quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Histórias de avoinha: in nomine patris, et filii, et spiritus sancti, amen

Ensaio 73B – 2ª edição 1ª reimpressão


in nomine patris, et filii, et spiritus sancti, amen


baitasar



Caramão, por falar em bicho que anda atrás do diabo, o Governador gostaria que o amigo fizesse lembrança na domingueira, em intenção da boa alma do bandeirante Domingos Jorge Velho, mestre-de-campo, pelos 120 anos do seu passamento.

o padinhu voltô as vista prum corpo vivo, na sua frente, qui mais lhe parecia sê um morto, num escondeu da voz sua preocupação e o seu desprezo pelo pedido

Não. Está morto e bem morto, que continue assim. Siga morto sem perdão e que não alcance a graça do céu.

Sinhô Padre, só queremos que abençoe a sua memória. O homem teve ao seu comando 1300 índios e 820 brancos. Em 1693 marchou para o local de Palmares. Foram dois anos destruindo os mocambos. Até que em 1695 conseguiu destruir o quilombo. Calcula-se, por baixo, que viviam 15000 negros fugidos para Palmares. Uma sangria na economia da Colônia Portuguesa. Uma vergonha o descaso das autoridades com os prejuízos para os engenhos. Veja bem, apenas em 1697 caíram os últimos redutos dos escravos negros fugidos. O homem foi um guerreiro. Um herói!

Não. Não o farei. Foi um homem mau e não vai entrar no reino dos céus, serei mal-entendido por Deus se advogar por esse homem.

o pensavento tentô argumentá qui talveiz houvesse um mal-entendido das história contada pru padinhu, Algum eco emborrachado ou língua de trapo.

Não. Até o Padre Vieira, veja bem, o grande Padre Vieira, essa corja tentou queimar por heresia. Leia os seus sermões, em especial um panfleto, A Arte de Furtar, uma denúncia aos donos do poder e àqueles que o cercavam.

Isso é muito importante para os ânimos na Villa. Pensamos em dar o nome do bandeirante Domingos Jorge Velho à praça dos enforcados.

Que descanse e não tenha paz!

o ouvidô tava abismado com a carranca de ódio do padinhu

O que se passa, Caramão?

Homem ruim, sem escrúpulos. Maldoso. Conheço suas histórias. Seus homens com o pretexto de aprisionar escravos fugitivos invadiam fazendas para roubar gado e escravos. Pelas bandas, bem lá de cima da Colônia, quase ninguém, além dos fazendeiros, gosta dele. O que dirá Deus se honrarmos na domingueira um homem de tamanha maldade?

o pensavento apartô o padinhu, num fez modo pra escondê seu agastamento

Nem fez tanto nem é para tanto.

o otro num fez silêncio nem questão de escondê as história qui sabia. Os baruio da obra santa enfeitava as palavra trocada. Num era gemido, num era reclamação, mais as tábua subindo ou descendo, os prego sendo batido até ficá todo enfiado

Depende, se o Pensavento e os seus amigo da fidalguia acham que não é muito pendurar os meninos negros numa árvore e tirar a sua pele com uma navalha; depois de matar e esquartejar... comer alguns pedaços era uma das suas distrações favoritas. Que o bandeirante siga morto sem perdão.

o desabafo num pareceu fazê diminuí a intenção do pensavento sobre a solenidade, Era do costume do seu tempo, resumiu o enredo no seu gosto de desculpá os crime qui num interessava averiguá, essa é uma crítica severa que o Velho talvez não mereça, foi um guerreiro.

A propensão dos instintos guerreiros aprecia tombar para o banditismo. Esfolar seus prisioneiros pode fazer parte do sistema de rapina da fidalguia, mas não pode se tornar uma ocupação normal festejada.

É uma pena. Pensamos em depositar muitas moedas consigo para comprar a salvação da sua memória e a melhoria da praça.

Que fique quieto em sua sepultura.

foi no fim do seu decreto qui os dois ouviu um grito e uma batida abafada. O ministro político da cruiz e o ouvidô político do governadô se oiô desconfiado, um depois o otro foi inté a porta

O que sucedeu, perguntô o padinhu, lá embaixo, no meio do formigamento, o encarregado da obra santa lhe respondeu com a voz amedrontada

Outro negro que caiu do madeiramento, lá do teto.

E qual o estado?

Morreu.

o bafo frio da morte, o calô quente e úmido da sacristia, o desassossego qui ameaçava chegá, o vinho, o pão, a vigília e o conforto de achá qui a culpa das coisa ruim é sua purqui afrontô aqueles qui sustenta a igreja, fez o padinhu recuá, É verdade, dos negros e pobres não recebo nada, estou traindo aqueles que me ajudam e que por sua fé me buscam para que interceda por eles junto à Deus, durante a celebração. Não posso lutar contra a obra de Deus, as força do qui num existe tava com movimento junto com as força da fé, o padinhu tava receoso de enfrentá os siná recebido, acho meió num indispô o podê do céu com o podê da terra, isso por certo, irá ajudar manter em pé as forças da fé, depois ele rescitô bem baixinho

In nomine patris, et filli, et spiritus sancti, amen.

o espritu do vinho invadia a sacristia inté destravá as língua

Talvez rezemos, na domingueira.

Isso seria bom para todos.

Disse que talvez, mas será preciso anunciar os recursos para as melhorias... a igreja não tem dinheiro.

o ouvidô aproximô os passo e colocô o braço nos ombro do ministro, Vamos rezar juntos, Caramão. E o dinheiro não vai faltar, os dois num parecia medí o tamanho do vinho tomado, a vida não nos merece, meu amigo.

os dois num ia admití de dizê qui já tinha tomado mais vinho qui o recomendado, qui já tinha passado do ajuizado pra uma visitação de cortesia. A língua continuava destravando, parecia num querê pará de soltá os mistério qui cadum guarda escondido do seu jeito

Não seja tão duro, Pensavento. A morte nos merece menos, mas para tudo isso concorre esse fim de mundo... que Deus me perdoe, mas ao fim de tanta elocubração e oração, não posso negar que esses negros não têm a Verdade de Deus.

o ouvidô se afastô do padinhu qui ficô parado na porta da sacristia

São medíocres!

o padinhu continuô calado ou calô-se, mais parecia concordá; com a lacuna do silêncio dum, o otro foi em frente

Possuem a qualidade dos escravos, só sabem obedecer. Não conseguem se libertar da selvageria. Vivem cansados, indispostos para o trabalho. Perdem ou estragam as ferramentas. Não entendem as ordens. São lentos. Muitos já descem dos navios com o mal-do-bicho.

Varíola, Pensavento.

um crime é sempre um crime, mais parece qui a fidalguia e a beleza moral da villa se apega em tudo qui dá pra desculpá, diante deles mesmo, os abuso e as maldade qui eles mesmo faz

Bobagem, essa doença foi introduzida aqui, por esses bichos que chegam da África e morrem de diarréia por causa do relaxamento do vaso traseiro.

o padinhu pareceu tê ficado com mais sede depois qui viu o preto sê carregado. Saiu da porta da sacristia e sentô no seu lugá de despacho. Pegô o graal, encheu inté na parte de cima. Já tava perdido das boa manêra de serví e tomá. Fornicava com a gula, mais esse era o menó dos contratempo

Pensavento, sinto falta de um acompanhamento, se ia continuá era preciso fazê uso do pão. Pegô o pão do corpo e ofereceu, pegue.

o zambo qui num precisava pedí esmola oiô desconfiado pras mão oferecida segurando o cálice e o corpo

O amigo disse que não tinha mais pão...

Palavras são necessárias para salvar a alma, mas o pão nos salva o estômago, quem não tem reservas para os dois vai sentir fome. Na vida cotidiana é importante ter um bom inventário, um bom negócio, um bom repertório de amigos, afinidades e respeito com as pessoas, o padinhu participa das qualidade da villa e a villa depende da natureza do padinhu, o amigo Pensavento está com cisma do meu ofertório? Pegue o pão e o cálice, o braço tava firme e oferecido, mais tarde, peço reposição.

o ouvidô do governadô esticô o braço e pegô quatro fatia do pão. Agarrô tumbém o vaso, aprendeu num se comovê com nada, nem com gemido ou lágrima, os dois sabia qui havia perdido alguma coisa enquanto aceitava os açoite e o trabalho escravizado. Voltô no assunto de antes, ergueu o vaso

O que se pode esperar da mestiçagem desses negros boçais e degenerados?

o padinhu num respondeu pru brinde nem deu pru feitio do seu rosto qualqué reprovação pras palavra do zambo. Abriu a boca, mais a voz continuô na garganta, num queria deixá aparecê qui sua língua tava enrolando como a cobra antes do ataque. Tem coisa qui nem os amigo sabe e nem deve sabê

Estão muito longe de casa...

foi quando o pensavento deu um grito arrastado, um grito bêbado

Desequilibrados! Deveriam ser castrados!

engoliu o pão. Depois, a visita pareceu qui precisô empurrá com a língua o pedaço qui ficô grudado no céu da boca

Inutilizados para a reprodução? Acho que esse seu rompante não é uma boa ideia.

otro gole do vinho pra fazê descê o qui desgrudô com o dedo do nariz

Eu bem sei. Até que acho que não é para tanto... é perder o meu tempo em vão. Todos conhecem os ganhos com esses negrinhos.

e mais um bochecho pra modo de tê firmeza qui num ficô nenhuma lasca do corpo na boca

A nascença dos negrinhos recoloca parte dos braços perdidos com as fugas, os castigos e os desaparecimentos. E faz o negro pensar muito antes de decidir fugir. Os filhos são os ferros que prendem os pais.

pronto, o pensavento limpô a boca, tava pronto pra tagarelice do padinhu caramão

Eu sei, já são nascidos na lida da escravidão. É de pequinino que se entorta o pepino. Custo de cuidado com o nascido é quase nenhum. E têm suas vantagens. São daqui, com as ideias e a educação de submissão de Villa para o trabalho pacífico, sem cobiça ou delírios. A estabilidade da dominação cultural. Não precisam chorar de saudade. Isso é muito vantajoso, Caramão. O tempo que se perde com a educação faz os negrinhos mais comportados.

desta veiz, o padinhu num lhe deu maió importância, tava indo ou vindo de bem longe, o zambo encoieu os ombro e continuô a prosa. Nos modo de vê do pensavento, o ministro político de deus tumbém tem um devê cívico de ajudá no controle dos bão modo dos villêro: o bão hábito de tudo qui é villêro agí quase do mesmo modo pacífico, sem cobiça ou fúria, Isso dá calmaria na vida adequada, nas vaidades, no egoísmo e na beleza moral da Villa.

levô a mão qui agarrô o pão no cabo do chicote, oiô com um sorriso na boca pru padinhu, num tava escondendo qui alguns pensamento lhe divertia, sentiu qui chegava sua oportunidade

E o amigo deveria saber que o homem que não tem uma mulher na sua cama perde a força de homem. Sei que não é tarefa fácil para o sinhô Padre, imagine quanto mais difícil seria controlar os negros sem os cuidados das negras.

o otro continuava sentado com o oiá cravado em algum lugá qui num era na sacristia. Tava com aquele feitio qui tá lembrado do qui num qué esquecê

O Caramão é virgem?


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