quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Marcel Proust - Sodoma e Gomorra (Prefácio)

em busca do tempo perdido

volume IV
Sodoma e Gomorra


Tradução Fernando Py


Prefácio


O tema principal de Sodoma e Gomorra é a inversão sexual, tema que, por outro lado, aparece, veladamente ou não, em todo o desenrolar de Em Busca do Tempo Perdido. Mas podemos ver, igualmente, um tema secundário, e não menos apaixonante, que é o do ciúme do homem pela mulher amada, em que Proust retoma alguns aspectos que já havia analisado anteriormente em "Um amor de Swann", segunda parte de No Caminho de Swann. Porém, é neste Sodoma e Gomorra que avulta a análise do homossexualismo.

Logo no começo, o Narrador tem a revelação da homossexualidade masculina, o que o faz perceber, a uma luz inteiramente nova, certos fatos e episódios que não compreendia ou a que dera interpretação errônea. Alertado agora, aos poucos vai verificando que o homossexualismo é mais generalizado do que imaginara, inclusive o homossexualismo feminino. Desvenda-se, então, para ele, um mundo de equívocos e mal-entendidos, um universo de vícios e prazeres nefandos, aos quais, com horror, atribui os nomes das duas cidades bíblicas, pecaminosas, que teriam sido destruídas pelo fogo dos céus: Sodoma seria o reduto dos homossexuais masculinos; Gomorra, o refúgio das homossexuais femininas. Em meio a tamanha depravação, o Narrador vai perdendo sua esperança e fé no ser humano, ainda mais quando, em seu segundo "momento" de Balbec, é que principia a dar-se conta efetivamente da morte de sua querida avó, que o acompanhara da primeira vez.

Fiel à estrutura simétrica de sua obra, Marcel Proust concentrou aqui os dois pólos da inversão sexual e oferece-nos um romance que mergulha em cheio e fundo na análise desse comportamento. Sodoma e Gomorra constitui, ao mesmo tempo, o ponto central de todo o ciclo e aquele a partir do qual esse mesmo ciclo assume o caráter de análise impiedosa, afastando-se muito do lirismo dos dois primeiros volumes e da mundanidade polida, episódica, de O Caminho de Guermantes.



continua na página 02...
________________

Leia também:

Volume 1
Volume 2
Volume 3
Volume 4
Volume 6
Volume 7

____________

Cronologia
1871 (10 de julho): Nascimento no número 96 da rua La Fontaine, em Auteuil, de Marcel Proust, filho do médico Adrien Proust (1834-1903) e de Jeanne Weil (1849-1905), filha de um rico agente de câmbio judeu.
1873 (24 de maio): Nascimento de Robert, irmão de Marcel, em Paris. Ele se tornará cirurgião e, como o pai, professor na Faculdade de Medicina.
1880 Primeira crise de asma de Marcel. Ele sofrerá a vida toda da doença.
1882 (até 1889): Estudos secundários no Lycée Condorcet, em Paris.
1888 Leituras de Barrès, Renan, Leconte de Lisle, Loti. Proust e seus colegas de escola redigem a Revue Verte, depois a Revue Lilas. Torna-se aluno de Alphonse Darlu, professor de filosofia enormemente admirado por ele.
1889 (até 1890): Alista-se como voluntário durante um ano no 76º Regimento de Infantaria, em Orléans, o que o dispensa dos três anos de serviço militar obrigatório. Um metro e 68 centímetros é a altura que consta de seu alistamento.
1890 Inscrição na Faculdade de Direito de Paris e na Escola de Ciências Políticas, sem muita convicção. Intensa vida mundana.
1891 Encontra-se com o pintor Jacques-Émile Blanche e com o escritor Oscar Wilde.
1892 A prima de Proust, Louise Neuburger, casa-se com Henri Bergson. Colaboração na revista Le Banquet. Seu amigo, o pintor Jacques-Émile Blanche, faz seu retrato a óleo.
1893 Colaboração na Revue Blanche. Conhece Robert de Montesquiou, que inspira a criação da personagem do barão de Charlus. Formado em Direito, ele se prepara para terminar o curso de Letras.
1895 Obtém seu diploma em Letras. Entra como assistente não remunerado na Biblioteca Mazarine, emprego que ele jamais exercerá. Começa a escrever na praia de Beg-Meil um projeto de romance que o ocupará até 1899 e que permanecerá inacabado (os esboços serão publicados mais tarde sob o nome Jean Santeuil). Amizade intensa com Lucien, filho do escritor Alphonse Daudet.
1896 Publicação do livro Plaisirs et les jours, com prefácio do escritor Anatole France, ilustrações de Madeleine Lemaire e “comentários musicais” do amigo Reynaldo Hahn. Trata-se de uma coletânea de textos na sua maioria já publicados na revista Le Banquet e na Revue Blanche.
1897 (6 de julho): Marcel enfrenta o jornalista Jean Lorrain em duelo por este ter insinuado que ele mantinha relações “particulares” com Lucien Daudet. Descoberta da obra de John Ruskin.
1898 Com a eclosão do “Caso Dreyfus”, de acusação do coronel judeu Albert Dreyfus de traição à França, Marcel, mais do que convicto de sua inocência, revela-se ardente “dreyfusard”, assinando o documento que pedia a revisão do caso.
1899 A paixão pela obra do crítico inglês John Ruskin o leva a traduzir e comentar duas de suas obras, com a ajuda de sua mãe e de Marie Nordlinger, prima inglesa de seu amigo Reynaldo Hahn.
1902 Em visita à Holanda, Marcel contempla aquele que considerará “o mais lindo quadro da história da pintura”, Vista de Delft, do pintor Vermeer.
1903 Morre seu pai, o médico sanitarista e professor na Faculdade de Medicina, Adrien Proust.
1904 Publicação da sua primeira tradução da obra de Ruskin, La bible d’Amiens.
1905 Morte de sua mãe, Jeanne Proust.
1906 Publicação de sua segunda tradução da obra de Ruskin, Sésame et les lys, com prefácio extremamente importante sobre a leitura, que, de certa forma, antecipa Contre Sainte-Beuve e No caminho de Swann [Du côté de chez Swann].
1908 Publicação de uma série de pastiches literários no jornal Le Figaro. No verão do mesmo ano, Marcel começa a trabalhar em um projeto misto de narrativa e crítica literária, em que, de um diálogo fictício com sua mãe, ele conseguiria formular suas objeções àquele que era considerado o maior crítico literário do século xix, Sainte-Beuve.
1909 (até 1910): As paredes de seu quarto recebem cobertura de cortiça. A obra se amplia consideravelmente e torna-se um projeto de romance. Ele passa a pensar em dois volumes de setecentas páginas cada; o primeiro, O tempo perdido, e o segundo, O tempo reencontrado, com o título geral Intermitências do coração [Intermittences du coeur].
1913 A obra recebe o título geral de Em busca do tempo perdido [À la recherche du temps perdu]. O primeiro volume, No caminho de Swann, é publicado no dia 13 de novembro, à custa do autor, na Editora Grasset. Céleste Albaret, mulher de seu chofer Odilon, começa a trabalhar para ele e só o deixará em 1922, com sua morte. Seu antigo chofer, Agostinelli, passa a ser seu secretário e datilógrafo, até que foge em dezembro para Mônaco.
1914 Agostinelli, por quem ele se afeiçoara muito, e que aprendia a pilotar utilizando o nome de “Swann”, morre em um acidente de avião. Proust prepara a edição do segundo volume, que, na época, devia ter como título O caminho de Guermantes [Le côté de Guermantes], a obra comportando ainda apenas três volumes. Com a declaração da guerra no dia 1º de agosto, seu editor, Grasset, é mobilizado e fica suspensa a edição. Odilon Albaret, seu chofer, também parte para a guerra, e sua mulher, Céleste, instala-se definitivamente na casa de Proust.
1914 (até 1918): Proust, muito doente e liberado do serviço militar, continua trabalhando em seu romance, que dobra de extensão.
1919 Proust publica na Nouvelle Revue Française um volume intitulado Pastiches et mélanges, que contém, entre outros, os pastiches outrora publicados no Le Figaro. Em junho é lançado enfim o segundo volume da obra, intitulado agora À sombra das raparigas em flor [À l’ombre des jeunes filles en fleurs], pelo qual Proust recebe o Prix Goncourt, maior prêmio literário francês.
1920 Publicação do terceiro volume, O caminho de Guermantes i.
1921 Publicação da segunda parte d’O caminho de Guermantes e da primeira parte do quarto volume, Sodoma e Gomorra. Mal-estar intenso após ter ido rever o Vista de Delft, de Vermeer, em uma exposição de pintura holandesa no museu do Jeu de Paume.
1922 Sodoma e Gomorra ii é publicado. Proust trabalha intensamente na preparação do quinto volume, A prisioneira [La prisonnière]; mas não tem tempo de corrigir a primeira datilografia do livro e morre no dia 18 de novembro, de pneumonia.
1923 A prisioneira é publicado por seu irmão, Robert Proust, e por Jacques Rivière, da Nouvelle Revue Française.
1925 Sai o sexto volume, Albertine desaparecida [Albertine Disparue] ou A fugitiva [La fugitive].
1927 Após cinco anos de sua morte, Robert Proust e Jacques Rivière conseguem dar forma aos manuscritos que contêm o último volume da obra, intitulado O tempo reencontrado [Le temps retrouvé].
1952 Publicação, sob direção de Bernard de Fallois, de Jean Santeuil, projeto de romance no qual Proust trabalhara entre os anos de 1895 e 1899.
1954 Publicação também por Fallois de fragmentos anteriores à Recherche, com o nome Contre Sainte-Beuve.
1962 Aquisição, pela Biblioteca Nacional, dos manuscritos de Proust

Nenhum comentário:

Postar um comentário