terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Inês Pedrosa

A Eternidade e o Desejo





"Era um precursor; fervia-lhe no peito uma verdade e só com ela tinha ligação."

"No fundo, acho que lhe bastava a consciência de que tinha deus dentro de si ou a eternidade, ou o conhecimento, como preferires."

"Gosto das palavras obscenas que inventamos juntos, feitas de restos de barcos e impérios, lodo e ídolos do nosso passado comum estoirados pelas costuras."

"Gosto do arrepio da tua língua na minha nuca, gosto que me digas quero mais quando creio já te ter dado tudo."

"Vieira não precisava de nada nem de ninguém."

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A eternidade e o desejo - Inês Pedrosa

Patrícia C.






Cega. Clara já não pode mais ver. Acompanhada pelo amigo Sebastião, resolve visitar novamente o Brasil em uma excursão que, partindo de Portugal, sua terra natal, visitará os locais percorridos pelo Padre Antônio Vieira. Eis um fio breve da narrativa, muito breve, pois o encanto da leitura de A eternidade e o desejo está justamente no modo como tudo é contado, na maneira como a escritora usa as palavras, escolhendo-as, arranjando-as, numa bela trama textual.

Dividido em duas partes - A eternidade, mais longa, e o Desejo, mais curta, surpreendeu-me a forma como o livro está estruturado: cada bloco narrativo é escrito em primeira pessoa: ora é Clara quem narra, ora Sebastião. Entre os dois, sentimentos conflitantes. Para ela, amizade:

[...] As histórias que sonhámos para as pessoas amadas flutuam na neblina dos dias muito quentes, como mentiras leves tocadas pelo peso da verdade. Espuma do mar desfeita ao toque dos dedos. Não te canses a inventar-me no desejo do teu corpo, Sebastião, que o que em mim crês amar não é mais do que a memória das lágrimas, das tuas lágrimas, feitas de uma luz distinta das minhas. [...] (p. 53)

para ele, um amor forte, continuamente frustrado:

[...] Eu sei que tu sabes, Clara - só queria apagar esse sorriso radioso que tu trazes da rua, esse sorriso que contraíste longe de mim, nos braços de outro homem, cega, cega, cega ao amor cego que tenho por ti, cega ao meu sofrimento. [...] (p. 125)

Também está presente a voz do Padre Antônio Vieira em trechos de seus textos que entremeiam a narrativa, pontuando, com seu estilo barroco, o que se vai passando.

Uma obra literária intrigante da primeira à última página. Do começo ao fim, ficamos envolvidos pelos pensamentos e caminhos trilhados por Clara, pela forma como nosso país é descrito - a sensualidade da Bahia, o sincretismo religioso local, as descobertas que ela faz, aos poucos, sobre si própria.

Para aguçar a curiosidade, mais um trechinho da obra:

- Tudo? Mas o que é tudo? Tudo o que vejo? - perguntas num sussurro. Como se, de súbito, te sentisses esmagado pela intraduzível vastidão do teu olhar. O que se vê nunca se pode narrar com rigor. As palavras são caleidoscópios onde as coisas se transformam noutras coisas. As palavras não têm cor - por isso permanecem quando as cores desmaiam. Percebo o teu aturdimento: como se traduz a visão? Como se emprestam os olhos? Impossível. (p. 13)

Mais alguns dados da obra:

Autora: Inês Pedrosa (1962 - Portugal)
Mais informações sobre A eternidade e o desejo, pela própria autora, podem ser vistas na entrevista feita por ocasião da sua participação na Festa Literária de Paraty, clicando aqui.

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