segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

O Brasil Nação - V2: § 90 – Por fim (9) - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


POR FIM...


(9)


Indispensável, a revolução inadiável, a remissão que entregue a si mesma a nação brasileira, nada a prenuncia, no entanto. Falta-nos, mais do que nunca, espírito revolucionário: isto que, influindo uma época, torna possível a condensação de reformas essenciais da transmutação. Uma revolução legítima não cabe, nem se poderia conter num jato explosivo. Terá, ou não, esse momento expressivamente culminante; mas havemos de representá-la, e compreendê-la, num bem característico desenvolvimento, relativamente longo, pois que aí se inclui o que é preparo, já bem distinto da realização. Uma aspiração a disseminar-se, contagiosa intensidade de sentir social, abre a era da renovação, e logo, em efeito imediato, pronuncia-se a constante, ideal e intransigente oposição às formas que têm de cair. Dado, então, que tais formas estão na injustiça vigente, a oposição processual se define, sobretudo, como luta ativa, pertinaz, formal, contra a iniquidade apontada. Compreende-se bem que tal preparo exige sacrifícios; mas se deste modo se pronuncia o movimento, a revolução fatalmente se realizará, em crises sucessivas, em renovados assaltos, ou mesmo sem crises definidas e limitadas. Garante-lhe o êxito a tensão e propagação do espírito revolucionário, para ânimo da campanha que, entre triunfos e revezes, firmará a conquista definitiva. Espírito revolucionário revela-se na Revolução Cartista, cuja vitória foi a formidável organização da conquista política pelo operariado inglês. Também contamos, bem característico, o espírito revolucionário de 1882-88, em torno da Abolição: não houve momento de convulsão propriamente dita; no entanto, através de uma campanha à margem da política governamental, veio a impor-se uma solução de oposição. Dir-se-ia, mesmo, que mais se garantem as revoluções que passam sem explosões, pois que estas muitas vezes iludem, presumindo-se obtido de um transe momentâneo o que exige longo estágio.

Por isso mesmo, há que negar a qualidade de revolucionário a tudo isso que se tem tentado contra a política dos tradicionais dirigentes brasileiros, tudo isso que, acaso, ainda é esperança de ingênuos. E cabe, até, a pergunta: há, de fato, nesta hora do Brasil, um legítimo espírito revolucionário? É lícito duvidar, pois que nem se definiram aspirações para o quadro da nossa vida, nem luzem, ainda, ideais prontos a propagarem-se. Há, no entanto, o bastante de desgosto pelas formas políticas e sociais prevalecentes, para que a incoercível aspiração de um viver melhor e mais digno, agravada no descrédito dos dominantes, se possa converter em revolta de ânimo, em que se moverão as consciências abertas ideia da revolução. Mas há que levá-las, essas consciências, até lá. E, agora, onde, essa minoria de sinceros, abnegados, ativos, intemeratos, pertinazes... que, incompatíveis com a injustiça essencial, iluminarão as hostes que devem impor a solução, ou as soluções? Onde – os que se moldem numa ideia, foco do seu sentimento, e que a ela se sacrifiquem?... Preparar a indispensável revolução seria, em vez de armar motins, formar uma opinião também incompatível com a injustiça, e, para tanto, não bastam palavras, mas um inteiro programa de vida, dentro da vida comum, sem conspirações, nem demagogias, como sem temor da iniquidade. Então, cada proceder pessoal erguerá o constante e lúcido protesto com que se faz o melhor e mais eficaz da propaganda. Aspirações que se definem, programas que se concretizam: facetam-se em múltiplas afirmações, exigentes, preceituadas, e que são outros tantos direitos a conquistar, outras tantas injustiças a reparar.

Tudo isto se compendia na ideologia revolucionária. Mas, para o efeito, em propagação do espírito revolucionário, a simples dialética será também tristemente insuficiente. O reclamo imediato, para cada caso e o protesto formal e desembaraçado, para cada iniquidade, são atos, e só estes, quando em abnegação edificante, terão o poder miraculoso de acender a chama. A lei, o próprio objeto do ataque, dará proteção algumas vezes, e proporcionará os ensejos mais propícios para mover ostíbios e abalar os hesitantes. A infração propositada, a provocar a pena estoicamente aceita, vale definitivamente. Não é com o tomar das bastilhas que começa a ação, mas com o sacrifício dos que chegam até o cárcere, e, com isto, patenteiam a iniquidade. Não se provoca a ostentação de força, que dará em resultado prestígio dos opressores, e reforço de opressão. É indispensável, porém, arrostar pessoalmente os riscos de apontar o crime legal, de mostrar os resultados da opressão, e dizer francamente como vivem os que não se resignam à injustiça

Num desabusado luxo de força, legisla-se contra o pensamento; mas, é da essência deste ser inacessível às cadeias, e, por si mesmo, achar o caminho para, apesar de tudo, ganhar as consciências. [1] Na planície baixa da política nacional, marcado com a sujice própria, o capitalismo é livre para todo o crime que a espoliação sugere e a ganância exige: por que não afrontar a iniquidade que em cada ensejo reforça o seu domínio? Considere-se aberta uma propaganda, em cuja realização imediata atacar-se-iam os males já patentes, por conta do mesmo capital. Há, para ela, todo um acervo de verdades, com o formidável poder que é o da verdade, e contra a qual não valem os véus tintos no medo dos que a temem. Quem pode esconder, em face do mundo sofredor, a esplêndida experiência desta Rússia redimida? A fotografia, irrecusável como prova, não depende das legislações amedrontadas...


[1] Nos dias tétricos, de um sítio apavorado e apavorante, quando até a essencial bondade da alma brasileira parecia condenada à simples propaganda falada, por isso inatacável e incorrigível, apesar da delação reinante; essa propaganda de conversas fez mais contra a tirania do que toda outra que pudesse passar pelas malhas perras da nossa contorcida Constituição.


continua pág 366...

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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).

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