segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Histórias de avoinha: tudo é um e um é tudo... nem sempre

Ensaio 86B – 2ª edição 1ª reimpressão

tudo é um e um é tudo... nem sempre


baitasar



a baronesa preta juntô as mão piquinina no colo com cintura fina. num tinha nehum dedo enfeitiçado com joia fina, mais sabia qui tava com cada lado das mão munto bem cuidado. elas tinha a elegância da cautela e do zelo. ela num tinha o feitio das mão qui passava o dia nas lida da lavôra, nas lavação com as água do rio, nas limpeza da casa. num tinha as mão preta sofrida como toda mão escrava. num queria tê, ninguém qué tê

sabia qui caminhava no fio afiado da cobiça. 
a formosura da aristocracia embeleza a civilização: é um otro jeito de fazê uso da vida, o mesmo jeito de usá as pessoa com indiferença e com as tramoia no próprio interesse. num usava joia pra num acordá a raiva e o ódio das muié branca. escoieu deixá desacordada a inveja infame de quem num tem nada além do ódio e a formosura vazia. aristocracia pobre qui só tem dinhêro. pras branca com fidalguia da educação ela era uma puta, mais num podia dizê nem dá importância de sê otra muié. apenas mais uma escrava qui abriu as perna com gosto pra comprá alforria. pras muié da aristocracia, ela devia pelo menos mostrá qui num gostava de sê a cumida do mesmo branco qui tava servido dos prato das fidalguia, qui era forçada fazê o qui num queria fazê. uma preta escrava puta num podia sê mais feliz qui elas. no vê das dona de tudo, a baronesa preta podia escoiê num dá o qui dava e qui parecia dá com gosto

pras muié preta ela era munto boa no qui sabia fazê. uma santa lutadora. comia o mingau pelas beirada sem afobação e sem lambuzá as mão. um exemplo de muié pra seguí e misturá tudo com branco e preto. e qui toda falação num vá mais longe sem dizê qui tudo no mundo serve e usa. num é justo com as preta dizê falação feia. a injustiça é a justiça dos branco num tem a mesma vontade nem sede pra julgá a aristocracia da formosura do mesmo jeito qui enforca e reparte em pedaço os pretu. a justiça dos branco num faz justiça, mostra prus pretu qui eles num tem piedade e qui é bão tê juízo pra obedecê. pra vivê meió é meió obedecê, serví e protegê os dono dos pretu

a justiça calcula com exatidão sê diabólica. ela nem precisa ajudá reflorescê a civilização com humanidade, só num pode atrapaiá. a justiça num devia sê injusta, mais vai sê injustiça justa pur munto mais tempo ainda. os branco usá da justiça pra dominá os pretu é injusto. é a própria injustiça qui controla os comportamento e escraviza os pretu. ela diz o qui pode ou num pode, manda e num pede, escraviza e solta no seu gosto e caridade. alforria é a esmola dada

a baronesa ajudava do seu jeito descontrolá o controle nas preta. as preta precisava se comportada como boa escrava, ela gostava do rosa, mais tumbém gostava de usá o branco e o encarnado, o dôrado. e num usava preto. gostava, mais num usava

Ocê vai precisá rezá.

liberata fez a recomendação e subiu mais as vista, num sabia se ela rezava ou num rezava. num sabia respondê purqui num viu. num sabia quando a baronesa foi ficando assim: a cabeça toda raspada, nehum fio pretu no corpo. nada. a nudez tava em tê ou num tê os fio pretu no corpo. pra escondê a nudez com desembaraço usava uma argola de prata no nariz com um piquininino sino qui cantava junto das palavra qui ela soltava dos pensamento. o triná enfeitiçava a coroa de cristal daquela rainha preta qui ninguém da aristocracia formosa qué vê. a boca afinada tava sempre pintada na cô do sangue forte e vivo. o nariz num era usado empinado, só usava ele pra cima quando tava indo e vindo nas rua. junto das muié branca num se dava no luxo de ficá menó qui as pose dos cabelo armado em caracol ruivo ou escorrido amarelado. num se deixava ficá menó pelas vontade das muié branca. elas deixa um rastro de sangue espaiado nas pegada onde anda. a baronesa num tinha amiga branca, mais sabia conversá o palavreado daquelas muié preguiçosa e incapaz de qualqué esforço sem ajuda das preta

a baronesa catita apertô inda mais as duas mão uma na otra. usava a túnica de seda na cô do sangue vivo solta em cima do corpo nu, nehum fio pretu, as borda preta costurada com linha branca, qui cobria o vestido branco qui cobria o seu corpo pretu perfumado. caminhava descalça. era a única desobediência qui dava pras recomendação do barão. gostava assim, livre nos pé. a muié mais elegante da villa andava descalça, despojada e sedutora. tornava público seus mau pensamento. os dois bico espetado pra frente

firmô a voz fina e as vista na liberata, Eu rezo.

tinha confiança nas visita qui ia recebê depois de rezá. num sorriu. num era motivo de fazê finura de falsidade nem riso de simpatia. num podia inventá um riso falso pra muié rezadêra. tava protegida dentro dos limites do mundo qui num é visto. tava iluminada. frágil. solta. tem veiz qui a gentileza do riso soa com munta falsidade. se doá pras amizade é fácil, quero vê se doá pra tudo qui é vida com munta amorosidade sem as muleta da caridade interessêra

o riso da falsidade num vê quem num qué vê. tá certo, tem veiz qui o fingimento num dá pra vê, mais num demora munto pra ocê sabê do disfarce. ninguém gosta quando vê qui foi enganada. tem as qui exige compensação pra continuá sendo enganada e se mantê normal, com cara de controlada. tem as pessoa qui fica desapontada, mais achava qui tudo se resolvia. tudo num se resolve. a maldade num se importa com o tempo qui viu passá inté toda falsidade desmontá. essa faz cara de paisagem e ri junto com certeza da traição. é um dos jogo da hipocrisia: escondê qui o qui existi num existi, um sofrimento inútil

o sino da obra santa tocô junto das duas palavra da catita, Eu rezo, parecia anunciá o sangue qui virô vinho e o corpo qui virô pão pra nada: quanto mais ocê dá atenção e cuidado só pra sua vida, menó vida ocê tem

firmô a voz aprumada com mais firmeza, sabia qui os pedido do socorro encantava o pedinte pra ele fazê promessa de obrigação. cumprí o prometido era um otro problema pra depois. ela num queria deixá dúvida, num queria tê desconfiança da promessa feita. queria se mantê dentro do comedimento acertado em confiança. as pessoa trama os espritu da maldição e da felicidade: queimando de medo o pedinte promete obrigação e fica com munto mais qui pode carregá, mais credita qui pode treiná os espritu do mesmo jeito qui 
a professoinha treina seu aluno com destino certo: obedecê o chefe e num tê atrevimento de dizê o qui aparece na cabeça dos pensamento, num qué nehum muriquinho com gosto de passeá à toa, já foi acertado o destino certo

as pessoa credita nos espritu qui interessa sua ambição de colheita das graça, pedí emprestado alguma benefício num é munto mais difícil nem munto mais fácil qui tê o pedido atendido. eu juro, e qui deus me perdoe, mais, às veiz, parece qui o dono das graça concedida qué endividá o precisado do abono, tanta é as desgraça qui ele permite descê nas costa preta já tão estragada

Eu rezo, a baronesa repetiu. só ela sabia das aparição qui acontecia com as reza sendo feita. num contava pra ninguém. num tinha como prová pra tudo qui é gente qui num gosta dos pretu sê livre, munto menos gosta das preta sê livre. gente qui tá disposta creditá o qui se qué dizê de ruim das preta escrava ou liberta. os branco é os bão, os trabaiadô dedicado e obediente; os pretu é os coitado estúpido, grossêro, desavergonhado, e as preta é as vagabunda, as puta. mais é a força dos braço dos pretu qui planta a terra, é as virilha das preta qui semeia na terra tudo qui é cô. isso num importa: pretu furioso precisa sê desanimado. muié preta precisa conhecê o seu lugá na cozinha e na cama de mucama. qualqué baixeza pode sê dita qui quase tudo credita, a verdade qui existi é a verdade dita da boca com caridade e piedade: caridade é o maió egoísmo qui existi, a falsidade qui pede pra ocê confiá só faz teatro, é a muleta dos egoísta. eles num ajuda os pretu crescê, mais gosta de reclamá se dá esmola caridosa, Vagabunda. Bêbado. Não querem ser escravos, mas também não querem trabalhar!

num contava pra ninguém. rezava e esperava. rezá era o seu jeito aprendido de num se conformá. mesmo quem tá fora tá dentro: rezá é qui faz tudo ficá do mesmo jeito. fazê o quê se perdê as esperança? lutá sem esperança? rezá sem esperança? num abriu os óio pra sabê quem lhe tocô no ombro, Sim...

Num fique com tristeza continue pra frente.

e quase junto, no otro ombro, num precisô colocá as vista pru otro lado pra sabê certo quem lhe tocava, já sabia de tantas veiz qui escutô, Sim...

Num tem vergonha? Dando as virilha prus branco pra fugí das ferida com as tira de côro na pedra!

num custava nada afirmá qui tava dentro da roda queimando, muntas veiz, cada veiz mais, atrás da cura dos pecado qui num tem cura e num tem pecado. um fogo qui num apaga, um inferno de quentura qui num cura purqui num foi inventado pra curá. existi pra controlá as impaciente e aliviá as resignada e respeitosa com as ordem das coisa desumana; existi pra exterminá as emancipada, desembestada e liberta

fogo do inferno com graveto pra umas, as paciente e conformada com labareda qui se assanha e acaba logo; fogo das treva com lenha de tora pra otras, as inconformada com as maldade ganha fogo pra toda eternidade. rezá ou lutá? rezá e lutá

O adoentado, tumbém, avisô a rezadêra, ele tumbém precisa rezá.

voltô as vista, as duas bem aberta na direção da liberata, precisava assumí as consequência do pedido feito pru benefício acontecê

Ele vai rezá, e se foi dito tava dito: o barão ia rezá

as duas muié juntô as munta mão qui tinha. quanto mais mão no tabulêro mais a dona do tabulêro sentia qui as mão tava tudo junta, ordenô com a voz rouca e doce do espritu

As duas precisa repetí as obrigação.

Sim, misiá.

todas fechô as vista. num é qui precise, mais dá um méio recoimento, uma entrega maió e uma tristeza menó vê com os óio qui credita

Siô, pelo especial privilégio ao beato Libório contra o mal de urina, faça com que o Barão se veja livre do mal de urina que ele padece. Glorioso Siô Libório, interceda por nós. Amém.

Tá bem...

Terminou?

liberata num respondeu, parecia tá tendo uma conversa secreta. quando parô com a falação na língua dos antigo continuô as instrução do comprometimento. pediu mais reza pra ayomide. a baronesa catita escutava o começo da cura do seu hôme. liberata esperô as reza terminá, ayomide abrí os óio, pra dizê qui a ajuda tava a caminho. as duas sabia das mão qui tava nos ombro, A menina num se afobe na agonia, as coisa qui tivé arrumação vai se arrumada. Num fique com tristeza, continua pra frente.

soltô as mão e continuô

É bão ocê pedí pra Omulu guiá as prece feita. É bão usá a xaxará pra varrê as coisa ruim. É bão implorá pela cura. É bão pedí o encantamento. Salve, Obaluaê! Siô da Terra! Tire a pestilência do bão hôme dessa sua fia. Interrompe a dô do hôme qui urina leite.

desceu as mão do céu e abriu as vista

Terminou?

a mão qui tocava o ombro apertô piquininino, Pru qui a afobação? A cura num tem pressa, u qui tem pressa num qué escutá, só qué falá da própria dô. Num esquece qui us espritu num precisa explicá nada, eles é espritu... purissu.

a catita obedeceu, precisava continuá escutando as recomendação

Serve pipoca pra Omulu, mais jamais banana-prata. Depois, faça um chá com essas ervas em um litro de água. O adoentado precisa bebê tudo no mesmo dia.

acabô as palavra dita e voltô as vista pru tabulêro, indagava os perfume inté ficá satisfeita. gostava de sentí as influência qui as erva anunciava pelo aroma

Fumaça!

avoinha pulava de um pulo para outro, depois chamava

Fumaça!

parecia que estava ali e não estava

joão torto enfiou a mão na buzina e afundou o pé no freio. o rocinante parou como um lutador para com o soco direto no queixo: tonto e torto. os passageiros foram empurrados sem jeitos e cuidados para frente

Fumaça!

O que foi avoinha?

ela desceu do teto. ficou jogada na mesa do troco

Onde ocê tava metido?

lá na frente, o joão torto gritava palavrões. ele estava indignado com os caminhos fechados. avoinha num desgrudava as vista de vê

E para onde eu poderia ir? Avoinha que me desculpe, mas a senhora está parecendo um espírito perdido, desses que não querem subir, inconformados com a desocupação do corpo.

ela se acomodou melhor, sempre quis ter conversa na sua volta. olhei para o fundo do carro, a mãe e os três meninos continuavam lá, o do meio parecia descolorido e indisposto

Depois da curva num teve jeito de lhe achá, inté na janela debrucei as vista.

a voz e os pensamento da avoinha eram de preocupação, o amor cuida e se descuida

Acho que foi avoinha que se escorregou-se e bateu a cabeça.

Num lembro...

Avoinha pode me fazer a gentileza de descer da mesa do troco?

descruzou as pernas e ficou em pé ao lado da mesa. veio até no pé do meu ouvido

O muriquinho parece qui só tem na cabeça o jeito de pensá o dinhêro qui recebe e o troco qui dá.

É o meu trabalho.

Eu sei, mais tem otros trabáio qui ocê pode sonhá tê.

os pensamento voltô ficá solto, liberata sabia qui num devia soltá as rédea da cavalaria, inda mais quando tava na consulta, inda mais quando a consulta era a inauguração do serviço de ajuda pras cura provisória

toda cura é provisória

sorriu dela pra ela mesma. as coisa qui tá no qui passô tumbém tá nas coisa qui vai passá. é munto mais fácil dizê as manêra certa – mandá fazê – qui fazê o qui é mandado prus otro fazê

parô as palavra dos pensamento pra oiá o neinhu fumaça. ele tava sentado na pedra do pelourinho. depois de munto oiá falô abatumada

Tive mais um sonho do mesmo sonho.


___________________________

Leia também:

Histórias de avoinha: o sinal da cruz e o formigueiro
Ensaio 85B – 2ª edição 1ª reimpressão


Histórias de avoinha: não falavam, apenas batiam
Ensaio 87B – 2ª edição 1ª reimpressão


Nenhum comentário:

Postar um comentário