contos e poesia no butekudu baitasar.
a humanidade solidária e amorosa construída com todos incluídos num outro mundo possível, por la vida... siempre!
li nas redes sociais: "se tua religião te faz odiar pessoas por qualquer razão, procura frequentar um buteku e paga os mesmos 10% ao garçom!"
O Povo Voca é um espectáculo internacional de teatro vocal que combina sons vocais e um canto acapella com a arte de bater-box. WWW.VOCA-PEOPLE.COM Director Artístico: Lior Kalfo Música Diretor: Shai Fishman Produtores: Revital & Lior Kalfo. Performers: Eyal Cohen, Oded Goldstein, Rahmin Liraz, Adi Cesare, Adi Kozlovsky, Naama Levi, Boaz Ben David, Ben David Inon Vídeo Fotógrafo: Shlomi Albo, edição de vídeo: Peleg Netanel, desenho de luz: Roy Milo
Te ver e não te querer
É improvável, é impossível
Te ter e ter que esquecer
É insuportável
É dor incrível...(2x)
É como mergulhar no rio
E não se molhar
É como não morrer de frio
No gelo polar
É ter o estômago vazio
Não almoçar
É ver o céu se abrir no estio
E não se animar...
Te ver e não te querer
É improvável, é impossível
Te ter e ter que esquecer
É insuportável
É dor incrível...
É como esperar o prato
E não salivar
Sentir apertar o sapato
E não descalçar
É ver alguém feliz de fato
Sem alguém prá amar
É como procurar no mato
Estrela do mar...
Te ver e não te querer
É improvável, é impossível
Te ter e ter que esquecer
É insuportável
É dor incrível...
É como não sentir calor
Em Cuiabá
Ou como no Arpoador
Não ver o mar
É como não morrer de raiva
Com a política
Ignorar que a tarde
Vai vadiar e mítica
É como ver televisão
E não dormir
Ver um bichano pelo chão
E não sorrir
E como não provar o nectar
de um lindo amor
Depois que o coração detecta
A mais fina flor...
Te ver e não te querer
É improvável, é impossível
Te ter e ter que esquecer
É insuportável
É dor incrível...(2x)
Sei que está em festa, pá Fico contente E enquanto estou ausente Guarda um cravo para mim Eu queria estar na festa, pá Com a tua gente E colher pessoalmente Uma flor no teu jardim
Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei, também, que é preciso, pá Navegar, navegar Lá faz primavera, pá Cá estou doente Manda urgentemente Algum cheirinho de alecrim
Foi bonita a festa, pá Fiquei contente Ainda guardo renitente Um velho cravo para mim Já murcharam tua festa, pá Mas certamente Esqueceram uma semente Nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei, também, quanto é preciso, pá Navegar, navegar Canta primavera, pá Cá estou carente Manda novamente Algum cheirinho de alecrim
XXV (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
por isso
nascemos crianças, para alegrar os adultos tristes
baitasar
A viagem de retorno sem laVieja foi triste, sem graça, outro
esbanjamento de desperdício do nosso mundo para o mundo dos espíritos. Já me
explico, minha querida: el mundo de los
espíritus puede esperar, no está lejos de aquí. Allí, mi Vieja es sólo una más.
Senti muito sua ausência.
En la vuelta de la Piedra Caraca
a barqueira não usou das suas habilidades, as águas estavam quietas, quase
paradas, pareciam acomodadas, satisfeitas, voltaram ao seu curso natural
— Preta, acorda! — tentava descer do barco escorado nas areias — O que
foi? — perguntei antes de abrir os olhos e enfiar os meus pés tristes, naquele
chão de grãos finos e macios — Acorda, Preta! — mas os pés já tomavam as formas
achatadas, apertados pelo meu peso contra o assoalho de madeira do quarto sem
cor de lembrança — O que faço aqui? — para me erguer precisava esmagar o
assoalho com meu peso de maneira obstinada. O chão não precisa ser muito
resistente para suportar meus passos andantes — De onde eu vim?
Quando abri meus olhos de verdade, olhava para Anadyr — A velha se foi. —
Eu sei. — Como tu sabe? — olhava para aquela menina com um ou mais anos a mais,
me sentia tão mais velha, tão mais exigente, como poderia lhe dizer que laVieja
veio dizer-me que partia para que outros pudessem ficar — Un intercambio justo, niña Preta — foi quando percebi meus olhos
inchados, ainda chorava, descobria que caminhamos pela vida chorando partidas e
fingindo esquecimento, até que partimos. Não via nenhum sentido nesta vida de
tantas despedidas. Como se a cada sumiço eu estivesse preparando minha vez, com
esperança que fosse uma boa hora. Sacudi minha cabeça e foi como um arrepio
percorrendo meu corpo, um choque de luz e escuridão. Poderia fazer tudo o que
quisesse, mas o amor pela vida não iria não me impedia à morte. Estremeci
novamente meu corpo, não queria pensar nessa hora que haveria de chegar — Niña Preta, chega destes medos tristes,
vá alegrar-se com as crianças e reza por mim. — por isso nascemos crianças,
para alegrar os adultos tristes. Bem que poderíamos nascer velhos e morrer
crianças, explicar a vida resmungando e receber a morte chorando, reentrando em
seu útero para sempre.
Esfreguei meus olhos, queria alertá-los de novo para a sintonia da vida,
uma aventura com caminhos perigosos, travessias difíceis, obstáculos
ameaçadores, esfreguei novamente os olhos e sorri, estava pensando bobagens,
não sabia da vida mais que ninguém. E hoje, sei menos, foi preciso me aventurar
todos esses anos para descobrir que fazemos algumas coisas que dependem de nós
mesmas, mas outras, a maioria, não controlamos.
Não adianta, precisamos planejar inventando invencionices. Cada dia é um
primeiro dia, uma rotina sem partituras, como tocar de ouvido: con cautela al principio, luego se utiliza sin
cuidado. Tudo é uma imprudência deliciosa, o roteiro fica pronto depois da
criação.
Ah... se aquela menina que fui soubesse o que sei hoje, ainda bem que não
sabia, precisava cometer as tolices necessárias à vida, imprescindíveis à
memória de ter vivido — Vamos, Preta. — saímos do meu quarto, seguia Anadyr
como uma boneca de pano, desconjuntada e amassada. Meus passos não eram passos,
eram saltos, piruetas da marionete levada pelos fios visíveis que se prendiam
às mãos invisíveis, a luta entre o visível e as forças que não controlamos.
Precisei desta vida para me descobrir neste mundo de cá, a gente vive e
não sabe se é feliz. Depois do lado de lá é preciso confiar.
A curandeira havia feito sua última cura, as vontades de laVieja
se cumpriram. E ali, naquela noite, até o amanhecer, conversamos sobre o
encantamento mágico que espantou os espíritos adoecidos. De um jeito que não
sei, laVieja tinha um relacionamento com Deus — Niña Preta, não vou por conta de vontade própria — Então, fica. —
Não tenho mais escolhas, apenas não chore.
Quis chorar, escorrer do meu corpo a dor que se rasgava e me grudava,
como o suor gruda os tecidos finos em nossa carne, como a gordura que acompanha
os descuidados e se gruda por dentro, aumentando dobras e saliências. Os olhos
secavam, não conseguia me salvar pelas águas dos olhos.
Dobrei meus joelhos até sentar-me sobre os calcanhares. Coloquei no chão
uma pequena tigela com as ervas de preferência de laVieja — Tantas
maneiras de partir e você fez doce o seu desaparecimento — as folhas e os
galhos secos queimavam solenemente, eu rezava por minha solidão quase
permanente.
Tinha os olhos fechados e tentava acompanhar o rastro daquela nuvem
delgada que partia da tigela e se elevava até desaparecer, dançando entre os
invisíveis amores da minha vida — Niña
Preta, não existem motivos para chorar. — Eu sei.
Abri meus olhos e sorri meu primeiro riso — Bonan vojaĝon! adiaŭ! ĝis
revido! — ela sorriu de volta e me repetiu — Boa viagem! adeus! até à vista!
ATAHUALPA YUPANQUI (Héctor Roberto Chavero Aramburu) nació el 31 de enero de 1908 en El Campo de la Cruz, al norte de la provincia de Buenos Aires, de madre vasca y padre criollo. "Me galopaban en la sangre trescientos años de América, desde que don Diego Abad Chavero llegó para abatir quebrachos y algarrobos y hacer puertas y columnas para iglesias y capillas", comentaba en "El Canto del Viento".
Esta versión de EL ALAZÁN fue grabada en 1980 para el programa de TVE "Retrato en Vivo: El Hombre del Camino".
Era una cinta de fuego, galopando, galopando. Crin revuelta en llamaradas, mi alazán te estoy nombrando. Trepo las sierras con luna, cruzó los valles nevando. Cien caminos anduvimos, mi alazán te estoy nombrando. ¿ Qué oscuro lazo de nieve te pialó junto al barranco ¿. ¿ Cómo fue que no lo viste ¿, ¿ Qué estrella andabas buscando ¿. En el fondo del abismo, ni una voz para nombrarlo. Solito se fue muriendo, mi caballo, mi caballo. En una horqueta de un tala hay un morral solitario, y hay un corral sin relinchos, mi alazán te estoy nombrando. Si es como dicen algunos, que hay cielos pal' buen caballo, por ahí andará mi flete, galopando, galopando. Oscuro lazo de nieve te pialó junto al barranco. ¿ Cómo fue que no lo viste ¿, ¿ Qué estrella andabas buscando ¿. En el fondo del abismo, ni una voz para nombrarlo. Solito se fue muriendo, mi caballo, mi caballo.
Eles que não se amavam / Celso Sisto ; ilustrações de André Neves. - 2ª.ed. - Rio de Janeiro : Edigraf, 2009.
Leia pra você! Já leu para os seus alunos e alunas? Tente com os pais, as mães, com os amigos, as amigas, com seus filhos e filhas... e depois de tudo isso responda: Por que construímos tantos abismos? E as pontes...
Já fui assim, no início, depois... evolui e me salvei. Um dia tive um sonho: comprar um TV de Plasma, não sabia que iria morrer sentado com a boca cheia de dentes, esperando a morte chegar. Bem que um cara tentou me avisar, quem avisa amigo é. Fiquei surdo, foi a TV plasma. Obrigado, minha filha!
XXIV (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
morremos de
verdade quando desaparecemos da memória
baitasar
Na superfície nevoenta de laVieja crescia um desejo imenso de
reconciliação e embelezamento entre dois mundos, os de lá com os de cá,
misturados na cantoria da barqueira, na calmaria repentina das águas, junto com
uma sensação de costume, como se ali fosse o lugar do prazer de reencontros dos
achados e perdidos.
O chão úmido daquele barco era o que nos separava do afundamento naquelas
águas misteriosas. A barca vagava desembarcada das vaidades morais da
generosidade ou medos de castigos, confortável e cômoda com o silêncio da
cumplicidade — Não é bom ser boa... apenas por vaidades da aparência. — pedi
que repetisse, não tinha entendido — NiñaPreta, existem aquelas profissionais
da bondade que fazem da benevolência propagandismo de si mesmas, juntam-se ao
perseguidor como uma dócil besta neutra, dotada de uma profunda
responsabilidade moral. — perguntei de quem ela estava falando — Niña, a falsidade na bondade é difícil
de ver e de não fazer, tem gente contagiada em receber confetes e galanteios. Nunca
diz o que se passa no pensamento. — Como se estivesse sempre brincando de
esconde-esconde? — gosto quando laVieja sorri, ela agora estava me
sorrindo.
A barqueira ergueu os remos e pareceu conduzir o barco obedecendo ordens
íntimas do seu canto intenso e suave. Procurei os olhos para enxergar a sua
idade e o tempo da barqueira conduzindo gente de um lado a outro — Eu as
atravesso, mas não trago de volta. — ouvi sua voz terna e veludosa, pensei em
como eu iria voltar — Tem outra barqueira fazendo o caminho de lá para cá? — Se
existe, está disfarçada.
Fiquei em silêncio, novamente, obediente e tímida.
Levadas por forças invisíveis aos olhos, chegamos nas areias daquela
praia escondida da outra margem mansa. Uma sensação de excitação despertava
meu olhar e provocava um frio na barriga, talvez tenha dado o passo maior que a
perna, e a minha perna nem era tão grande. Apertava os olhos, como se assim pudesse ver além daquela bruma de
sentidos e cores diferentes — NiñaPreta, chegamos ao fim do arco-íris. —
levei um susto, havia esquecido laVieja, não estava sozinha no barco,
outro alívio de encorajamento — Então, é verdade! — exclamei inocente e jovial
— Tudo é verdade. — respondeu laVieja. Deitei os olhos no assoalho do
barco, não encarei o seu olhar doce e respondi discordante — Nem tudo, Vieja. — ela não pareceu escutar minha
provocação, apenas prosseguiu, eu estava ali para aprender, não tinha nada para
ensinar — Até a mentira, niña Preta,
até a mentira tem a aparência da verdade.
O barco que deslizou por dentro da névoa estava fixado em terra firma,
não havia ancoradouro para escorar nossa embarcação, apenas paramos — Essa é a
casa dos mortos, Vieja? — ela não
respondeu, olhava para a praia. A barqueira parou de assoviar e sentou no fim
de tudo, na ré do nosso pequeno navio, olhava à praia. Passou por mim, como se
fosse um pequeno assopro. Eu também olhava, procurava algo poderoso, mais por
bisbilhotice que por nervosismo — O que você espera encontrar? — Um mundo
diferente. — Diferente? — Caveiras perfeitas — a barqueira estava sorrindo,
podia haver bondade na morte.
O salvamento dos netos de laVieja exigia mais que alguns truques de
rezas e chás, era preciso escutar os espíritos antigos que não se mostram à toa
em templos de barro, nem em línguas de fogo. O doutor não escuta nada além dos
livros, mas la Vieja estava atrás de
conselhos — As ilusões das palavras curam alguns males, mas podem nos cegar, niñaPreta
— respondi que não estava entendendo — Niña,
as palavras são invencionice. — Como esconder a mentira com a verdade? — não
respondeu, estava com os olhos na praia, até que recomeçou lentamente — As palavras
se dão generosamente, não têm pertencimentos porque são acontecimentos
humanos... — Inventam ou reinventam a morte da vida? — uma miúda como eu sabia
da vida, da morte, da dor, porque a morte se serve da vida — Bobagem, uma serve
à outra, morremos de verdade quando desaparecemos da memória.
Desceu do barco e ordenou — Fique aqui... no barco. — não eram palavras
de ordem, mas de aconselhamento: se eu soubesse o melhor para mim, iria
obedecer. Não resisti a sua autoridade, era natural obedecer laVieja.
Ela caminhou alguns passos, até que ficou de cócoras sobre as pedras, retirava
dos bolsos pequenas flores, folhas e galhos secos. Montou uma fogueira miúda.
Rezava e cantava numa língua desconhecida para mim, com os braços abertos
e as mãos voltadas para cima — Pardonu al mi, ke mi tiel. — as rezas subiam e
baixavam como conversas entre amigas, até que foguearam os gravetos e as ervas
ajuntados para queimar, e a miúda ardeu em chamas. LaVieja puxava o ar com
as mãos e se abraçava. Parecia reacessa em si mesma. Reacendida de dentro para
fora. Respirava fundo como uma estranha, uma jovem estranha. Olhei para a
barqueira pedindo ajuda — Por favor, o que foi dito por laVieja? — Perdoe-me por
fazer assim — foi a usa tradução sem comentários.
Ela estava jovem, linda em meus olhos, como sempre foi. Os cabelos pretos
escorridos até o chão, cantando com una pequeñaniña em seus braços. Olhou-me com um
sorriso nos pensamentos, tentando explicar que ali não havia nada, além de mim
mesma — Mi volas lerni danci — olhei à barqueira pedindo que me viesse em
socorro, ela não se moveu, mas os lábios repetiram como se tivesse aprendido de mi madre o olhar, o perfume da sua
voz — Quero aprender a dançar — ergui os ombros para ilustrar que não
compreendia — Atendu, ghis mi revenos — virou suas costas para mim, parecia se
aninhar dentro dela mesma — Espere até eu voltar — desta vez a barqueira
repetiu minha mãe antes dos meus pedidos.
Foi quando senti a saudade como jamais soubera. Não eram lembranças, mas
a nostalgia do que não havia vivido.
Meus olhos eram a mulher agachada junto à miúda. Balançando pra frente e
para trás, rezando e cantando, os meus sonhos não eram os meus sonhos, eu não
me parecia com todas, eu era todas as minhas mulheres. Todas as saudades
estavam em mim: era la última.
Aquela
que deveria viver por todas.
As chamas da miúda eram violetas da ametista, pareciam muralhas
invisíveis que protegiam a jovem senhora. A barqueira sussurrou-me palavras dentro do meu espírito — Mi songhis pri vi — e as repetiu — Sonhei com você — não tinha nenhuma resposta com palavras inventadas para acalmar. Queria desistir — Por que você está fugindo? — espichei o ouvido, parei a respiração e
esperei algum ensinamento da sua voz. Expliquei que não estava fugindo, quem parecia fugir era ela. Nada. Nenhuma palavra de generosidade, apenas
o silêncio. Eu a queria ouvir me dizendo — NiñaPreta é forte e capaz de lutar com as
dores da vida.
Não estava magoada, mas queria mais do que me oferecia — NiñaPreta!
— laVieja que me despertava do sono — O que foi Vieja? — eu estava sentada num canto da embarcação, a cabeça
inclinada sobre o ombro e a boca babando sobre o meu vestido vermelho, tudo
mais por ali se parecia com o cinza e o quase branco — Laniña Preta volta para
casa, agora. — E a senhora, mi Vieja?
— Eu fico, sou mais necessária por aqui. — ninguém pensava em mim, minhas
dores, frustrações, nunca me perguntavam sobre as minhas vontades — Eu também
vou ficar. — LaniñaPreta não foi
convidada. — O que vai ser de mim? — depois de tanta vida, percebo como fui interesseira
de mim mesma, minha existência seria especial, mas sempre fui fruto do acaso: una aparición en el mundo de las muertes.
Olhei para a barqueira — Ao cabo e ao fim de tudo a senhora vai voltar
comigo. — Sempre existiu uma primeira vez para tudo. — Até para a morte? — ela
pegou os remos e os deixou mergulhados nas águas — A menina que trate de se segurar,
essa viagem de retorno precisa de atenção.
E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar? José Saramago
Eu comecei uma brincadeira que começou todo o mundo chorar Mas eu não vi Que a piada era sobre mim
Eu comecei a chorar que começou todo o mundo rir Ah, se eu apenas tivesse percebido Que a piada era sobre mim
Eu olhei para os céus passando minhas mãos sobre meus olhos E eu caí da cama Machucando minha cabeça de coisas que eu disse
"Até que finalmente morri , que começou todo o mundo vivendo Oh se eu apenas tivesse percebido que a piada era sobre mim
Eu olhei para os céus passando minhas mãos sobre meus olhos E eu caí da cama Machucando minha cabeça de coisas que eu disse
"Até que finalmente morri , que começou todo o mundo vivendo Oh se eu apenas tivesse percebido que a piada era sobre mim Oh não! que a piada era sobre mim Oh ...
1. fortuna imperatrix mundi (fortune, empress of the world)
O fortuna
Velut luna
Statu variabilis,
Semper crescis
Aut decrescis;
Vita detestabilis
Nunc obdurat
Et tunc curat
Ludo mentis aciem,
Egestatem,
Potestatem
Dissolvit ut glaciem.
Sors immanis
Et inanis,
Rota tu volubilis,
Status malus,
Vana salus
Semper dissolubilis,
Obumbrata
Et velata
Michi quoque niteris;
Nunc per ludum
Dorsum nudum
Fero tui sceleris.
Sors salutis
Et virtutis
Michi nunc contraria,
Est affectus
Et defectus
Semper in angaria.
Hac in hora
Sine mora
Corde pulsum tangite;
Quod per sortem
Sternit fortem,
Mecum omnes plangite!
2. fortune plango vulnera (i bemoan the wounds of fortune)
Fortune plango vulnera
Stillantibus ocellis
Quod sua michi munera
Subtrahit rebellis.
Verum est, quod legitur,
Fronte capillata,
Sed plerumque sequitur
Occasio calvata.
In fortune solio
Sederam elatus,
Prosperitatis vario
Flore coronatus;
Quicquid enim florui
Felix et beatus,
Nunc a summo corrui
Gloria privatus.
Fortune rota volvitur:
Descendo minoratus;
Alter in altum tollitur;
Nimis exaltatus
Rex sedet in vertice
Caveat ruinam!
Nam sub axe legimus
Hecubam reginam.
XXIII (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
é bom ter
sonhos em quantidade possível
baitasar
— Não pode ir junto, niñaPreta! — respondi que não me importava
com a volta se não podia ajudar laVieja — Eu sei que posso valer de alguma
coisa. — Niña, as velhas têm precisão
da solidão, mais vezes que as jovens com seus apegos e o humor amoroso podem tolerar.
— estava em pé no barco, olhava direto em seus olhos — Criancice, mi Vieja, sinto que essa sua missão secreta
é arriscada e em missão arriscada é preciso ter confiança no socorro. — as
velhas quando ficam velhas, e não se escondem da própria partida, sofrem pelos
desejos da sua criança, correm riscos inúteis, sedutoras não dispensam cuidados
nem gentilezas, humildes confiam naqueles que as cercam, prestam atenção
silenciosa para compreender e se deixam apagar — NiñaPreta, não existe só
o hoje, o agora, você precisa sobreviver hoje para os sonhos de amanhã. — Não tenho
parecença com sonhos. — ela me lançou um sorriso com uma maliciosa ternura que
jamais esqueci, pareceu estender a mão sobre minha cabeça, como se estivesse
benzendo pelo espaço de toda minha vida, sabendo e perdoando o que estava por
vir — É quase isso, não precisamos viver esperando pelos sonhos, mas é bom tê-los
em uma quantidade possível. — fiz o sinal da cruz, assim — En el nombre del Papá, Hijo y el
Espíritu Santo. — ela pode ver que eu também estava protegida.
A barqueira esperava com os remos suspensos acima das águas, o barco
subia e descia tão mansamente quanto era a sonolência da velha mulher, não
parecia nervosa ou alarmada, mas tinha uma missão para cumprir que não iria
descumprir — Senhora, não podemos ficar paradas — a voz naquela mulher tinha a
dignidade de todas as mulheres, carregava em si a própria vida, não era beleza,
não era sabedoria, nem tampouco revelava alguma oração, apenas sustentava o
próprio mistério da pausa para pensar, a imortalidade acessível à razão. É
preciso pensar e sentir. LaVieja olhou reto em meus olhos, avaliava
o tamanho da minha vontade, e fez um pequeno sinal com a ponta do nariz para a
velha barqueira. Os remos mergulharam nas águas e começamos nossa viagem para laPiedra
Caraca.
Aquela pequena travessia começou em silêncio. LaVieja parecia guardar
seus pensamentos para o futuro, para as águas, para as estrelas, para os
espíritos enlaPiedra, eu não sabia o
que aconteceria, mas não iria me esconder outra vez. A dor da saudade fica
insuportável quando sabemos do tempo que já não temos. Saber antes não diminui
a dor. Não queria mais ficar esperando a traição do destino, enfeitada como uma
pobre coitada. Chorando queixas adoentadas e desnecessárias. A balda das
egoístas. Eu começava a caminhar meus passos sobre a dura realidade da vida, as
amigas fazem promessas enganadoras para salvar a si mesmas, ora somos generosas,
ora somos egoístas, e parece que conquistamos orgulho em nós mesmas. É duro
lutar contra a soberba da generosidade e as sobras do egoísmo. Parecem farpas
invencíveis e sintéticas, colocadas convenientemente no coração humano como
virtudes — O que é esse palavreado todo, niñaPreta? — respondi que eram bobagens —
Não tenha ilusões com o mundo, aprenda a ver as coisas como elas são... — E
como elas são? — perguntei tão rápido quanto a intuição me permitiu, sem
pensar. Ela pareceu pensar duas três quatro vezes antes de responder, já vi
homens e mulheres fazerem isso parecer um truque para ganhar tempo,
experimentar a paciência dos outros, nos mais velhos parece um cansaço com a
ignorância dos moços, eu acho que é apenas para dar maior importância ao que
vai ser dito — As coisas deste mundo são deste mundo, as coisas do outro mundo
são do outro mundo — respondi que não entendia da utilidade de manter um mundo
lá e outro cá, se ela mesma usava as coisas de lá para ajudar cá — O que ajuda
pode atrapalhar se não foi bem sabido e autorizado. — E a senhora está no meio.
— Tentei ajudar as pessoas a viverem melhorar — fez sinal para me aproximar,
não conseguia sair do meu lugar de assento, tenho covardia de barcos e rios, e
mar, e qualquer água que me chegue aos joelhos — Não consigo, tenho medo. — la bruja ergueu a mão em concha até a
boca, conversou com a própria mão, enquanto o barco era jogado com as ondas em
pequenos mergulhos e subidas, abriu a mão e com um pequeno sopro fez sua voz
sussurrar — Mantenha sempre flores dentro de casa, embelezam e deixam todos
mais calmos, elas possuem a energia vinda da terra. — perguntei sobre as flores
que acalmam — LaniñaPreta vai descobrir
o que lhe faz melhor.
A luz de la Vieja iluminava o
barco, até que a escuridão de fora para dentro ficou assustadora e nos engoliu,
as águas salgadas ficaram nervosas e o barco se lançou para o alto e depois
mergulhou. Procurei laVieja e não via além do palmo no nariz,
gritei — Vieja! — ninguém respondeu —
repeti repeti repeti — Vieja!. Numa
das vezes em que o barco foi de nariz para o alto, pareci estar enlaMontaña, observando entre a lua e as
estrelas, vi o espírito alegre, simples e santo delPapá ordenando com
seu brilho os subterrâneos do dia sem sol — Cuidado com as ideias de muita bondade
e belas. — a voz dele parecia que jamais se assustava — Por que, mi Papá? — Elas podem não ser de
verdade. — vigiei laVieja por uma estrela, queria olhar para
saber se a estrela zombava de mim.
Era a estrela que me zoava, dançando para cima e para baixo, ligando e desligando.
Pela primeira vez, sentia medo da morte que se anunciava e duvidei
daquele impulso que me empurrou para o barco. Aquela covardia de fugir de laMontaña
e abandonar minha irmã Blanca cobrava a minha dívida com a coragem: actuar sin pensar. O desconforto
suportável da ausência veio depois da saudade acomodada, então comecei com o
gosto e encantamento impetuoso pelo irrefletido. Os planos do futuro não
pareciam querer a minha vida com alegrias, ele se mostrava rancoroso e egoísta.
Decidi que iniciava minha própria rebelião. Um talento que ali, naquele barco,
estava aprendendo: obedecer al instinto
de ilegal y obsceno,desilusionada
con la felicidad de tener a un hombre y sus hijos, queria muitos homens e
muito dinheiro — Mi Vieja, entende? —
O que, niñaPreta? — Não é bom ter medo demais. — o olhar despreocupado lhe
saiu — Nem confiança em demasia, niñaPreta.
O barco se lançava com as ondas acima e abaixo, as palavras ficavam penduradas
no redemoinho dos ventos, rodeando abraçando apertando — Vieja, assim a vida fica mais feia. — A dor é inevitável... —
mergulhamos e as palavras ficaram lá em cima. Sentia enjoo com tantos balanços.
O céu de estrelas desaparecia, laVieja e a barqueira sumiam, a frente só
existia um imenso e escuro rochedo, me sentia abandonada num pesadelo que iria
me perseguir por muito tempo — ¡Vieja! — ¿Qué te molesta, niña Preta? — Onde tu
estás? — Aqui, na frente do barco. — Estou com medo! — Já vamos chegar. — me
parecia uma tarefa do acaso descer do barco tão maltratado pelo vento e com as
águas tão agitadas, parecia uma tarefa do desastre.
Não entendia a demora daquela velha barqueira em fazer a travessia a laPiedraCaraca, lembrando melhor, ela tinha o
jeito de mulher cansada de muitas travessias. Olhando da praia, durante a
superfície do dia, o distanciamento das areias com aquela pedra era um começo bem
perto do fim. Distância curta, viagem curta. Algumas remadas seriam suficientes
para levar o barco em segurança até aquelas pedras. Talvez a velha remadora
estivesse fraca ou perdida do rumo — Vieja,
estamos no caminho certo? — Estamos aproveitando o melhor caminho. — una bruja precisa saber o melhor caminho
em meio àquela escuridão num mar enfurecido, senão deixa de ser una bruja.
Senti medo de seguir em frente, afinal, eu estava perdida, mas tinha ao
meu lado a disposição para enfrentar de jeito impulsivo tantas forças e, de
alguma maneira, acreditava que seguiria em frente, não seria o meu fim. Uma
superfície nevoenta suave com um vapor intenso me trouxe uma sensação
prazenteira, invadiu o barco, acomodou as águas salgadas — Receberam alguma
ordem de calmaria? — eu mais perguntava do que acreditava — O que foi, niñaPreta?
— la bruja mais perguntava do que
respondia — As águas se aquietaram... — O melhor caminho. — a barqueira
continuava onde sempre esteve, em pé, com os remos na água, controlando e olhando
a frente. Conduzindo atenta e cantarolando
(Meu Jesus crucificado,
Filho da Virgem Maria,
nos guardai por esta noite
e amanhã por todo dia.)
Hoje, tão longe daquela travessia, sei que o fim se aproxima e de alguma
maneira seguirei em frente. Não tenho desespero, nem bruxaria, nem medo, talvez
seja um jeito de confortar o desamparo do meu corpo. O gozo e a jovialidade
cederam lugar à beleza — Vá e não volte nunca mais, saudade que tenho dentro de
mim.
Declaração de Amor / Carlos Drummond de Andrade; concepção e seleção: Pedro Augusto Graña Drummond, Luís Maurício Graña Drummond. - 8ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2009.
XXII (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
rezas de
equilibração
baitasar
Depois que laVieja derramou rezamento sobre mim, pediu
que o filho a levasse até la Piedra de
los Caraca — ¿Por qué hacer esto ahora,
mi madre? — Preciso alinhavar umas rezas de equilibração... laniña
Preta viaja comigo.
Pronto, estava instalada a crise. Dona Lara não tinha tanta fé nas
feitiçarias de benzedura de laVieja, essa tal viagem não fazia parte
da cura dos filhos — Levar laVieja na Pedra — não sabia como e em se
isso ajudaria aos adoentados — Não! — e ela não ficaria em casa com sete
crianças doentes, sozinha de qualquer ajuda — Não! — a decisão estava tomada: todos o ninguno.
O marido olhou para a mãe, laVieja
avisou com um leve alevanta e abaixa os ombros — Tanto faz desse jeito ou de
outro — depois da decisão tomada, bastava colocar a carga preciosa no
transporte — Gente louca, carregar tantos doentes juntos — o seu Floratil
aconselhava que o melhor seria ficar e procurar o doutor — Meu velho, laViejaCaraca sabe o que faz e, por muito
certo, tem a ajuda da Mãe de todas as mães — retrucou a mulher benzedeira do
seu Floratil, o velho boticário ajeitou os dentes na boca, não queria ser mal
compreendido — Las brujas se llevan bien.
Uma por uma, as crianças foram colocadas na transportadora do leite. Os
maiores foram carregados por Dom Juan, os menores por dona Lara; o leporino y laVieja,
por mim. Depois de todos embarcados saímos em direção ao sítio de repouso da
família Caraca, nas beiras da água salgada. Eu pedia aos espíritos que laVieja
soubesse o que fazia.
Chegamos ao final do entardecer, foi o tempo de acomodar nossos feridos,
em seus alojamentos, para o dia ferrar no sono da escuridão. Todos dormiam, sai
da casa, ali, cubierta por el tejado que
sale fuera, escuchando el mar, las estrellas ocultas por el tejado, descobria,
um pouquinho por vez, as trevas que não são trevas chamam os medos que são as
nossas trevas — ¿Cómo no tener miedo?
LaVieja me chama, tantos anos e sinto o seu chamado, seu hálito, seu
cheiro de benzeduras — Niña Preta,
preciso de ajuda — desapareci de súbito de
lo cobertizo e surgi mais repentino no quarto de laVieja, respondi que
faria o que me fosse possível — Tem um
tempo para fazer o improvável — não sabia o que responder, descobria que era o
tempo do meu silêncio.
Pediu ao filho que fosse aos matos atrás da casa buscar seu material de
reza: sete galhos de arruda, agulha com linha preta, tesoura, faca — Niña Preta, esse ofício quer muito da
gente — fiz jeito de perguntar se feitiçaria era trabalho como qualquer outro,
mas vi que laVieja não estava com tempo nem disposição de conversas, ela estava
no feitio de fazer — Niña Preta,
remédio de doutor cura doença do corpo, doença do espírito precisa de muita
reza e conversa com o espírito — Vieja,
como se conversa com o espírito — Pedindo ajuda dos espíritos conhecidos.
LaVieja repetia que quando a reza era boa eles nunca se negavam em
ajuda, mas alguns precisavam ser convencidos da necessidade de intromissão — O
espírito que cerca as crianças precisa conversar — não sabia como ela faria
essa conversação de convencimento e tinha covardia de perguntar — ¿Cómo no tener miedo? — laVieja
puxou minha orelha para perto da sua boca, colocou a sua mão em concha, escondendo
sua voz, parecia querer dizer segredo de confissão — Esperteza não é
suficiente, é preciso fundar com os espíritos atenção de simpatia e gentilezas,
sem enganação — me pareceu que laVieja estava desaprendendo suas últimas
lições de benzeduras, as mais importantes, as mais sérias, desaprendia para
mim, senti meu coração apertando: las mujeressiempreparecenestar diciendo adiós
— Niña Preta, não fique triste nem
chore, estou indo por minha vontade, não tenho lamentos, faço o que é preciso.
Meu papel nesta vida já foi cumprido, já vivi a vida que tinha por viver — não
sabia o que lhe dizer às crianças e a Dom Juan — Digamos que fui a tomar el lugar de los niños.
Não tinha tristeza nem medo em sua voz, era mais um propósito em sua vida
que ela precisava cumprir. Eu pensava na vida daquela mulher que chegava ao seu
fim, sem rancores ou temores, terminava porque o corpo se terminava, não conseguia
mais servir naquele espírito interminável. O corpo delaVieja precisava partir, mas ela sabia
que poderia dar uma intenção para aquela partida — Niña Preta, me coloque no barco. — Vieja, é perigoso. — Tudo tem perigo, niña. — O seu filho... — ele sabe que precisamos soprar ese viento. — Já é noite... — ¿Y desde cuando una bruja le tiene miedo a
la noche?
Quando chegamos no barco as águas estavam deitadas sobre as areias,
esperavam, uma pescadora ajudou la Vieja embarcar, mas quando fui deixar-me
levar — Niña Preta fica, essa é a
minha viagem. — Mi madre, quero ir
junto. — Quando chegar o tempo da sua viagem, esse é o meu tempo, a minha hora,
me dê um beijo — pensei em beijar sua testa antes que ficasse fria e
irreconhecível. Não queria estar ali, e não queria estar em outro lugar. Olhava
em seus olhos, em sua boca que se fechava para mim, agarrava sua mão, queria
seus olhos me olhando, mais um gesto, mais um carinho, mas tudo da carne se
termina, já vem com o tempo de terminar. Outra mãe que eu perdia, mas agora
podia fazer minhas despedidas. É tão ruim e tão bom poder dizer adeus.
Confortar o amor dentro da gente mesma, tentando guardar na memória dos olhos
os detalhes, os suspiros, as queixas. Na verdade, essa vontade toda da memória
vai sumindo devagarinho, suave, vai ficando um calor aconchegante, imaginário e
doce da nostalgia — Eu ti amo, Vieja...
— Eu sei, niña Preta.
Num impulso de descontrole da valentia: salté a la barca.
Trechos declamados por Paulo Autran - com imagens do filme de Steven Spielberg, Amistad.
Navio Negreiro Castro Alves
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta. 'Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro... 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?... 'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas... Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço. Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade! Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos! Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... .......................................................... Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa! Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após. Do Espanhol as cantilenas Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, — Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso, Junto às lavas do vulcão! O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson e de Aboukir.. . O Francês — predestinado — Canta os louros do passado E os loureiros do porvir! Os marinheiros Helenos, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu ... Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..." E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . . São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael. Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!... Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer. Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar... Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!
A criminalidade toma conta da cidade
A sociedade põe a culpa nas autoridades
Um cacique oficial viajou pro Pantanal
Porque aqui a violência tá demais
E lá encontrou um velho índio que usava um fio dental
E fumava um cachimbo da paz
O presidente deu um tapa no cachimbo
E na hora de voltar pra capital, ficou com preguiça
Trocou seu paletó pelo fio dental
E nomeou ovelho índio pra ministro da justiça
E o novo ministro, chegando na cidade
Achou aquela tribo violenta demais
Viu que todo cara-pálida vivia atrás das grades
E chamou a TV e os jornais
E disse: "Índio chegou trazendo novidade
Índio trouxe o cachimbo da paz"
Maresia, sente a maresia
Maresia, uh
Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça
Todo mundo experimenta o cachimbo da floresta
Dizem que é do bom, dizem que não presta
Querem proibir, querem liberar
E a polêmica chegou até o congresso
Tudo isso deve ser pra evitar a concorrência
Porque não é Hollywood, mas é o sucesso
O cachimbo da paz deixou o povo mais tranqüilo
Mas o fumo acabou porque só tinha oitenta quilos
E o povo aplaudiu quando o índio partiu pra selva
E prometeu voltar com uma tonelada
Só que quando ele voltou, "sujou"
A polícia federal preparou uma cilada
"O cachimbo da paz foi proibido
Entra na caçamba, vagabundo, vamo pra DP
Êêê, índio tá fudido porque lá o pau vai comer"
Maresia, sente a maresia
Maresia, uh
Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça
Na delegacia só tinha viciado e delinquente
Cada um com um vício e um caso diferente
Um cachaceiro esfaqueou o dono do bar
Porque ele não vendia pinga fiado
E um senhor bebeu uísque demais
Acordou com um travestí e assassinou o coitado
Um viciado no jogo apostou a mulher
Perdeu a aposta e ela foi sequestrada
Era tanta ocorrência, tanta violência
Que o índio não tava entendendo nada
Ele viu que o delegado fumava um charuto fedorento
E acendeu um "da paz" pra relaxar
Mas quando foi dar um tapinha
Levou um tapão violento e um chute naquele lugar
Foi mandado pro presídio e, no caminho
Assistiu um acidente provocado por excesso de cerveja
Uma jovem que bebeu demais
Atropelou um padre e os noivos na porta da igreja
E pro índio nada mais faz sentido
Com tantas drogas por que só o seu cachimbo é proibido?
Maresia, sente a maresia
Maresia, uh
Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça
Na penitenciária o "índio fora da lei"
Conheceu os criminosos de verdade
Entrando, saindo e voltando
Cada vez mais perigosos pra sociedade
"Aí, cumpádi, tá rolando um sorteio na prisão
Pra reduzir a super lotação"
Todo mês alguns presos tem que ser executados
E o índio, dessa vez, foi um dos sorteados
E tentou acalmar os outros presos:
"Peraí, vamo fumar um cachimbinho da paz"
Eles começaram a rir e espancaram o velho índio
Até não poder mais e antes de morrer ele pensou:
"Essa tribo é atrasada demais
Eles querem acabar com a violência
Mas a paz é contra a lei e a lei é contra a paz"
E o cachimbo do índio continua proibido
Mas se você quer comprar é mais fácil que pão
Hoje em dia ele é vendido pelos mesmos bandidos
Que mataram o velho índio na prisão
Maresia, sente a maresia
Maresia, uh
Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça