quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Marcel Proust - A Prisioneira (Prefácio)

em busca do tempo perdido

volume V
A Prisioneira


Tradução Fernando Py


Prefácio


Quinto romance da série Em Busca do Tempo Perdido, este A Prisioneira inaugura o chamado "ciclo de Albertine", que continua e termina em A Fugitiva. É o primeiro dos três romances póstumos de Marcel Proust e, embora não tenha sido deixado em versão definitiva pelo autor, está inteiramente acabado quanto ao conteúdo. Sem ser dividido em capítulos, sua estrutura compreende, todavia, cinco jornadas, ou séries de dias, estrutura que já foi comparada à de uma tragédia clássica.

A personagem de Albertine ganha aqui um relevo extraordinário, raiando pela obsessão. Praticamente não há página em que seu nome não apareça ou em que não haja menção a ela, de tal modo as análises psicológicas do Narrador têm como fundo o seu ciúme por ela, a quem mantém como que sequestrada em sua casa.

O mais importante, porém, é assinalar outro tipo de reflexões sobre literatura, onde, a partir de comentários monologais quanto à obra musical de Vinteuil, Proust expõe, a grosso modo, o seu método crítico e a maneira de empregá-lo embora não num sistema coeso, antes numa série de pequenas notações que, no entanto, visam à generalidade e preparam as reflexões finais de O Tempo Recuperado.

Mas a maior marca deixada em A Prisioneira é a da morte: não só ocorrem as mortes de muitos personagens do ciclo, especialmente as de Bergotte e de Charles Swann (a deste último, já previamente assinalada em Sodoma e Gomorra, tem aqui um desenvolvimento emocionado por parte do Narrador), como, especialmente na última jornada, ocupa uma posição de destaque nas reflexões e monólogos do Narrador, desse modo antecipando a morte futura de Albertine e a noção de que o tempo, afinal, mais uma vez, destrói todo amor. Por estas e outras considerações, A Prisioneira anuncia o final do ciclo e nele acelera-se enormemente o tempo da narrativa, que progride vertiginosamente para o seu fim em O Tempo Recuperado.

Fernando Py


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Leia também:

Volume 1
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 5
A Prisioneira (Prefácio)

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Cronologia
1871 (10 de julho): Nascimento no número 96 da rua La Fontaine, em Auteuil, de Marcel Proust, filho do médico Adrien Proust (1834-1903) e de Jeanne Weil (1849-1905), filha de um rico agente de câmbio judeu.
1873 (24 de maio): Nascimento de Robert, irmão de Marcel, em Paris. Ele se tornará cirurgião e, como o pai, professor na Faculdade de Medicina.
1880 Primeira crise de asma de Marcel. Ele sofrerá a vida toda da doença.
1882 (até 1889): Estudos secundários no Lycée Condorcet, em Paris.
1888 Leituras de Barrès, Renan, Leconte de Lisle, Loti. Proust e seus colegas de escola redigem a Revue Verte, depois a Revue Lilas. Torna-se aluno de Alphonse Darlu, professor de filosofia enormemente admirado por ele.
1889 (até 1890): Alista-se como voluntário durante um ano no 76º Regimento de Infantaria, em Orléans, o que o dispensa dos três anos de serviço militar obrigatório. Um metro e 68 centímetros é a altura que consta de seu alistamento.
1890 Inscrição na Faculdade de Direito de Paris e na Escola de Ciências Políticas, sem muita convicção. Intensa vida mundana.
1891 Encontra-se com o pintor Jacques-Émile Blanche e com o escritor Oscar Wilde.
1892 A prima de Proust, Louise Neuburger, casa-se com Henri Bergson. Colaboração na revista Le Banquet. Seu amigo, o pintor Jacques-Émile Blanche, faz seu retrato a óleo.
1893 Colaboração na Revue Blanche. Conhece Robert de Montesquiou, que inspira a criação da personagem do barão de Charlus. Formado em Direito, ele se prepara para terminar o curso de Letras.
1895 Obtém seu diploma em Letras. Entra como assistente não remunerado na Biblioteca Mazarine, emprego que ele jamais exercerá. Começa a escrever na praia de Beg-Meil um projeto de romance que o ocupará até 1899 e que permanecerá inacabado (os esboços serão publicados mais tarde sob o nome Jean Santeuil). Amizade intensa com Lucien, filho do escritor Alphonse Daudet.
1896 Publicação do livro Plaisirs et les jours, com prefácio do escritor Anatole France, ilustrações de Madeleine Lemaire e “comentários musicais” do amigo Reynaldo Hahn. Trata-se de uma coletânea de textos na sua maioria já publicados na revista Le Banquet e na Revue Blanche.
1897 (6 de julho): Marcel enfrenta o jornalista Jean Lorrain em duelo por este ter insinuado que ele mantinha relações “particulares” com Lucien Daudet. Descoberta da obra de John Ruskin.
1898 Com a eclosão do “Caso Dreyfus”, de acusação do coronel judeu Albert Dreyfus de traição à França, Marcel, mais do que convicto de sua inocência, revela-se ardente “dreyfusard”, assinando o documento que pedia a revisão do caso.
1899 A paixão pela obra do crítico inglês John Ruskin o leva a traduzir e comentar duas de suas obras, com a ajuda de sua mãe e de Marie Nordlinger, prima inglesa de seu amigo Reynaldo Hahn.
1902 Em visita à Holanda, Marcel contempla aquele que considerará “o mais lindo quadro da história da pintura”, Vista de Delft, do pintor Vermeer.
1903 Morre seu pai, o médico sanitarista e professor na Faculdade de Medicina, Adrien Proust.
1904 Publicação da sua primeira tradução da obra de Ruskin, La bible d’Amiens.
1905 Morte de sua mãe, Jeanne Proust.
1906 Publicação de sua segunda tradução da obra de Ruskin, Sésame et les lys, com prefácio extremamente importante sobre a leitura, que, de certa forma, antecipa Contre Sainte-Beuve e No caminho de Swann [Du côté de chez Swann].
1908 Publicação de uma série de pastiches literários no jornal Le Figaro. No verão do mesmo ano, Marcel começa a trabalhar em um projeto misto de narrativa e crítica literária, em que, de um diálogo fictício com sua mãe, ele conseguiria formular suas objeções àquele que era considerado o maior crítico literário do século xix, Sainte-Beuve.
1909 (até 1910): As paredes de seu quarto recebem cobertura de cortiça. A obra se amplia consideravelmente e torna-se um projeto de romance. Ele passa a pensar em dois volumes de setecentas páginas cada; o primeiro, O tempo perdido, e o segundo, O tempo reencontrado, com o título geral Intermitências do coração [Intermittences du coeur].
1913 A obra recebe o título geral de Em busca do tempo perdido [À la recherche du temps perdu]. O primeiro volume, No caminho de Swann, é publicado no dia 13 de novembro, à custa do autor, na Editora Grasset. Céleste Albaret, mulher de seu chofer Odilon, começa a trabalhar para ele e só o deixará em 1922, com sua morte. Seu antigo chofer, Agostinelli, passa a ser seu secretário e datilógrafo, até que foge em dezembro para Mônaco.
1914 Agostinelli, por quem ele se afeiçoara muito, e que aprendia a pilotar utilizando o nome de “Swann”, morre em um acidente de avião. Proust prepara a edição do segundo volume, que, na época, devia ter como título O caminho de Guermantes [Le côté de Guermantes], a obra comportando ainda apenas três volumes. Com a declaração da guerra no dia 1º de agosto, seu editor, Grasset, é mobilizado e fica suspensa a edição. Odilon Albaret, seu chofer, também parte para a guerra, e sua mulher, Céleste, instala-se definitivamente na casa de Proust.
1914 (até 1918): Proust, muito doente e liberado do serviço militar, continua trabalhando em seu romance, que dobra de extensão.
1919 Proust publica na Nouvelle Revue Française um volume intitulado Pastiches et mélanges, que contém, entre outros, os pastiches outrora publicados no Le Figaro. Em junho é lançado enfim o segundo volume da obra, intitulado agora À sombra das raparigas em flor [À l’ombre des jeunes filles en fleurs], pelo qual Proust recebe o Prix Goncourt, maior prêmio literário francês.
1920 Publicação do terceiro volume, O caminho de Guermantes i.
1921 Publicação da segunda parte d’O caminho de Guermantes e da primeira parte do quarto volume, Sodoma e Gomorra. Mal-estar intenso após ter ido rever o Vista de Delft, de Vermeer, em uma exposição de pintura holandesa no museu do Jeu de Paume.
1922 Sodoma e Gomorra ii é publicado. Proust trabalha intensamente na preparação do quinto volume, A prisioneira [La prisonnière]; mas não tem tempo de corrigir a primeira datilografia do livro e morre no dia 18 de novembro, de pneumonia.
1923 A prisioneira é publicado por seu irmão, Robert Proust, e por Jacques Rivière, da Nouvelle Revue Française.
1925 Sai o sexto volume, Albertine desaparecida [Albertine Disparue] ou A fugitiva [La fugitive].
1927 Após cinco anos de sua morte, Robert Proust e Jacques Rivière conseguem dar forma aos manuscritos que contêm o último volume da obra, intitulado O tempo reencontrado [Le temps retrouvé].
1952 Publicação, sob direção de Bernard de Fallois, de Jean Santeuil, projeto de romance no qual Proust trabalhara entre os anos de 1895 e 1899.
1954 Publicação também por Fallois de fragmentos anteriores à Recherche, com o nome Contre Sainte-Beuve.
1962 Aquisição, pela Biblioteca Nacional, dos manuscritos de Proust

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