de tá onde tá. Pra muitos, isso é um mistério qui não importa respondê, basta odiá e negá a vida no otro. O chicote e a forca não é uma invenção do amô, é uma criação da justiça qui tem lado. O lado qui qué controlá. E basta? Mais não basta, eles qué controlá o feitio de contá as história. Se ocê entendê isso, vai entendê qualqué história, tem muito feitio de contá a mesma história e muito jeito de querê escutá. Ocê escolhe como qué escutá, mais é bão mudá veiz qui otra o seu jeito de ouvidô. Mudá mais é bão, continuá pra frente sem esquecê o qui ficô lá atrás. Ocê entende os motivo dos bandeirante bão querê controlá o feitio de contá as história?

O mestre Farol qué ensiná o quê?

Num quero ensiná mais do qui aprendi, só contá uma história. Mais já aviso de começo qui num vi nem ouvi da boca do camará Vila. Ele, no fim das conta, ficô sem a língua e não teve como contá. A contação contada pra ocê é a mesma qui foi contada pros pulícia. Eles nem qué sabê, só repete qui é meió ficá mudo na conta própria qui tê a língua perdida como o camará Vila. Eles tem lado. Um qui otro pode não tê, mais quando se junta eles tem o mesmo lado. O Joca Lampião também tem lado, ele sempre se incomodô de saí do calô das coberta e dos braço do Varão.

Quem é esse Varão?

Já respondo pros seus óio perguntadô. O Varão é escravo qui o Joca criô desde guri de têta, queria pra protetô da casa, virô balda do Joca. E balda forte. Nas hora de balda com o Varão não queria tê incomodação. Combinô qui deixava os pacote com as vela na disposição do camará Vila. O preto iluminadô público ficô desgostoso com aquele desarranjo do Joca. E cada veiz mais desgostoso da obrigação de colocá sua marca de quitamento num papel em branco. Feiz uma marca, duas e três não feiz. Achô atrevimento qui não sabia qui tinha, não ficô desassombrado de dizê qui aquilo não tava certo, mais disse

Siô Joca, não deve de tá muito certo...

O que foi criolo? O que não tá certo?

O camará Vila não oiava direto nas vista do branco, isso era defeito qui podia fazê o preto perdê a colocação qui já tinha, a voz precisô tá controlada, medida com as palavra as vista tava no chão, as mão agarrada na sacola, vosmecê me perdoa, siô Joca, mais não é bão colocá minha marca no papel sem nada, em branco, terminô o qui precisava sê dito sem levantá as vista, sem mexê as mão, mais sentiu o crescimento do peito estufado do Varão, pronto pra saí no ataque.

A resposta do Joca Lampião foi na hora do acontecido, as palavra e a voz tinha o mesmo ódio, a mesma vontade de cortá o mal pela raiz, o criolo de merda tá dizendo que no papel do recibo não têm as velas que cabem na sacola, a tua língua é mais comprida que carniça de criolo entocado, se não tem as velas ocê deve tá escondendo, ele se babava de ódio, as vista tava quase fora dos óio, não aturava tê qui se explicá pro camará Vila, e fez o ataque mais fácil de fazê, nada melhor que um dia depois do outro, enfim descobriu-se como o criolo juntou a prata para comprar a alforria!

O siô Joca se engana, comprei minha alforria num tempo qui num tava na iluminação das rua.

Se não foi agora que aprendeu roubar, aprendeu antes. Criolo é ladrão antes, agora... e depois. Criolo e ladrão não é gente, é tudo safado e vagabundo!

O camará Vila sabia qui não podia contá com ninguém, sofre a vida qui tinha e sempre vai tê, parece qui nada acalma o siô, só as violência do cipó. Nunca vão tê vergonha do sangue derramado. Nem compaixão. Ele sabe qui sofre do passado e do qui ainda não aconteceu. Oia pra frente tropeçando, sabe qui os preto qui vem depois vão sofrê do passado qui é ele. Ele é o passado qui vem depois e não vai tê nada pra mostrá, além da vontade de vivê, não tô dizendo nada, siô Joca.

Então, não me incomoda com essa falação de criolo!

O camará Vila não teve sono depois do serviço feito, tanto se incomodô de pensá e sofrê mudo qui resolveu conversá com o chefe da iluminação pública. Foi a última conversa qui se sabe do camará Vila usando a língua. Ele passô tempo sem tê vontade de voltá no assunto da língua perdida. Passô mais tempo qui parecia qui não voltava tê a cô de preto, tava cinza. Mais voltô dos aconselhamento com os espritu. Tudo qui é preto sabia qui ele tinha um plano qui nunca contô.

Depois da história contada, os dois ficô parado com os óio vendo nada. As palavra não queria saí, uma mesura de cortesia pra língua perdida do camará Vila. O tempo tinha tempo, inté qui o mais véio quebrô o jejum das palavra, quando chegá sua veiz, e se chegá sua veiz, fica com os óio baixado, pega o recibo branco e coloca sua marca, se o caramadinho não tem marca, logo vai tê. Agarra as vela, vira as costa e sai. Na porta, não espia, não torce o pescoço nem espicha o nariz. Todo cuidado é pouco. O Joca e o Varão não espera ocê saí pra deixá os costado virado pra porta. Nem a mão do Varão, qui tava nas costa do Joca, espera pra descê inté as cadêra do Lampião e dá duas palmadinha com cuidado de amô.

Não esqueça de fechar a porta, criolinho.

A conversa do camará Vila com o camará Farol faz um bão tempo, foi depois qui a língua do camará foi cortada e um dos ouvidô furado. Teve procura do culpado qui durô um dia e nenhuma noite. Foi tudo escondido. Forças descontroladas escondendo o caminho. Excitada. Nervosa. Mentira impetuosa. Foi quase tudo esquecido. O rumô qui sobrô foi a desconfiança no Varão qui saiu na defesa do seu patrão, depois do ataque de ódio cego do camará Vila. Defesa própria do patrão. Uns dizia qui escutava do otro, pedia segredo, era meió fazê qui não sabia. Tempo difícil. E pelo certo e duvidoso, a história qui vingô dizia qui foi o iluminadô qui pediu o corretivo, ele desviô as vela pra comprá sua alforria. De certeza dessa história toda é qui os recibo continuava sendo marcado em branco. O chefe das pulícia autorizava comprá as vela com o fundo da iluminação. Nada ficô provado nem contra nem a favô, mais o camará ficô mudo e surdo do lado. Quase ninguém escapa da justiça dos branco. Só os branco bão.


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