sexta-feira, 13 de abril de 2012

Não queria mais ficar esperando a traição do destino


XXIII (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
é bom ter sonhos em quantidade possível
baitasar
— Não pode ir junto, niña Preta! — respondi que não me importava com a volta se não podia ajudar la Vieja — Eu sei que posso valer de alguma coisa. — Niña, as velhas têm precisão da solidão, mais vezes que as jovens com seus apegos e o humor amoroso podem tolerar. — estava em pé no barco, olhava direto em seus olhos — Criancice, mi Vieja, sinto que essa sua missão secreta é arriscada e em missão arriscada é preciso ter confiança no socorro. — as velhas quando ficam velhas, e não se escondem da própria partida, sofrem pelos desejos da sua criança, correm riscos inúteis, sedutoras não dispensam cuidados nem gentilezas, humildes confiam naqueles que as cercam, prestam atenção silenciosa para compreender e se deixam apagar — Niña Preta, não existe só o hoje, o agora, você precisa sobreviver hoje para os sonhos de amanhã. — Não tenho parecença com sonhos. — ela me lançou um sorriso com uma maliciosa ternura que jamais esqueci, pareceu estender a mão sobre minha cabeça, como se estivesse benzendo pelo espaço de toda minha vida, sabendo e perdoando o que estava por vir — É quase isso, não precisamos viver esperando pelos sonhos, mas é bom tê-los em uma quantidade possível. — fiz o sinal da cruz, assim — En el  nombre del Papá, Hijo y el Espíritu Santo. — ela pode ver que eu também estava protegida.
A barqueira esperava com os remos suspensos acima das águas, o barco subia e descia tão mansamente quanto era a sonolência da velha mulher, não parecia nervosa ou alarmada, mas tinha uma missão para cumprir que não iria descumprir — Senhora, não podemos ficar paradas — a voz naquela mulher tinha a dignidade de todas as mulheres, carregava em si a própria vida, não era beleza, não era sabedoria, nem tampouco revelava alguma oração, apenas sustentava o próprio mistério da pausa para pensar, a imortalidade acessível à razão. É preciso pensar e sentir. La Vieja olhou reto em meus olhos, avaliava o tamanho da minha vontade, e fez um pequeno sinal com a ponta do nariz para a velha barqueira. Os remos mergulharam nas águas e começamos nossa viagem para la Piedra Caraca.
Aquela pequena travessia começou em silêncio. La Vieja parecia guardar seus pensamentos para o futuro, para as águas, para as estrelas, para os espíritos en la Piedra, eu não sabia o que aconteceria, mas não iria me esconder outra vez. A dor da saudade fica insuportável quando sabemos do tempo que já não temos. Saber antes não diminui a dor. Não queria mais ficar esperando a traição do destino, enfeitada como uma pobre coitada. Chorando queixas adoentadas e desnecessárias. A balda das egoístas. Eu começava a caminhar meus passos sobre a dura realidade da vida, as amigas fazem promessas enganadoras para salvar a si mesmas, ora somos generosas, ora somos egoístas, e parece que conquistamos orgulho em nós mesmas. É duro lutar contra a soberba da generosidade e as sobras do egoísmo. Parecem farpas invencíveis e sintéticas, colocadas convenientemente no coração humano como virtudes — O que é esse palavreado todo, niña Preta? — respondi que eram bobagens — Não tenha ilusões com o mundo, aprenda a ver as coisas como elas são... — E como elas são? — perguntei tão rápido quanto a intuição me permitiu, sem pensar. Ela pareceu pensar duas três quatro vezes antes de responder, já vi homens e mulheres fazerem isso parecer um truque para ganhar tempo, experimentar a paciência dos outros, nos mais velhos parece um cansaço com a ignorância dos moços, eu acho que é apenas para dar maior importância ao que vai ser dito — As coisas deste mundo são deste mundo, as coisas do outro mundo são do outro mundo — respondi que não entendia da utilidade de manter um mundo lá e outro cá, se ela mesma usava as coisas de lá para ajudar cá — O que ajuda pode atrapalhar se não foi bem sabido e autorizado. — E a senhora está no meio. — Tentei ajudar as pessoas a viverem melhorar — fez sinal para me aproximar, não conseguia sair do meu lugar de assento, tenho covardia de barcos e rios, e mar, e qualquer água que me chegue aos joelhos — Não consigo, tenho medo. — la bruja ergueu a mão em concha até a boca, conversou com a própria mão, enquanto o barco era jogado com as ondas em pequenos mergulhos e subidas, abriu a mão e com um pequeno sopro fez sua voz sussurrar — Mantenha sempre flores dentro de casa, embelezam e deixam todos mais calmos, elas possuem a energia vinda da terra. — perguntei sobre as flores que acalmam — La niña Preta vai descobrir o que lhe faz melhor.
A luz de la Vieja iluminava o barco, até que a escuridão de fora para dentro ficou assustadora e nos engoliu, as águas salgadas ficaram nervosas e o barco se lançou para o alto e depois mergulhou. Procurei la Vieja e não via além do palmo no nariz, gritei — Vieja! — ninguém respondeu — repeti repeti repeti — Vieja!. Numa das vezes em que o barco foi de nariz para o alto, pareci estar en la Montaña, observando entre a lua e as estrelas, vi o espírito alegre, simples e santo del Papá ordenando com seu brilho os subterrâneos do dia sem sol — Cuidado com as ideias de muita bondade e belas. — a voz dele parecia que jamais se assustava — Por que, mi Papá? — Elas podem não ser de verdade. — vigiei la Vieja por uma estrela, queria olhar para saber se a estrela zombava de mim.
Era a estrela que me zoava, dançando para cima e para baixo, ligando e desligando.
Pela primeira vez, sentia medo da morte que se anunciava e duvidei daquele impulso que me empurrou para o barco. Aquela covardia de fugir de la Montaña e abandonar minha irmã Blanca cobrava a minha dívida com a coragem: actuar sin pensar. O desconforto suportável da ausência veio depois da saudade acomodada, então comecei com o gosto e encantamento impetuoso pelo irrefletido. Os planos do futuro não pareciam querer a minha vida com alegrias, ele se mostrava rancoroso e egoísta. Decidi que iniciava minha própria rebelião. Um talento que ali, naquele barco, estava aprendendo: obedecer al instinto de ilegal y obsceno, desilusionada con la felicidad de tener a un hombre y sus hijos, queria muitos homens e muito dinheiro — Mi Vieja, entende? — O que, niña Preta? — Não é bom ter medo demais. — o olhar despreocupado lhe saiu — Nem confiança em demasia, niña Preta.
O barco se lançava com as ondas acima e abaixo, as palavras ficavam penduradas no redemoinho dos ventos, rodeando abraçando apertando — Vieja, assim a vida fica mais feia. — A dor é inevitável... — mergulhamos e as palavras ficaram lá em cima. Sentia enjoo com tantos balanços. O céu de estrelas desaparecia, la Vieja e a barqueira sumiam, a frente só existia um imenso e escuro rochedo, me sentia abandonada num pesadelo que iria me perseguir por muito tempo — ¡Vieja!¿Qué te molesta, niña Preta? — Onde tu estás? — Aqui, na frente do barco. — Estou com medo! — Já vamos chegar. — me parecia uma tarefa do acaso descer do barco tão maltratado pelo vento e com as águas tão agitadas, parecia uma tarefa do desastre.
Não entendia a demora daquela velha barqueira em fazer a travessia a la Piedra Caraca, lembrando melhor, ela tinha o jeito de mulher cansada de muitas travessias. Olhando da praia, durante a superfície do dia, o distanciamento das areias com aquela pedra era um começo bem perto do fim. Distância curta, viagem curta. Algumas remadas seriam suficientes para levar o barco em segurança até aquelas pedras. Talvez a velha remadora estivesse fraca ou perdida do rumo — Vieja, estamos no caminho certo? — Estamos aproveitando o melhor caminho. — una bruja precisa saber o melhor caminho em meio àquela escuridão num mar enfurecido, senão deixa de ser una bruja.
Senti medo de seguir em frente, afinal, eu estava perdida, mas tinha ao meu lado a disposição para enfrentar de jeito impulsivo tantas forças e, de alguma maneira, acreditava que seguiria em frente, não seria o meu fim. Uma superfície nevoenta suave com um vapor intenso me trouxe uma sensação prazenteira, invadiu o barco, acomodou as águas salgadas — Receberam alguma ordem de calmaria? — eu mais perguntava do que acreditava — O que foi, niña Preta? — la bruja mais perguntava do que respondia — As águas se aquietaram... — O melhor caminho. — a barqueira continuava onde sempre esteve, em pé, com os remos na água, controlando e olhando a frente. Conduzindo atenta e cantarolando
(Meu Jesus crucificado,
Filho da Virgem Maria,
nos guardai por esta noite
e amanhã por todo dia.)
Hoje, tão longe daquela travessia, sei que o fim se aproxima e de alguma maneira seguirei em frente. Não tenho desespero, nem bruxaria, nem medo, talvez seja um jeito de confortar o desamparo do meu corpo. O gozo e a jovialidade cederam lugar à beleza — Vá e não volte nunca mais, saudade que tenho dentro de mim.

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