quinta-feira, 2 de julho de 2015

histórias de avoinha: o tempo é um rio seco

mulheres descalças


o tempo é um rio seco
Ensaio 55B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar




num passava o susto do siô conde tá com as vista embruiada. atada. vendada. num gostô da brincadêra da cabra-cega. bode-cego. num queria sê cabra, muito menó era sua vontade de sê cega. pra fazê isso com desassombro era preciso deixá nascê mais uma reputação nele. e fez o qui foi preciso. fingiu sê o qui num era nem queria sê, Um camaleão se movimenta lentamente, usa a língua grudenta e pegajosa para num ser comido, foi o sussurro do siô padinhu nos ouvido dos óio tapado. o bode num ia sê comida, mais um bode-cego... sorriu com as vista tapada, num via e num era visto. queria tê visto a cô qui tava usando

Alguém dos Cavalheiros da Irmandade Freguesia da Harmonia se opõe a candidatura do sinhô Conde Afonso da Hora como membro da nossa grande e sagrada família? Fale, agora!

o anunciante da boa nova se calô. silêncio, ali dentro. nem suspiro nem respiro. lá fora, na villa, os dois preto da beirada do rio já tava recoído nos conforto da senzala; o capitão-do-mato já manobrava o barco pra lugá desconhecido; as moça da Maria Cobra continuava os atendimento da casa, elas nunca parava, sempre aparecia alguma urgência ou emergência qui as menina precisava dá conta de curá; siá Casta e Milagres tomava banho; Rita tava de visita escondida no seu piquinino mundo colorido. a vida prosseguia sem hesitá, o siô conde tava sozinho. era meió sê assim, ele gostava de tá desajudado da siá Casta, as coisa andava sem tropeço e num precisava dá explicação

tem veiz, mifioneto, qui as coisa qui ocê fez fica esquecida. é quando os aproveitadô das desmemória aparece, diz o qui é bão sabê, o qui num é bão lembrá. eles inventa a verdade. todo aproveitadô tem patrão qui escóie o qui é mais bão num mexê nas história das memória e deixá as lenda crescê nas desmemória. eles inventa as memória de vida, os enredo, os melindre, as mentira. o aproveitadô tem as obrigação de criá os fantasma qui vai atormentá as vida quinda num nasceu. os fantasma num vem do passado pra atazaná os descuidado com as história. as assombração tá dentro de cadum dos vivo. durumindo. nascê e vivê é uma luta, virá assombração num é espantoso, façanhudo é durá mais qui morrê, Então, cavalheiros? Falem agora ou calem-se para sempre!

ninguém disse nada, tudo em silêncio. num teve aceno nem mexida desatenta, as vista qui sempre pisca num tremeu. ninguém se mostrô. era lucrativo fazê cara de num sei, num vi, num tô nem aí, ficá contemplativo. sabe cumé, assobiando sem assobiá. os miolo acautelado, a respiração relaxada quando nada respirava. ele foi aceito em silêncio com as mentira qui carregava, os engano qui esparramava; a vida é assim, mais pode num sê, num tem como sabê a dô na carne inté sê atingido

o maió dos trêis arrumadô daquela assentada do siô conde, o batismo de sê cavalêro da freguesia, levantô a mão pedindo mais silêncio, pareceu bobice pedí, mais num era coisa à toa, Vosmecê é o sinhô Conde Afonso da Hora, possuidor das terras baixas, no Caminho Novo, denominadas Fazenda Humaitá?

tudo muito solene e conveniente, o funcionário puruguntadô tava abrindo caminho pru silêncio continuá quieto. só de oiá dava pra sabê qui ele gostava de sê esse puruguntadô, o celebrante da Irmandade. ele carregava o alívio do silêncio enquanto falava, assim num tinha precisão dosotro falá. a acomodação de aceitá em mudez num é pouco caso, pode inté sê, mais tumbém pode sê aceitação de soldado qui apenas cumpre o qui é mandado fazê; ou caso de fé ou de medo, ou tudo junto. tem veiz qui é esperteza. o aborrecido mesquinho sem coragem de se mostrá trabaia a desacomodação sem deixá aparecê a língua e as garra. entranha o seu veneno calado, sem baruio, espáia discreto o pensamento de tudo qui num disse, num enfrenta de frente, Sim, esse sou eu! respondeu o siô conde

aqueles qui num gosta de dizê o qui pensa quando tá em lugá avesso das própria vontade faz gosto em deixá um qui otro sê a voz e o pensamento de tudo, prefere usá as palavra qui pensa na intimidade do fuxico. quem tá sempre medindo os perigo e os lucro de soltá as preocupação prefere dá as condolência, prendê as ideia e a imaginação, acorrentá as memória e os propósito. é gente qui num corre risco, num concorda nem gosta, num vai fazê, mais num diz. num tem purugunta nem tem resposta. fica quieto. apenas mais um em silêncio qui parece dócil, esperando o julgamento do siô conde. cuidado, esses quando é acuado como um animal sem saída desveste a pele amável do cordêro de deus e destrava a língua contra os pecados do mundo. a chave qui usa pra destrancá é a virtude. o cordêro vira fera, grita enfurecido, mais avisa qui é boa pessoa, caso ninguém tenha notado, tá sendo forçado sê mau, logo ele, um contratado padrão da Freguesia da Harmonia. um gestô de maldade

depois do anúncio da presença do disputadô da vaga de bode e a confirmação do comparecimento pelo cabrito, o bode jovem, o siô padre acompanhô o quase bode, ainda com os óio tapado, inté a mesa. eles parecia tá no caminho dum altá pra sacrifício de bode. tudo pronto, esperando a oferenda em sacrifício de sofrimento. tem veiz qui num tem urgência tê a visão da decoração toda, otras veiz, essa ausência de vê o quadro todo faz borbuiá os miolo da atenção, dispara o medo, acelera a respiração, assusta mais duqui é feito pra assustá. espanta os argumento do entendimento, os cuidado com o juízo e a justiça. o assustado fica tão mais bicho qui esquece de sê gente, credita, ou fingí qui credita é a mesma coisa assustadora, ele espreita, caça e mata pra escapá de morrê. o silêncio do bicho assustado é covarde, num é um silêncio inteligente, ele só qué sobrevivê, e, entre nascê e morrê, parece tá em luta pra num tê castigo. talvez, num tenha castigo nenhum. nada. nem céu nem inferno tem

o medo num é um bão aconseiadô nessas história de céu e inferno. nem ocê precisa sê o cordêro dos pecado do mundo nem a valentia e a intolerância com os fraco do mundo faz ocê sê mais forte. cautela com esse medo assustado ou arrogante, ele faz ocê pensá o qui num é: menó ou maió qui os otro; ninguém é meió qui ninguém, mais pode ficá pió, é só creditá qui é meió

A partir de hoje, e sempre, com a graça de Deus, para os irmãos pastores de bodes, vosmecê será um bode, o siô bode conde fungô, num pareceu sentí conforto em sabê qui era um bode, sê um bode dá pra aceitá, mais sabê nas palavra dos otro qui se é um bode num é bão escutá, Vosmecê é mais um homem honesto onde todos são honestos, insuspeitos, novo silêncio, nem o rabo dos óio mexia, o siô bode conde fungô de novo, lhe pareceu sentí chêro de bode. desceu a cabeça pro lado qui pareceu sê o certo, o lugá da respiração do siô padre. esperô inté qui o bafo do beato adorativo lhe colocô intenção de oiá, perguntô com a voz mais silenciosa qui conseguiu inventá de fazê, disfarçada de cemitério, Sinhô Padre, O que foi, meu filho, Que mal lhe pergunte, Pois diga o que lhe incomoda, Por que passei a ser um bode?

o siô padre aproximô o fôlego da caxumba do siô conde bode, tinha os modo mais secreto qui os motivo do momento permitia, um confessionário destravado do segredo. público. gostava do sussurro conspiratório das confissão. mais nem sempre podia escoiê a hora e o lugá da conversa. o confessionário é um lugá provocativo e curioso, provoca existí um confessô qui acumula as memória mais ruim dos bode arrependido. é bão tê um confessô qui escuta, conversa, aconsêia, faz justiçamento com reza e abre as porta da morte eterna sem castigo; se as lei dos hôme fracassa nas vistoria e nos vigiamento, as lei do confessionário promete sê desalmada, quente como o fogo, malvada com os arrependimento fingido. num perdoa lamentação inventada, o remorso num pode sê postiço


a diferença das duas lei é qui as lei dos hôme só pode prová qui funciona nos preto e nos coitado qui num é ninguém, elas num pode chegá perto das fidalguia; as lei do siô padre promete num dá privilégio de riqueza, intromissão ou proteção, se fez e num se arrependeu com ajuda prática e mobiliária, vai pagá com castigo depois da morte da vida. mais inté chegá o dia do julgamento e da condenação vai podê usá o qui mentiu pra tê, fez sofrê pra conquistá, matô pra desfrutá. num entenda errado sua avoinha, muriquinho piquinino, as pessoa humana precisa tê um jeito pra mudá, recuá das coisa ruim. e se ocê, mifioneto, puruguntá se tem uma receita, num sei dizê, só sei da vida qui tive, o feitio de vivê qui vivi. sua avoinha fez as coisa boa qui pode fazê, as coisa ruim escoí num fazê todas, é simples, num tem mistério, Cuidado, sinhô Conde, vosmecê parece vacilante, definhando nas próprias intenções de arrependimento. Um bode não trai os outros bodes, guarda os segredos que lhe foram confiados com a própria vida, Não tenho vocação para bode expiatório, sinhô Padre.

o lado bão da bondade é num precisá mostrá nem escondê. num é preciso confessá as coisa boa feita, elas tem anúncio sem disfarce. a vida mostra. o carinho dos espritu vivo amorna as coisa boa e dura mais qui morrê, O sinhô Padre é um bode expiatório, o conde fez a purugunta e esperô a respiração do padinhu acalmá, Nunca me vi assim, O sinhô Padre guarda com a própria vida os serviços do confessionário? As confidências? As declarações de culpa?

passá mais tempo ajoeiado na casinha santa preparada pras delação da própria vida qui vivendo a vida, num é um bão consêio, mais se fô só assim qui o maldoso se segura, é bão nem tirá os joêio da escadaria, É isso, sinhô Conde, mais ou menos... eu e vosmecê como mais dois guardiões dos pecados do mundo.

Feito o juramento de servir aos interesses da Irmandade Freguesia da Harmonia podemos retirar a venda dos olhos, foi o do meio qui alterô o clamô das palavra dita, encheu as medida do salão com uns grito de amedrontá assombração, Retirem a venda do bode!

o siô bode conde teve vontade dele mesmo tirá o pano qui tapava as própria vista, mais esperô. tem veiz qui esperá é ganhá tempo, parece bobice proibí as própria vista de oiá, esclarecê com os óio qui tem, mais o bão bode aprende qui num perde nada se sabe esperá o libertadô qui gosta de libertá, mesmo qui tudo continue proibido. ele só precisa sabê escôie o lado qui tá o libertadô da vida com menô tormento. aceitá um lugá qui num pode sê tudo colorido. continuava no jogo de podê do confessionário, apostava nas lei da fortuna, brincava de amigo como a peste brinca com a morte, O que seria de nós, sinhô Padre, se não existissem os negros, puruguntava um bode qui sabia empunhá a fartura poderosa das riqueza no uso da chibata, sem nenhum fio de dó ou arrependimento. sabia vendê carne de gente preta como comprava bicho ou pedaço de terra ou as carne das moça da Maria Cobra, se tinha preço ele comprava e vendia, Não tenho tempo para perder com meiguices, sinhô Padre, num sabe de dizê, num sabê de oiá nem nunca vai sabê, o tempo é um rio qui sem as memória das água fica descuidado e caduca. esquece de entendê as cicatriz qui ficô, as pedra no leito seco, as árvore caída nas margem esfarelando, as rachadura, inté qui num é mais seco nem rio, é otra vida qui vive e num sabe qui já foi rio, e depois, rio seco. as lembrança do tempo vira pó de tão desvestido qui o rio do tempo fica

as mão do siô padre soltô a venda, abriu-se a iluminura. o conde abriu e fechô as vista. abriu, novamente. e de novo, inté qui acostumô com a Freguesia da Harmonia. as lamparina acessa. recuô um passo quando viu os três hôme encapuzado. eles apontava na sua direção três espada afiada nos dois lado. deu otro passo atrás, o siô padre lhe segurô o braço, Calma, sinhô Conde, as espadas apontadas para si significam sua proteção em caso de perigo. É só pedir nossa ajuda.

todas as espadas presentes foram convocadas numa cercadura de roda, o siô bode foi colocado no meio. ele era a mira da proteção. num era a ameaça. podia sentí qui a encenação toda tinha dois sentido

Somos a vida! E a morte!

o mais quieto e menó dos três encapuzado degolô o bode. e verteu o sangue numa bacia. depois colocô o líquido tinto e morno num cálice. foi passando de mão em mão, inté tudo sê bebido pelos bode

Meus irmãos, não existe iniciação sem morte! Vida longa ao novo irmão! Viva! Vida longa!

num tem rio qui num seca, tudo passa. as cicatriz do rio seco vira nada, flutua ausente e desconhecida acima das água qui se transformô em céu, descansa pousada no saco da criação antes do início dos tempos com Olorum



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