sábado, 21 de maio de 2016

8. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares

Fernando Pessoa



8. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares 




91. 


INTERVALO DOLOROSO

"O sonhador não é superior ao homem activo porque o sonho seja superior à realidade. A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e muito mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção.

Sendo a vida essencialmente um estado mental, e tudo, quanto fazemos ou pensamos, válido para nós na proporção em que o pensamos válido, depende de nós a valorização. O sonhador é um emissor de notas, e as notas que emite correm na cidade do seu espírito do mesmo modo que as da realidade."

* * *


92.

"Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!"

* * *


93.

"Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciência.

A vida das minhas emoções mudou-se, de origem, para as salas do pensamento, e ali vivi sempre mais amplamente o conhecimento emotivo da vida.

E como o pensamento, quando alberga a emoção, se torna mais exigente que ela, o regime de consciência, em que passei a vive o que sentia, tornava-se mais quotidiana, mais epidérmica, tornava-se mais titilante a maneira como sentia."

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95.

"Somos quem não somos e a vida é pronta e triste."

"Quantos somos! Quantos nos enganamos! Que mares soam em nós, na noite de sermos, pelas praias que nos sentimos nos alagamentos da emoção! Aquilo que se perdeu, aquilo que se deveria ter querido, aquilo que se obteve e satisfez por erro, o que amamamos e perdemos e, depois de perder, vimos, amando por tê-lo perdido, que o não havíamos amado; o que julgávamos que pensávamos quando sentíamos; o que era uma memória e críamos que era uma emoção; e o mar todo, vindo lá, rumoroso e fresco, do grande fundo de toda a noite, a estuar fino na praia, no decurso nocturno do meu passeio à beira-mar ...

Quem sabe sequer o que pensa ou o que deseja? Quem sabe o que é para si-mesmo?"






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Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares
Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa)
Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/


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9. Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares: Tão supérfluo tudo!

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