sábado, 21 de novembro de 2015

Teatro Pedagógico: a mentira finge que nos liberta do sonho que nunca se completa

Parábolas de uma Professora



a mentira finge que nos liberta do sonho que nunca se completa


baitasar e paulo e marko




continuo em meu passado. juro que não estou atordoada nem em fuga para esse pretérito, um outro tempo de lamentações. apenas canso de ouvir e ver as mesmas tentativas vestidas com as vozes e imagens deste tempo presente. nas recordações de um outro período passado e que, como este, também passará sem modificar o cotidiano. nada de grandioso aconteceu nem acontece. apenas a corrosão lenta do tempo. estendo a mão para algum corrimão. nada. procuro as provas da nossa ineficácia coletiva. o destino das crianças, jovens e adultos é vir às nossas escolas. a maioria continua saindo da fôrma mansa e inocente até suas casas, mas em algumas coisas evoluimos

Colegas, colegas, vamos nos concentrar aqui, deixando as conversas paralelas. Precisamos fazer as quatro turmas, nesta manhã.

Por que marcar conselho de classe para tantas turmas em uma manhã? É óbvio que não conseguiremos falar e pensar com a calma e lucidez necessária.

Tudo bem, tudo bem, estamos todos aqui no conselho, vamos começar.

Qual a turma?

Turma 44, Quarta Série.

Não estou entendendo, não deveríamos começar pela turma 41? Eu não tenho a turma 44.

Sei lá, apenas pensei em começar por esta turma para liberar os professores que só têm a turma 44.

Sim, e eu? Não tenho a turma 44 e gostaria que os conselhos seguissem a numeração das turmas normalmente. Primeiro a turma 41, após a turma 42, e assim por diante.

não lembro o final deste diálogo, mas todos os conselhos se iniciavam neste ritual, choques de interesses, para sair antes do horário determinado. demorar-se o menos possível, ir-se, ou ficar a completar os livros de freqüência diária dos alunos, em algum canto despercebido, solitário e quieto, quando me percebo morta. mas enfim, começávamos. estamos discutindo um aluno quanto a sua aprovação ou reprovação, lembro a professora da matemática defendendo a tese da reprovação

Gurias, o chiquinho não tem condição para ser aprovado. Está muito fraquinho nas Operações Matemáticas. Apresenta muitas dificuldades, não entrega os trabalhos, é assíduo, mas com algumas faltas. Já mandei chamar o pai, a mãe e nada, ninguém compareceu aos meus chamados. tenho todos os registros.

Isso é muito importante: ter todos os registros!

Os pais já morreram. Ele vive com um dos irmãos e dizem, não sei bem a história toda, que este irmão é soldado de uma boca de fumo aqui perto.

Militar?

Nas aulas de Educação Física ele é um ótimo aluno.

Ah! Todos gostam de jogar bola.

Nas aulas de Educação Artística é um aluno muito criativo, concentrado, atencioso, participativo, não tenho nenhuma queixa.

Puxa, gurias! Mas Educação Física e Educação Artística eles gostam de fazer, ninguém reprova.

Até acho que eles gostam de participar das aulas de Artes e Educação Física porque não estamos preocupados em aprová-los ou reprová-los, raramente ocorre uma reprovação.

Caminhando dentro desta irresponsabilidade ou do ativismo espontâneo é mais fácil.

Estou cansada de encontrar colegas que ganham para fazerem o mesmo trabalho, mas o fazem de maneira irresponsável. Como podemos aprovar sem parâmetros de avaliação? Existem pré-requisitos de uma série para outra que não podemos ignorar por conforto ou descaso.

Posso fazer uma pergunta?

Claro.

Os conteúdos de Matemática da Quarta Série não serão repetidos na Quinta Série?

Sim, no próximo ano, estaremos reformulando os conteúdos e os estaremos repetindo na Quinta Série. Os conteúdos da Quarta Série estarão diluídos, reciclados com os conteúdos da Terceira Série deste ano.

A Quarta Série vai deixar de existir?

Não, a Quinta Série repetirá os seus conteúdos básicos...

Por quê?

Para não transformar em unidocência estas Quartas Séries.

Por quê?

Sobraram muitos professores do quadro.

Não entendi.

Na unidocência apenas um professor atende as turmas.

Ah! Colocando-as nas áreas de estudo, podem ter professores de Língua Portuguesa e Estrangeira, Geografia e História, Educação Física e Educação Artística, bem como, de Ensino Religioso.

Isso.

Então, por que reprovar? Qual a lógica?

não existe lógica humana na reprovação quando se vive para ser mais negando a contradição de ter mais, quando sou mais humana na paciência, no carinho, na esperança e no amor, encontro no meu aluno a mim mesma

a mentira finge que nos liberta do sonho que nunca se completa



às vezes, fico perturbada com a desesperança, tanto minha como de meus colegas, parecemos companheiros mórbidos e sem chama do humano na beira do abismo, querendo escrever, alguns não foram feitos para a escrita e a leitura. parece bobagem, mas nunca vou escrever como as minhas professoras. lindas. nossa transparência é infeliz, dá muita vontade de chorar e chorar, calorão depois do leite quente derramado, E vocês, não sentem vontade de ir às lágrimas, não sentem saudades daquelas lourinhas higiênicas das manhãs com a televisão, ninguém responde, todos ocupados, Professor, ninguém vai entender o que eu escrevo, E alguém já tentou entender, exclamo ressentida. olho às pessoas, multidões, converso com muitas delas e as encontro tristes, barulhentas, com medo do silêncio e de suas lacunas, parecem sempre vestidas, Vão achar graça, esse está inseguro para se aventurar no mundo desconhecido das pessoas letradas, Quem, Sei lá, eu não sei escrever. afinal, quem somos, se não o mal e o bem que nos habita, confundo e da alma no fundo vêm estas vertigens que estremecem meus pés e me jogam aqui, em sonhos de cantigas virgens, vou na busca dos sons derramados. decorei esse poeminha


em minha carne percebo as gentes esquecidas da obrigação de sonhar, estão num vazio e escuro brejo de sapos coaxando e o cricri dos grilos. a lenda adormecida se confunde com nossas histórias de reis e rainhas, num reino de tolos e espertos enganando, mostrando-nos caminhos sem luz, Circo, tudo é circense, Eu não quero, sei que não consigo, continua se negando a correr riscos no mundo das letras. suspiro num breve respirar, ah, minha adolescência e suas manhãs, perfumando de infinito meu único grito de suave delinqüência, Afinal, quem somos, pergunto, e me de imediato, sem nem mesmo pronunciarem uma única palavra, respondem, O mal que vence o bem, que também somos e não acreditamos, às vezes, pertencemos ao bem que vence o mal, que também somos e não pensamos, existimos como o ninguém sem vintém, tento continuar o diálogo dentro de mim, Pensar e escrever a importunância imaterial do meu pensamento é difícil, canso e pergunto, Alguém acredita que vai dar certo pensar e escrever? ninguém realmente irá se importar, retorno ao suspiro breve, ah, mulher que sou não esquece minha adolescência, tempos de suaves e doces delinquências de não saber, não querer e não encontrar caminhos capazes de me dizer, Eu sou o chão seguro e macio em que pisa, venha e me acompanhe, cobiço esta frase nos olhos sinceros de alguém, Professor Abá, o senhor já saltou dentro de um poço, ele não sabe o que responder, nós, seus alunos o ajudamos, É escuro e a gente não sabe se vai encontrar água ou um pulo sem fundo para o centro do mundo-nada, de qualquer maneira vai ser ruim, Não vou pra esse tal de computadô porque não sei escrever o que penso que quero escrever e não sei ler o que o outro pensou escrever e quer que eu leia, O senhor já pensou no desgosto do outro quando descobrir que não conseguimos ler o que ele escreve, A vida devia ser melhor, a gente é nada, Sei que um dia vou encontrar a mulher da minha vida. somos o eco de nossos gritos em sonhos que achamos em olhos que choram e bocas que calam, creiamos o que somos, afinal, não somos tão assustadores e tão trouxas, Professor, a gente não tem cara de babaca, temos muito suor nesta nossa vida, queremos ser bons alunos descobrindo as letras e as palavras, penso que continuamos ingênuos, A gente vai atrás da lua e encontra a verdade escura, e se conserva pura, dá-se à vida nua, recebe violência e curra, Você minha alma tua toca a carne de leve com carinho e em silêncio, como alguém que gosta e luta pela lua, Pra quê vai servir, eu não sei lê, não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos que não são havaianas, não são falsos



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