Machado de Assis
CAPÍTULO LXXVI / O estrume
Súbito deu-me a consciência um repelão, acusou-me de ter feito capitular a probidade de Dona Plácida, obrigando-a a um papel torpe, depois de uma longa vida de trabalho e privações. Medianeira não era melhor que concubina, e eu tinha-a baixado a esse ofício, à custa de obséquios e dinheiros. Foi o que me disse a consciência; fiquei uns dez minutos sem saber que lhe replicasse. Ela acrescentou que eu me aproveitara da fascinação exercida por Virgília sobre a ex-costureira, da gratidão desta, enfim da necessidade. Notou a resistência de Dona Plácida, as lágrimas dos primeiros dias, as caras feias, os silêncios, os olhos baixos, e a minha arte em suportar tudo isso, até vencê-la. E repuxou-me outra vez de um modo irritado e nervoso.
Concordei que assim era, mas aleguei que a velhice de Dona Plácida estava agora ao abrigo da mendicidade: era uma compensação. Se não fossem os meus amores, provavelmente Dona Plácida acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã. A consciência concordou, e eu fui abrir a porta a Virgília.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXVIII / O vergalho
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXIX / Um grão de sandice
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXX / Dona Plácida
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXXI / O senão do livro
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXXII / O bibliômano
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXXIII / O luncheon
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXXIV / História de Dona Plácida
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXXV / Comigo
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Capítulo LXXVII / Entrevista
Memórias Póstumas de Brás Cubas: Prólogo e AO LEITOR
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