domingo, 22 de maio de 2016

Histórias de avoinha: o silêncio qui num pensa escraviza

Ensaio 81B – 2ª edição 1ª reimpressão

o silêncio qui num pensa escraviza



baitasar




quanto mais oiava pru alto num via sentido nehum

Então foi assim?

o muriquinho tava oiando pru alto com os ói da cara, num tava escutando de escutá contá. quem conta, conta o qui qué. podia sentí a dô dos gemido, o cansaço dos suspiro, a tristeza do choro. a preta liberata sabia qui o muriquinho falava do qui ficava oiando com as vista qui tinha, num tava oiando com as história qui escutô. é diferente vê com os óio da cara e sentí as maldade qui a inocência qué creditá qui num tem nos hôme sublime. perfumado. perfeito. liberata queria escutá do muriquinho as conversa qui ele tinha na cabeça, o silêncio qui só escuta escraviza mais qui as corrente de ferro. então, fez o qui tinha qui fazê, provocô a falação do neinho

U qui é qui u muriquinhu óia com tanta espantação?

o muriquinho sentô nos degrau da pedra pra uso dos branco mostrá e castigá os escravo pretu. o pelôinho foi feito pra dá a importância qui a villa queria e achava qui merecia. a pedra qui colocô a villa no mapa das vila. foi tudo feito dum jeito pra qui o pretu castigado e os meió lugá das testemunha tinha as vista oiando a igreja santa. a parede sendo feita pelas mão dos pretu escravizado. ali, onde ele sentô é um lugá de sofrimento, e lá no alto, podia escutá os grito do reino da disciplina pru lucro. uma ordenação depois da otra, os estalo das madêra gemendo dô e os prego rasgando as entranha do lenho. as pedra era o maciço da fundação, os pretu o maciço da fundição. os tijolo subindo nas parede. as pedra da argila grudando uma depois dotra com a massa do barro e cinza misturada com o suô e o sangue escravizado. isso num tem como apagá, os pretu tá entranhado em cada pedacinho da igreja santa

Como pode ter tanta belezura misturada com tanta tristeza?

num terminô de dizê o qui foi dito e escutô otra veiz o assubiu do chicote e a bofetada de dô qui calô sua voz. o estalido voltô ricochetá na carne e se juntô nos grito pru trabáio sê feito meió e com mais corredêra, Boniteza e legeireza, negro vagabundo! Vocês não servem para nada!

O que foi isso, Liberata?

as preta liberata era tudo conhecida como as muié qui aprendeu derramá o coração pra dentro. elas engolia as água dos óio e amontoava os sofrimento dos pretu pra dentro do coração. as língua cantava as dô dos meio-morto. nossa liberata foi uma dessas muié qui juntava nos peito as dô dos pretu escravizado. reunia tudo e quando o sofrimento era maió qui o seu tamanho dos peito, ela se derramava leitosa. parava de sangrá das perna pra terra. as têta pingava o sangue leitoso das estrela. e tudo qui era mãinha avisada do derramamento corria com os fiu nos braço prus muriquinho tomá o qui num parecia acabá

cada mãinha qui entregava seu fiu pras têta da preta jurava qui ela tinha uma têta pra cada muriquinho qui carregava nos braço. eles tomava tomava e tomava, tomava mais, num parecia secá. era tanto pra se derramá qui as siainha chêrosa tumbém colocava os muriquinho floco de neve pra tomá dos peito pretu o alimento da vida. mais as siainha num queria esperá na fila da veiz, os seus floco de neve era mais especial qui os pretu piquinino, Eu sou a dona dessa negrada, eu sou dona das vacas e do leite das vacas. E se essa negra derrama leite como as vacas, eu sou dona desse leite, prus muriquinho pretu num precisá esperá os floco de neve acabá o choro da fome, as preta aumentô as têta. uma têta pra cada muriquinho qui tava nos braço. os braço grande das preta sempre pode com munto muriquinho. se preciso fô elas tem prus muriquinho do mundo todo. num separava da vida qui oferecia nas têta os muriquinho pretu dos muriquinho branco. parecia querê ensiná qui pra bem vivê é preciso conversá e dividí os alimento, tratá a vida com um afeto arrebatadô de amô pra tudo qui vive

a vida tem muntas cô e num devia tê dono, mais a villa usava sem dó ou piedade - e com munta hipocrisia - os ombro dos pretu escravizado pra se fortalecê da riqueza. o tempo acostuma a preguiça e ordena o silêncio qui escraviza. a villa usava com arrogância o alimento derramado dos peito da muié preta escravizada. tudo foi feito e é feito pra fortalecê os branco. tudo elaborado pelo administradô da villa, junto com o magistrado, o hôme das moeda e finança, os mercadô e os manufaturêro. gente esperta, dura e cruenta qui foi tentando garantí pra villa um excedente entre o qui comprava e vendia

a villa num tinha mina de ouro ou prata, riqueza importante pra dá importância e segurança, acabá com a penúria das moeda; então, era preciso munto trabáio pru aprumo do comércio. era preciso tirá o máximo do trabáio escravizado

Vai oiando. U muriquinhu só vai vê trabaiando os bicho e os pretu. Os branco dono de tudo quando muntu se abana das mosca, tem veiz qui nem isso. As pedra qui sai do caminho, os conserto dos casarão, as limpeza, a iluminação, as comida, tudo é feito pelas mão preta. Inté as cura qui os branco abandona pra morrê as mão preta segue trabaiando pra cuidá da vida, pra tudo tem saída entre os espritu aliado e as coisa qui pode sê vista com o afeto arrebatadô do amô pra tudo qui vive

E ocê, Liberata? É benzedeira?

Pode oiá no rumo qui escoiê, vai vê os pretu no ferro ou na canga, sozinho ou em bando, trabaiando tudo, sem tê nada. Trabáio escravizado usado pelos portuga acostumado com o comércio dos pretu. Tudo feito em nome dos lucro. É isso muriquinhu, num vai mudá logo. Vai demorá muntu.

E ocê é benzedeira?

a villa tem um caráter desumano qui num se importa de ganhá riqueza com a miséria qui carregá nos porão escuro dos tumbêro, cheio de fome e desagasaio, tudo repartido em lote do acaso ou capricho, organizado e regulado pela casa dona dos escravo qui cobra pru rei a dízima dos pretu escravizado e a vintena pra ordem de cristo. tudo qui é branco lucra com a escravidão dos pretu, uns mais e otros menos

o muriquinho parô de pruguntá, escutava sem oiá pra preta liberata, tava todo virado prus lado da construção santa. a muié benzedêra tava ajoêiada ajeitando o tabulêro na mesa de pano com as cô variada da vida

Como pode existir tanta belezura misturada com tamanha tristeza?

o muriquinho levantô do pelôinho, parô os passo dos ôio. liberata num aumentô a voz, a tristeza num precisa dos grito do egoísmo e da vaidade afetada, ela se contenta com a verdade

Fingimento... aqui, os pretu faz sapato e num usa, amassa o pão qui num come, carrega os peso mais leve e os mais pesado. E - se duvidá - carrega os branco nos ombro. Um qui otro pretu tem roupa, otros só tanga, muntus só veste pano esfarrapado e sujo. E instrução nehuma. É belezura de fingimento.

o muriquinho caminhô na volta da pedra, as mão agarrada nas mancha do sangue seco e duro grudado no pelôinho, uma pintura qui era só oiá sem o véu da ceguêra qui escóie o qui vê, o qui tem mai agrado oiá. eles tava ali, os desenho da dô e as casca nas ferida da pedra, pra vê tinha qui querê vê, mais vê sem dá importância é tê nas vista a banalidade egoísta qui num qué vê os pretu como pessoa, qué fazê do pretu um bicho qui pode sê escravizado dum jeito ou dotro

as preta cabinda ia e voltava com os balaio das roupa suja na cabeça. todas fazia cumprimento pra liberata, uma qui otra parava pra falá conversa, Dia bão é com muntu sol.

O sol é bão pras lavadêra. U qui as lavadêra moiá vai secá.

E esse piquinino, Liberata?

a benzedêra num mostrô tá com muntu interesse nas apresentação, mais chamô o muriquinho

Fumaça!

depois baixô a voz pra fazê confidência, Miguelina, é presente do siôinhu... Fumaça!

O que foi, Liberata?

Venha cá, sai da volta da pedra... essa é a preta fôrra Miguelina. A meió lavadêra da villa. Comprô a liberdade lavando as rouparia branca. Passô mais da metade da vida trabaiando pra comprá a alforria.

ele deu os passô qui precisô pra se aproximá da preta fôrra, reparô qui ela tinha os dedo das mão torto e num parecia tá incomodada com o balaio na cabeça

Muito prazer, senhora...

as duas desatô no riso

Virgi du céu, Liberata! Um pretu com educação dos branco, a lavadêra colocô mais atenção e cuidado nos óio do muriquinho

mediu pra cima e pra baixo aquele pretu piquinino, Tem cada estranheza nesse mundão. Ninguém ensinô o muriquinhu piquinino tomá a bênça?

as duas soltô ainda mais o riso. miguelina tirô as mão da cintura pra assoprá o riso na concha das mão. guardô o riso nas mão fechada pra depois espraiá pelos caminho. a criola bunita se foi andando pras água da correnteza rouca. o balaio da rouparia suja na cabeça. lá pra baixo, nas beirada qui fica encostada nas água qui vai e volta, subia o canto das lavadêra. o canto prus espritu das água

u galo já cantô

dia amanheceu

Iemanjá sobá, sobá mieiê

Iemanjá sobá, sobá mieiê

a lavadêra criô um podê próprio: a moldura da limpeza. a ostentação da preta miguelina era o balaio. num tinha quem podia lhe mandá, mais precisava tê bajulação e obediência com os siô qui pagava seu trabáio. o favoritismo do siôinho desengrossava as confusão da luta pela vida

o muriquinho ficô pra trás

aflito

ali, tudo era parecido com o lugá do seu dia de todo dia. tinha os qui trabaiava com tristeza, eles num trabaiava com acabrunhamento pruqui tinha preguiça. o desalento tomava conta pruqui os pretu num podia escoiê trabáio do seu gosto. nunca pode escoiê. eles trabaiava o trabáio sem divertimento, trabaiava sem tê gosto: tanto fez como tanto fazia

e tinha os qui vigiava os trabaio pra sê feito ou sendo feito ou já feito, esses usava os óio do vigiamento

as lavadêra cantava e ria

Aieieu, aieieu balá Oxum...

aieieu balá Oxum

aieieu Oxum mãe é

E ocê muriquinhu? U qui é isso? Seca a fungação, precisamô de lutá!

num podia se dominá. ali, só encontrô trabáio, muntô suô e sangue, parecia qui os pretu só era vivo nos canto e nos lamento. num podia tê divertimento com as vontade dos espritu qui comanda tudo. a villa é tudo da mesma família: a escravidão. querendo ou num querendo, é tanto gosto de castigá qui enterra a bondade, é tanta separação qui marca os pretu qui o distanciamento ficô maió qui a imensidão do oceano. num dá pra sabê com certidão da certeza o qui é pió, se a crueldade dos castigo ou a aflição da desaparição, o sumiço dos fiu pras mãe ou o extravio das mãe prus fiu

essa dô dos pretu vai demorá munto tempo pra passá, num sei se passa; esse gosto dos branco qui tem gosto de usá com dureza e rigô a exploração da dominação... num vai passá. a cobiça qui eles gosta de fazê valê sobre os fraco é definitiva. a luta contra a insubordinação dos pretu importado é violenta. os corrupto da pió qualidade se veste com os meió tecido, usa dois peso e duas medida em nome do respeito ao abastecimento. o gosto pela exploração e pela dominação cresce do berço. o bacalhau, o vinho e a farinha de trigo num pode faltá prus qui veste o meió tecido, por isso é preciso conciliá os braço escravo e as lei feita pra protegê os qui merece proteção. uma villa de ódio contra índio e pretu

Sabe, Liberata? Nem isso de voltar no tempo faz tudo ficar melhor. Aprender dói muito em quem aprende, não aprender dói em todos.

Muriquinhu, as coisa feita já tá feita, num dá pra mudá o feito. Mais dá pra lutá esperançoso, mesmo sem tanta certeza. As firmeza de achá qui existe um moço encantadô, qui no fim de tudo vence o mal, é coisa das história branca com princesa e bruxa. Assim, as história ensina qui se juntá pra lutá num é bão, é preciso esperá pelo príncipe encantado qui eles diz qui existe, mais num existe.

o silêncio qui num pensa escraviza, é preciso descobrí o silêncio qui faz pensá


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