sábado, 11 de março de 2023

Memórias - 02 a servidão natural

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

02 – a servidão natural

até que papá chorou desesperado, o ar doído saia dos seus pulmões, o sangue enlutado escorria de los ojos, quadrilheiros subiram la Montaña e entraram na roça no anoitecer com seus fuzis, espadas e cães adestrados para atacar índios e mestiços, Índios vagabundos!

homens truculentos dispostos a matar, torturar e trucidar a mestiçagem daquelas terras, Isso aqui tem dono!

tudo mentira, minha querida, nada havia sido roubado, viven en la Montaña desde siempre

à noite, outros desceram até o pequeno povoado esparramando la muerte

mataram la madre de Blanca e o menininho

jamais encontraram os quadrilheiros

procurei recortes de jornais da época, quase nada, somos invisíveis

apenas, o La Prensa Mestiza, um periódico que acabou por falta de leitores e minguados lugares dispostos em distribuir o recorrente mestiço, ousou desafiar o silêncio

o periódico saia publicado nas vilas uma vez por semana, esparramados nos botecos, barbearias, farmácias, na porta das igrejas, na roça e nas quermesses

naquela semana, La Prensa Mestiza saiu duas vezes, a tiragem da edição normal informando seus parcos leitores do crime bárbaro ocorrido no povoado foi esgotada em dois dias, No povoado da roça Montaña, uma índia grávida foi violentada até à morte, amarrada e amordaçada ainda teve seu ventre cortado ao meio!

na segunda edição, uma publicação extra  e rara por ser uma edição extra  trazia um depoimento do indigenista Bruno, muitos e muitas já ergueram sua voz e perderam suas vidas, nestes mais de quinhentos anos de mortes como forma de extermínio da nossa civilização, mas escute as palavras do Bruno, Essas atrocidades e brutalidades tanto servem para denunciar crimes de cinquenta anos atrás como para os dias de hoje. Com que direito vocês desencadeiam uma guerra de extermínio atroz contra essas gentes que vivem pacificamente na roça e nas matas? O direito da avareza pelo oro de maíz? Por que os deixam em semelhante estado de extenuação? Vocês já os matam ao exigir ouro dos seus rios de pesca. Acaso não são eles , homens, e elas, mulheres? Não é vossa obrigação cuidar da vida? Ah, esqueci que vocês adoram el metal oro y amarillo maíz. Não importa, estarei aqui para denunciar e impedi-los!

pouco ou nada adiantou para os índios a sermonaria de quinhentos ou cinquenta anos, os quadrilheiros foram até la Montaña para assustar e mostrar que a força e a morte estavam do seu lado contra índios e mestiços, ninguém iria se meter

na escuridão que anuncia mortes, entraram no povoado. montavam veados sem chifres, pareciam da altura dos tetos, assim não viam exatamente a quem e como suas balas derrubavam nem quem suas espadas e cães abriam ao meio

papá y los hombres de maíz com suas mãos endurecidas pelo trabalho e ingenuidade de quinhentos anos foram cercados no milharal e avisados da chegada dos soldados quadrilheiros com a missão de prender os suspeitos da revolta

olhavam entre si atônitos, não havia rebelião en la Montaña sempre existiu resignação depois da conversão dos homens de preto que prometeram o que ninguém mais podia oferecer, o paraíso

bastava acreditar nos desígnios dos deus branco

seguem esperando romanticamente em servidão natural

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