domingo, 14 de fevereiro de 2016

Histórias de avoinha: a beleza moral dos dono de tudo

Ensaio 74B – 2ª edição 1ª reimpressão


a beleza moral dos dono de tudo


baitasar


foi quando o padinhu acordô das lembrança qui ele abriu a boca e se ressuscitô com a decoreba qui foi ensinado e dominado

O sacerdote faz uma doação do seu espírito e da sua carne aos desígnios e tarefas do Sinhô Nosso Deus. Único e justo. Todo sacerdote precisa aprender a defender-se dos impulsos de afeto que fazem brotar emoções de entusiasmo descontrolado, inadequados à razão. Precisamos resguardarmo-nos das simpatias perigosas.

Eu perguntei para o amigo Caramão, não investigava o sinhô Padre.

os dois num era brilhante, mais pra dá conta dessa tarefa cívica num precisava munto mais qui assustá com o medo e oferecê o abrigo e a salvação do medo. Uma veiz qui otra, eles conseguia arrancá dessas conversa um qui otro pensamento pra ajudá controlá os desajustado da beleza moral da villa

Os dois são um só.

Mas não foi sempre assim, houve um tempo em que o amigo era menos preocupado. O tempo em que o amigo só vestia as roupa do Caramão.

eles gostava de fingí qui cada reunião era a primêra da vida intêra com pose de falá a verdade dos otro, mais pra num deixá a língua ficá descontrolada eles num podia caí bebendo

É hoje que interessa, a história não existe nem para ser repetida.

engraçado como os preocupado com as coisa qui fez tem sempre a preocupação de dizê qui as história acontecida acabô. As memória num importa mais qui as coisa qui tá sendo feita. Eles gosta de anunciá qui o passado num tem valô quando as lembrança num ajuda esses preocupado em escondê as coisa qui fez. E se ninguém viu num conteceu, se num conteceu nunca existiu, se num existiu só vesgo, embriagado ou desajustado pra dizê o contrário

o zambo num pareceu se importá com o falso falatório, estendeu a mão com o seu vaso vazio, esperô qui a medida fosse feita e tirô mais duas fatia do pão. A boca cheia do pão e do vinho mais a língua enrolada e tonta num conseguiu controlá a bisbilhotice com a vida privativa do padinhu

E o sinhô Padre é virgem como a Virgem Maria?

o perguntado tomô otro gole, depois baixô a cabeça inté desaparecê das vista do perguntadô, quando voltô com a cabeça erguida ela tava encharcada de vinho. A mão continuava agarrada na garrafa do vinho sendo servido, mais as vista tinha se soltado do corpo. Se a alma dos hôme tá nas vista o padinhu tava com a alma perambulando pela sacristia, desencorpada das vontade da carne, pronta pra cumprí as promessa de ilusão e esperança no paraíso da vida eterna. O ar tava podre e quente. O padinhu tava medicamentoso, dopado de si mesmo, tudo é só comércio e lucro. Escutava as palavra do bispo, num foi na falta de aviso, Forrar mulatas desinquietas é perdição manifesta com repetidos pecados, pode ser a ruína de muitos, Ou o começo da salvação, foi o retruque dos óio

É mesquinho ficar atento apenas ao tema indecoroso dos casos de amor, à sombra das leis e da negligência com a beleza moral. A pergunta merece um brinde de prudência. Não merece tanta importância ou curiosidade, mas já que o amigo voltou ao assunto...

respondê qui sim ou otra replicação num bastava, era preciso qui ele fosse mais teimoso qui a própria ruindade, num podia ficá sem razão nem ficá na defensiva do retraimento, nem com medo da suspeita do otro; humilde, mais sem medo da ameaça qui parece querê lhe atingí

Feliz aventura essa do sinhô Padre que não pode ajuntar ao sacerdócio o matrimônio. O amigo tem a desculpa perfeita e pode se deixar agarrar pelos perigos da mulherada, parô as palavra qui ia sendo dita e juntô uma piscadela qui ajudô na continuação do amontoamento das palavra peçonhenta, então, vez que outra, não faz tanto mal e ajuda fortalecer o homem como homem. Endurecer o ferramental é um dos sentidos da vida e não vejo o amigo vivendo uma vida sem sentido.

o padinhu voltô a estendê o vinho na direção do curioso. E, tão solene como as perna permitia qui os passo fosse dado, ele se aproximô com o graal

O sinhô Ouvidor-Mor não veio até minha sacristia para saber se tenho ou não castidade. Esse é assunto que não tem nenhuma relevância frente a ganância da Côrte Imperial.

Não se dê pouca importância nem subestime a necessidade que todos temos de falar e perseguir a todos. Tudo que o amigo faz interessa para toda Villa.

os dois se oiava com severidade, dois hôme inteligente e com boa colocação no trabáio, mais qui num podia se arriscá com a hostilidade da antipatia dos otro tudo. O juízo precisa pensá o futuro. O siô pensavento ergueu o braço e aceitô o graal

Parece que todos precisam que nos sintamos acusados, vivendo com medo.

o pensavento caminhô os passo qui separava a civilização da porta dos fundo, parecia querê do gole qui ia tomá o alívio qui num conseguia tê

Muito me surpreende que o sinhô Padre não saiba que o medo nos mantém nas amarras do juízo. Experimente retirar o medo do coração desses negros, apontô o graal na direção do formiguêro, e não ficará um para lhe agradecer. A escolha da escravização dos negros é comercial, o sinhô Padre sabe que os lucros da escravização dos índios ficavam aqui com a nossa gente...

Esses paulistas, suas esposas e concubinas índias geraram uma civilização que se assemelha aos usos e costumes de suas Sabinas índias. E falam esse misto de tupi-guarani, espanhol e português. Seus potentados se assemelham a chefe de tribos que conquistaram e administram.

... e a ganância da corte portuguesa, junto com o suporte fundamental da igreja portuguesa, impôs restrições até conseguir a proibição da escravização dos índios.

Um ato de humanidade!

O amigo parece que está de zombaria. Isso tudo foi apenas uma defesa dos lucros para a Côrte Lusitana. Esse comércio lucrativo dos negros canalizou a usura para Portugal e empobreceu a elite da Villa, mas enriqueceu as Companhias e os tumbeiros portugueses. Tudo foi só comércio e proveito do ágio. Perdemos.

Antes ser e não parecer que parecer e não ser.

Antes ser ferrão que o boi, atrás dos apedrejados correm as pedras. Os portugueses estavam ávidos para comer a carne, chupar e lamber o suor dos brasileiros para encher a panturra parasita dos seus reis e nobres depredadores. Comilões famintos que nos devoravam desde o começo de tudo isso. E nos deixaram esse escurecimento todo, parô as palavra e sorriu atrás da máscara qui tava usando, o caramão lhe tinha levado pra otros terreno de discussão, manso como um pai levando o fiu pela mão, mas não se preocupe, amanhã se encontro o amigo será como se nada dessa conversa houvesse acontecido.

o padinhu oiô com gravidade pru visitadô, apertava as mão desvestida da roupa preta qui usava arregaçada inté a dobra do braço, num tava mais seguro qui aquela conversa ia chegá nos termo qui tinha planejado. Num buscava elogio inútil, mais num queria mais embaraço

Nunca esquecemos, Pensavento. Afinal, o amigo sabe tanto como eu que a justiça não é lei, mas imaginação da astúcia e da força. Uma perna com duas muletas.

os dois, no seu feitio de sê e vê a vida, só queria deixá cadum no seu lugá de sempre. O trabáio deles é esse: fazê os diferente ficá parecido; gêmeo das mãe sortida e mesmo pai. Quanto mais villêro igual, menos villêro diferente, essa parição da astúcia e da força transforma a villa num lugá dócil e ingênuo, todos pelo dono de tudo

Meu amigo, essa Villa nasceu dos fidalgos e desbravadores lusitanos que nos trouxeram hábitos de sociabilidade, urbanidade, luxo...

E as Leis do Papa, acrescentô o padinhu

Não seriam as Leis da Igreja, as mesmas que nos tiraram o direito sobre os negros da terra?

Sim. Sim, o padinhu sorriu, levemente. E, no momento seguinte, falô enternecido sobre a ignorância do otro, O Santo Padre e a Igreja são unos, uma coisa só, citar um é enaltecer o esplendor do outro. Mas as leis impedindo a escravização dos índios nas missões espanholas foi um ato de direito soberano da Côrte Portuguesa.

Aham, as Leis do Papa.

nesse ponto do abocanhamento das palavra, o visitadô já tava caminhando sem tanta agitação, parecia tá recuperado das tripa qui perdeu pela boca. Parô ali, na mesma porta, a sacristia do padinhu num oferecia munto lugá de revezamento, aparentava tá arrependido de num dizê o qui ele achava qui devia sê dito, Não sei muito sobre as Leis do Papa, o que eu sei é de ouvir falar, mas posso lhe dizer da pena que sinto dessa ralé da mestiçagem ociosa e inútil. Só pedem, pedem e pedem... talvez, o sinhô Padre por dever de ofício não concorde, mas tenho certeza que os coitados poderiam aprender uma ou outra coisinha que lhes pudesse oferecer uma vida com dignidade, exemplos ilustres e laboriosos não faltam. Estão condenados a degradação, a corrupção e miséria. Esses sarobas nunca terão pureza de sangue e de caráter. Sempre serão o crioléu menos escuro, mas ainda degenerado e tarado.

virô as costa pra porta do formigamento e ergueu o graal

Saúde! Ao embranquecimento...

Saúde, repetiu o padinhu

o zambo num perdoava o próprio mestiçamento; injusto, no seu feitio de vê a vida, Eu sou a excessão que confirma a regra, virô as vista pru formigamento dos preto trabaiando, deveria haver uma comida, uma fruta, uma bebida ou uma tintura que sufoque esse abastamento tão deprimente. Uma mágica para lhes aumentar o valor... e mudar a cor.

o padinhu lhe fez convite pra sentá, tinha assunto mais delicado qui precisava sê dito com o tamanho da voz qui as parede num pudesse escutá nem os cabelo do padinhu com comprimento inté os ombro tivesse como abafá

Chegue mais perto, esperô inté qui o lugá da caxumba ficasse mais perto, o assunto do bandeirante e o nome da praça já está concluído?

o pensavento recoieu o pescoço atrás pra modo de oiá no otro, O sinhô Padre fez toda essa aproximação para voltar num assunto já terminado?

Não. Desculpe. Chegue mais perto, por favor, esperô inté o lugá da caxumba voltá pra vizinhança da sua boca, só assim começô terminá a resposta do assunto anteriô e começá um novo, devo lembrar ao amigo Pensavento que a minha castidade não diz respeito a ninguém, além das Leis da Igreja, mas quero lhe afirmar que a minha castidade existe. Não se espante. Afinal, essa era a resposta que esperava ouvir. A única possível. Como já lhe disse, esse assunto só diz respeito a mim e as Leis da Igreja.

Não interessa ao Nosso Sinhô?

A Igreja e Deus são um serviço só.

Aham, uma paçoca humana.

o padinhu tava na encruziada da confirmação qui sim ou qui num era assim, achô qui devia encaminhá o assunto mais relevante. Antes de confiá as palavra pra escutação do pensavento, o hôme da cabeça raspada pra num mostrá o seu crioléu, lembrô qui eles dividiu o pão e o vinho, confiava nas intenção do amigo

Sinhô Ouvidor-Mor Pensavento, não dá para ter respeito e reverência em quem deveríamos confiar, fidalgos e novos ricos da Villa que não faltam às nossas domingueiras. Rezam. Comungam. E nos roubam...

o otro se ajeitô meió com o vaso do graal nas mão, mais num teve vontade de nenhum gole nem deu pista se tava com vontade, tumbém num retrucô, ele desconfiô qui o assunto grave e de munto cuidado tava pra sê dito, mais precisava recebê um reforço de coragem pra tê mais vontade de saí. O padinhu precisava dizê pru assunto existí, se num diz é pruqui num existi, se num existi num tem pruqui saí dizendo; mais se existi e ninguém diz qui existi, num é bão. O assunto qui fica escondido atrapaia as coisa boa. É como a escravidão qui as lei proíbe, nos dia de hoje, mais continua no coração, no empenho e no contentamento dos dono de tudo qui aprova e degusta os lucro qui consegue pagando minúcia pru trabaiadô. Eles jura qui paga titica pra fazê preço meió na mercadoria, mais num pensa em diminuí as gastança qui tem na vida com as roupa, comida, viagem, casa e festa. É só espiá o alvoroço feito com qualqué benefício de direito pru trabaiadô e espreitá a benquerença, o respeito e o acolhimento se o benefício de direito é prus dono de tudo. O ouvidô pensavento fazia juízo da justeza do assunto e se ele podia corrê o risco de tomá conhecimento depois de passá existí nas fofoca da villa

O sinhô Padre Caramão poderia ser mais claro?

pronto, pediu qui o padinhu parasse de ladeá os motivo da sua preocupação. Num sabia o qui ia escutá nem o qui ia falá depois do assunto existí, mais tava feito o pedido e tava dado o empurrão de encorajamento. O denunciante renovô o aviso qui mesmo as parede da sacristia podia ouví o qui num devia. Os dois ficô mais perto com os graal e as vista. A caxumba dum tava na vizinhança da caxumba dotro, inté qui o padinhu se resolveu acabá com as volta e escancarô o assunto qui existi faz um bão tempão: a falsidade da beleza moral da fidalguia

Seja o que o Sinhô Nosso Deus quiser... sinhô Ouvidor, os mais ilustres associados da Irmandade estão roubando as doações da obra Santa.

o pensavento num mexeu a boca, tava separando, juntando e misturando as palavra pra respondê pru oiá do padinhu

Como assim?

Estão escamoteando tudo que é doado.

chegô o momento do vinho perdê o controle pra realidade. Num existi uma paçoca de herói, mais uma paçoca de covardes é mais possível de existí. Cada qual no seu feitio, queria sabê diferençá os delírio dos heroísmo fingido

E quem lhe disse?

se ninguém viu, então num conteceu

O encarregado já vinha com os cuidados de anotar o que chegava, o que era usado e as sobras. Nos seus cálculos quanto menos usamos na obra, menos sobra.

Uma malidicência de um negro contra os homens mais ilustres da Villa, o pensavento sabia qui num ia sê fácil fazê a apreciação das palavra dum preto, e o sinhô Padre confia nas palavras do encarregado? Ele é um negro...

O homem é meus olhos e ouvidos. Fala por mim quando o assunto é a obra da igreja.

as conversa começô tomá o rumo qui mais parecia o tal: disse me disse, num disse. Enredo de falatório. O degustadô avaliô o aposento da sacristia e respirô fundo

É muito difícil acusar pessoas de bem, gente como a gente, rezamos juntos, rimos juntos, bebemos junto, coçô a carapinha raspada, fazendo uso da palavra de um negro, bateu as mão forte uma na otra, mais botô o pé numa das estrada na encruziada, o Padre Caramão tem os nomes dos avarentos?

os preto é ladrão e bandido, os branco é avarento. A justiça da fidalguia num tem vergonha de usá a força e a astúcia

Da maioria, foi a resposta qui deu

São tantos assim?

É menos demorado dizer os nomes daqueles que não assaltam as próprias doações, mas se sua Excelência aceita um conselho...

Fale, Padre.

Esse é assunto de pouca conversa com qualquer um dos associados.

a beleza moral da villa se apega em tudo qui dá pra desculpá os dono de tudo, diante deles mesmo, as maldade qui eles mesmo faz

Somos todos juramentados, lembra? Juro que não farei nenhum trabalho manual enquanto conseguir um só escravo que trabalhe para mim, com a graça de Deus e do rei de Portugal!




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