Ensaio 24
baitasar
O anão larga o
jornal sobre a mesa, desce da sacola que o trouxe, junto com o pão e o leite,
esfrega as suas pequenas mãos e enfia a menor em um dos bolsos da calça, bate
os beiços, abre um grande sorriso, risca o fósforo e queima a diamba — Então...
—
Então, o quê? — pergunta o escritista com os olhos para a moça vestida com
retalhos, estende o braço e pega o troço, nunca em suas alucinações de olhos
abertos vira um anjo em retalhos tão infernal e tão perto, dá pra sentir o
cheiro paradisíaco
—
Café... ou a história da avó... ou um banho de espuma? — com um grande salto,
sobe no banco, já está com a diamba entre o polegar e o indicador da mão menor
— Então, o que vai ser?
—
Estou com fome... escolho o café, tá legal?. — o escritista é o primeiro que
responde, não diz que recém havia acabado o ensino de alguns movimentos de
montaria, não lhe empolga outra cavalgada, pelo menos, não antes do café. E o
anão não tem que saber de tudo que se passa entre ele e aquele tesão de anjo
— Tienes que comer algo, muchacho. Yo
también. — o anão ergue os ombros, abre os braços e as mãos, parece
resignado, puxa a fumaça
—
Está bem, vamos ao café. — respira com um profundo suspiro. Desce os pés do
banco e senta, depois mostra um pequeno sorriso, parece guardando num canto,
para uso em tempo mais conveniente, memórias safadas com encantadoras perspectivas.
Não oferece o cigarro com a diamba para a moça, ela não bebe nem fuma em
serviço de dona de casa. Aprendeu que pode de um jeito ou de outro, ter sorte, mas é preciso
teimosia, persuasão e atentar a mulherada com ardor e paixão, a ebulição do
carnaval é só a aparência de se mostrarem, é preciso o carinho da paciência com
elas, são estimuladas por mais de um jeito.
Diminui o tamanho
da voz e sussurra ao escritista — As pessoas nem imaginam a vida das putas,
também querem o amor com a alma e o coração... você não acredita... — os dois
homens continuam sentados à mesa — ... ela tem medo de desabar e perder a
atenção na família, no trabalho...
—
As mulheres entram nisso por falta de opção?
— ¿Qué
tanto sussurro? — a
retalhista retira a chaleira com água do fogo, a quentura havia começado o
chiado da fervura. Despeja a água da chaleira no bule do café, lentamente a
água se mistura com o pó, o coador de pano enche, fica chocando a borra marrom
até a borda, mais uma gota e transborda
—
O vapor do aroma é mais gostoso que o gosto.
—
Os cheiros e os sabores. — os olhos do pequeno Fumaça não se parecem com os
pensamentos do pequeno e virtuoso neto da avó, deixou de se pensar como um
rabanete preto, continua perseguindo o encanto das palavras doces, aromas
delicados.
Enquanto o pó
tinge a água e o coador filtra os restos suspensos daquela borra escura, Maiami
coloca uma panela com leite no fogo. Limpa a mesa com um pano úmido, depois com
um pano seco, e pronto, ela está preparada para receber o pão e o vinho, e as
histórias do anão.
A retalhista se
volta à chaleira, observa que o leite ainda não está no ponto da fervura; volta
à atenção para o bule, coloca mais água no coador; recorta o pão em fatias. O
rapaz escritista faz movimento para levantar e ajudar no controle do leite ou
no enchimento do coador, o Fumaça toca em seu braço, pede que fique sentado —
Está tudo no preço, gosto de me sentir o marido da mulher.
A servente olha
os dois e sorri. Naquele olhar não tem bajulação nem insolência, apenas cumpre
sua parte do acordo
— El matrimonio para ustedes es un
contrato de trabajo.
O escritista
tirou a mão do anão do seu braço, depois a jogou no chão, ao lado do homenzinho
que gritava todos os palavrões aprendidos como rabanete preto. A jovem não
parecia preocupada com o sangue, com os gritos, apenas queria que ele parasse
de escorrer e perdesse a voz — Laetitia...
—
Sim, meu Capitão.
—
Preciso cobrir os seus olhos.
—
Não vou sair daqui, meu Capitão.
O anão pegou a
outra mão, a arrancada do braço e jogada no chão, tentava colocar no lugar de
antes. Ninguém lhe dava ouvidos, ninguém lhe prestava atenção, ela escorregava
e caia na lama de sangue e terra, mas não largava o fumo-de-angola.
O Capitão pegou
uma tira de pano e amarrou nos olhos da mulher deitada de costas, uma das
pernas apoiadas no ombro do Capitão, a outra estendida no chão — Nossa! Isso!
Isso! Caramba!
O prazer
inesperado não lhe causou espanto, nem foi tomada de repente — Gosto em mais de
um lugar...
—
Minha escrava fujona... safada.
—
Atrevido é o Capitão que me tapa os olhos e acha que não lhe vejo...
Ele a abraçava e
enfiava as mãos abaixo do vestido de algodão grosso, manchado de sangue e lama,
subindo até a cintura. Avançou com a boca em seus seios, beijava e mordia — Eu
gostei de você.
—
Eu sei que gostou, Capitão.
O escritista
está em pé ao seu lado, toca em seu braço e a faz sentar, ele examina o coador,
depois a leiteira, as xícaras — Escuro ou claro?
— Oscuro...
—
E você, Fumaça?
—
Claro.
Serve os dois e
concentra atenção na sua xícara com o café preto, depois se aproxima da jovem e
sussurra — Primeira lição: deixe-me cobrir seus olhos.
— ¿Por
qué? — a jovem lhe sorri, ele gosta da sedução... do faz de
conta da feitiçaria
—
Não sei, apenas uma ideia.
— No... vamos a tomar un café. — sabe que existem homens e homens,
não gosta do encantamento das mulheres transformadas em princesas, seduzidas
por homens perfeitos, um mundo puro, geométrico, a sala de espera da senzala.
Para a moça retalhista, homens e mulheres não vivem juntos por amor, vivem
ajuntados por acreditar que o outro é seguro
—
Maiami, você acredita no amor?
— Claro, es mi trabajo.
—
Vamos, Maiami, você pode responder melhor que isso.
— Mejor...
—
É... melhor.
O anão toma o
seu café, olha os dois, sabe que está apaixonado
— A mi me violaron dos veces...
ir a polícia? Eu sou a puta. Comecei aos 14 anos, no bordel era uma rainha. Nas
ruas não tinha nenhuma chance. Conheço o amor por dinheiro... hombres que parecían encantados não conseguiam esquecer
meus outros homens... quiero
la cortesia, un regalo... una
mujer le gusta ser
cortejada... ter um homem usando o tempo para conquistá-la... mas uma
prostituta não pode ser fiel... por isso, minha alma dorme sozinha, envelhece
sozinha. Não confio em ninguém para juntar com minha vida
—
Por favor, meus amigos, não vamos misturar os eventos.
—
Eventos, Fumaça?
—
Negócios legítimos e alcovas extralegais.
— Yo no soy un negocio legítimo
agradable y fácil... vocês fazem do sexo a fixação da vida, por isso pagam!
Tem um tempo
para conversar com o coração, outro para falar das entranhas – e outro, talvez
o tempo que melhor podemos oferecer, o silêncio
—
Eu concordo, mas, por favor... — o pequeno ergue a xícara como se fosse fazer
um brinde — ... vamos mudar de assunto, falar da minha coleção de calcinhas.
—
Porra, cara, esquece! E vocês, mulheres?
— ¿Qué pasa con las mujeres?
—
Gostam do sexo?
A resposta não veio
rápida, como se estivesse presa no grito perdido, desde a primeira guerra do
fogo — As putas gostam... y
las mujeres casadas que joden con sus amantes ilegales... ¡aman
follar! — a retalhista olha desafiadora para o príncipe encantado —
¿Tiene una
esposa?
— Tenho uma namorada...
— ¿Quién
ella folla, enquanto você está aqui?
—
Merda! Vocês vão acabar estragando o dia. — o anão está em pé, sobre a mesa,
precisa acabar com aquela discussão idiota — Eu sou bissexual. — os três ficam
em silêncio, ele lembra o conselho da avó, ás vezes é melhor ficar
quieto e deixar que pensem que você é um idiota do que abrir a boca e não
deixar nenhuma dúvida, bem, depois da confissão feita
é o homem pequeno que precisa terminar o que começou — Tá bem, foi mal, mas eu
não corro atrás de homens, foi uma vez que aconteceu e... bem, eu me sinto
melhor com as mulheres. — a jovem permanece calada, não parece medindo as
consequências do que lhe resta na vontade de falar, tem o jeito de um vulcão
limpando a garganta antes da explosão, olha para o anão que lhe pede para
deixar tudo, assim, como está, depois enfia os olhos no escritista e esfria a
voz
— Todo está incluido en el precio...
e o moço não precisa da minha companhia pra se embrulhar com o anão. — o
pequeno levanta os braços e os abaixa inconformado, estão todos nas beiradas do
descontrole. O preconceituoso aparece onde não se espera. Nem lembra o começo
de tudo aquilo. O escritista a segura pelo braço
—
Tá me chamando de viado?
— ¿Vas
a pegarme? ¡ Solta mi brazo!
—
Não grita!
— ¡Usted
me está haciendo gritar!
A confusão das
vozes, os xingamentos, e todos levantam a voz mais que estão acostumados, o
escritista parece envolto num descontrole violento e obsessivo, o macho
humilhado ergue a mão com o punho fechado, logo ele que se acha tão feminino
—
Rapaz, cuidado com o que vai fazer! E você Maiami, nada de heroísmos!
O escritista tem
os olhos vermelhos dentro dos olhos da retalhista. Não a perdoa e nem mesmo
sabe a razão da sua raiva
— Ô maluku... termina esse daqui, isso é
tudo bobagem.
O escritista
afrouxa a mão, espicha o polegar e o indicador — Deixa pra lá, afinal, nem
estamos casados... e a puta é você!
— Usted
es un juguete cómico en mi corazón siempre de fiesta.
— O
quê?!
— Um
brinquedo...
Não terminou, ele não podia deixá-la terminar
aqueles insultos.
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