¡Las putas enseñan a los chicos a ser hombres!
O costume de matar não extermina os teimosos e obstinados
baitasar
O Juzé Qualquer quase retornou, não queria ou não poderia esquecer os
encantamentos da Montaña, nem a
Blanca leporina, com suas umidades de pântano, os cheiros, os murmúrios das
águas nas pedras, as súplicas geniosas dos ventos nas copas das árvores, as
raízes que lhe brotavam e penetravam la
tierra Leporina: as memórias chamavam o homem para acalmar as cicatrizes
da saudade.
Sonhei que ele chegava de mansinho e ia direto se meter embaixo dos panos
da Blanca. Não havia os alaridos dos cachorros, talvez fossem cúmplices
agradecidos, adormecidos por cansaço de tanta algazarra perdida. Caminhavam os
pés entre os galgos, parecia uma miragem aquele silêncio canino. Quietos,
conluiados com aquele preto anão, encantados pelo nariz do palhaço.
No instante adiante, eu acordava com a quietude da tristeza: o toco de
vela continuava desacasalado, não iluminava como um sol amarelado as sombras da
penumbra, mas as palavras continuavam por ali, depois de ditas
(É aqui que quero viver.) (¿Por cuanto tiempo?) (Não sei, talvez regresse
amanhã, ou quem sabe, tu já não me queiras pela manhã.) (Callado. Por ahora, tu
me basta.)
Sonhava um hombre assim para
mim, não me importava o tamanho, bastava não fingir paixão por mim: por isso decidi
que seria usada por alguém, bastava só querer o meu amor. Começava a descobrir
que a fêmea é que faz o ninho, enquanto o macho estufa o peito e canta o
encanto dos seus arrebatamentos de apego a terra. Não tem sossego esse
desassossego pela descoberta de novas terras até que se encontra enraizando. As
viagens não perdem a poesia da aventura desconhecida, mas já não lhe basta
aquele chão de tetas murchas, hombres
son hombres em qualquer lugar, desde que la tierra se mostre
fecunda em recebê-los, arreganhada en
su vientre
(Cobardes...)
A saudade faz do reencontro um encantamento sem medidas. Eterno. E foi
assim que imaginei o anão reenchendo Blanca: sem comedimentos para o que
ofereciam um ao outro e para o que tomavam do outro para si, creio que não existem
reminiscências para guardar tanto em tão pouco tempo se um aparenta e o outro
encobre. Aqueles dois foram o pedaço de tierra
do outro porque cultivavam flores, alimentos e o mato selvagem da paisagem que
os rebatia para os abraços. Não haveria tiempo
para sentirem remorsos pela vida, tinham as bocas dentro dos pulmões um do
outro. O cansaço só os perceberia na exaustão do toco daquela vela, derretidos
até o apagamento. Amolecidos na cera. Molhados pela chuva dos corpos e secados
pelo calor do sono.
Queriam la vida de um dentro do outro, assim não existem arrependimentos.
Fechei os olhos, sabia que me sorriam. Decidi que não sentiria saudades
de mim mesma, tão pequena e já com tantas memórias. Passei a contar histórias
para meus ouvidos. No início eram relatos que me fazia, registrando o visto e o
ouvido, uma, duas três quatro cinco, tantas quantas fosse preciso para lembrar,
mas com o tempo da prática fui acrescentando meu feitio de imaginar. Perdi aos
poucos a preocupação com a própria fé, me encantava dar largas às fantasias de
fantasmas: eles não existem, mas as bruxas...
E foi assim que tudo o mais continua.
Uma guerra entre o dono do milho que crescia na Montaña e o anão parteiro das vacas leiteiras. Não se sabe quem foi
o delator, mas o coronel já falava na perda do touro com lágrimas nos olhos.
Buscava o nome do culpado, a deus ninguém engana.
O José Qualquer passou a ser um Zé Qualquer, virou apenas o Qualquer, até
ser nomeado o matador Juzé Qualquer, para facilitar as memórias com os nomes
enquanto caçavam o encrenqueiro. Cresceu
na imaginação dos contrários, um sujeito enorme de vontades terríveis contra os
inimigos do povo da Montaña. Usava
seu treinamento de payaso para atacar e fugir. Logo, ele surgiu nas ideias do miedo como un fantasma payaso, disposto a tudo pelo seu povo. Un hombre de recursos fantasistas. Nunca
estava onde os homens da vigilância tinham certeza de encontrar. Figura
sinistra ingovernável para os inimigos, ojos
duros y secos qual piedras, vulto que embelezava de rebeldia as ideias dos
mestiços. Um soldado do povo que nunca foi soldado.
Como você já percebeu, as costas de Juzé Qualquer pesavam mais que a
perturbação do pesadelo de acordar numa cova de milho, com suas raízes saindo del la boca, ojos, orejas, narinas, enterrado
e aguado, crescido até el cielo,
florido de grãos, envolvido por mariposas mestizas,
o viento banhando seus cabelos até
ser colhido, debulhado e amarrotado, para virar farinha. O destino dos homens
de milho se mistura a los maíz de la
Montaña. Os campesinos continuam
ensinando como sobreviver, lições duras de aprender. Os requintados e as
elegantes senhoras reclamam que a minha gente: indios y cholos, não
sentem o sentido da própria vida, não têm vontade competente para buscar a
liberdade, não são gente além do jeito de servir
(Gentinha preguiçosa e apática.) — esse pensamento brota na boca
delicada, lábios carnudos, dentes brancos da Dona Lara — (¡Indios
guasqueiros, cholos primitivos!)
Os canalhas disfarçados de humanidade desfilam por salões elegantes,
enfiados em seus trajes cerimoniais, fraque e cartola, vestidos e jóias, com a
malquerença do saque e do sangue mestiço; homens e mulheres sem pátria, sem
alma, abandonados ao próprio destino do ódio que sentem pela Montaña. Não querem saber que precisam
dela para continuar sua abundância excessiva, por cima dos cuerpos y la sangre dos campesinos. Cadáveres de chapéu na mão e
olhos nos pés. Subornam la Montaña e achegam a ajuda do sol e das
nuvens para si. Matam a vida dos roceiros, nossa gente dura para oferecer una muerte
segura y sin dolor aos patrões do sol
e da chuva.
Os rústicos nascidos na Montaña
também têm lado, brotam como desprezados, material orgânico para adubar as
terras: não é o lado dos que empunham o chicote e a cruz. E assim, nascem
desajudados da mão do chicote que saqueia quem lhes quer fazer lutas de birras,
o costume de matar extermina os teimosos e obstinados. Nos salões com suas
luzes de vidro, as madames e seus imperantes espalham champán y vino em suas taças
requintadas da raça orgulhosa e vaidosa, não falam com pobre e campesino, não
acreditam en su tierra
(¡Gente sin ambiciones!) — lá
estavam os lábios vermelhos e carnudos — (¡Indios corruptos!)
E Juzé Qualquer virou Um e passou a ser avocado Qualquer Um, transformado
num irredutível obstáculo a ser destruído. O José Qualquer não mais existiu,
todos eram um e um era todos. Logo, a notícia que La Muerte estava em busca
de qualquer um, se espalhou como as chuvas sobre o milho durante a ventania, em
rajadas que lhe faz deitar os topetes que pesam para baixo, mas quando a rajada
folga e os topetes voltam ao lugar mais alto, todos percebem que aquela
tempestade só vez o milho aprender a resistir. Logo, logo... los hombres de maíz estarão servidos nas
mesas, esfarelados nas farinhas ou cozidos nas tortillas.
Os seres mitológicos são assim, estão onde não estão e não estão onde
estão. Não têm controle sobre a imaginação que os criam, os miedos que os temem; nem sobre as
extravagâncias que juram que esses seres fabulosos cometem por capricho ou
disparate. Mesmo quando o anão e a leporina se juntavam, entre as sombras da
luz amarelada e derretida do toco de vela, estavam enfeitados com os meus
jeitos de olhar o que desejava ver. Mudamos nosso destino com a imaginação
desfigurada da irrealidade. Eu descobri que queria ser puta olhando os capricho
e disparates do Juzé Qualquer e La Leporina, sabia que somos o próprio
destino e o meu era ser puta; sabe como é, puta não tem patrão, apenas a sina
conquistada com a fama da cama. Crescer mulher de paciência para ensinar e
aconselhar: instruir a arte da língua e das mãos, me tornou entediada e perita de los miedos y ilusiones dos
machos. E a menina castelhana virou uma perra
e passou a ser avocada La Castellana, transformada numa
irredutível carne a ser comida. Y el castellana
niña não mais existiu, todas eram uma
e uma era todas, La Maestra
(¡Las putas enseñan a los chicos a ser hombres!)
Perca-se tudo, menos a sabedoria da resignação.
Puta não pode embravecer: puta furiosa envelhece e perde o sustento. Por
causa de um vintém se gasta cem. Então, ela poupa o ódio que um dia será alguém
(Las putas no enriquecen de fama.)
Coitadas de nós, coitados de todos: o fim é sempre um fim.
O José começou a ser deformado pela imaginação dos campesinos, ganhou
invenção poética. Nada era provado, ninguém conseguia desmanchar o fantasma
encantado pela Blanca leporina.
A Montaña sabia: assim nascia a
lenda.
A história do touro morto com um soco para abafar seus urros não acabou
ali, naquele cercado. O coitado, no final de tudo, haveria de continuar nos dois
novilhos que estavam por chegar.
E esta história vai se acabar na tua memória, minha querida...
Nenhum comentário:
Postar um comentário