terça-feira, 10 de setembro de 2019

O Brasil Nação - v2: § 67 – A propaganda republicana - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim


O Brasil Nação volume 2




SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


capítulo 8



A Revolução Republicana



§ 67 – A propaganda republicana




A vitória do abolicionismo abriu o caminho à República; mas, assinalando esta verdade, é preciso notar, também, que a propaganda republicana, pelo necessário tom de afronta em que se fazia, aluiu muitos dos valores em que se fortalecia o escravatismo. Nem seria possível desconhecer que os abolicionistas, vendo e sentindo ao lado uma outra propaganda, a republicana, refaziam-se em ânimo, para mais ataques, cada vez mais fortes. Uma propaganda insuflava a outra, comunicavam-se entusiasmos, com efeitos mais vastos e mais extensos. Eram consonâncias que se reforçavam. O abolicionismo falava à generosidade, comovia; o republicanismo entusiasmava os ânimos e os inflamava: uns propósitos aproveitavam os efeitos do outro, sobretudo porque diziam, ambos, com a essência da alma brasileira. Rui Barbosa, visão sem perspectivas, mentalidade sempre apaixonada e pessoal, porque fora um batalhador ardente da Abolição, e que não viera de propaganda republicana, depois de acentuar o quanto se compadecera e se exaltara o país pela sorte dos escravos, diz da República: “–... originou-se de um mero acidente o movimento (republicano); a nação aceitou-o. Mas não era seu. Não lhe deriva das entrelinhas como o abolicionismo...”. [24] Voltado para a crise de 


[24] Prefácio de “Abolição”, de Osório Duque Estrada.


1831, mais aparente razão teria o famoso orador de considerar o 7 de Abril mero acidente, pois que se fez sem preparo ostensivo, sem propaganda explícita para redimir a nação brasileira pela eliminação do príncipe: uma simples irritação, por motivo de um ministério reacionário, faz desencadear-se o movimento revolucionário mais nítido da história nacional. E tudo que se segue patenteia profunda convulsão, em crise iniludível, orgânica, de toda a nação brasileira. As dificuldades que se multiplicam e a sinistra política involutiva em que esta pátria cai, depois, vêm de que, mal compreendidas as coisas pelos sinceros, com a moderação por ideal (porque as coisas facilmente se passaram), esses mesmos sinceros pensaram resolver o caso na solução da crise aparente, sem atender a esses motivos profundos, que levaram a nação ao vômito de 7 de abril.

O Sr. J. Nabuco enxerga o movimento republicano numa visão mais retraída ainda. Dá que


o espírito republicano começou a lavrar nos brasileiros durante a guerra do Paraguai, pelo contato com os republicanos do Sul... Os republicanos declarados seriam impotentes... se a atitude dos monarquistas tivesse sido previdente e precavida contra semelhante perigo. O instinto, o sentimento da nação, em sua quase totalidade, era de adesão e lealdade às instituições (monárquicas)... a crença, porém, de que as instituições não corriam verdadeiramente perigo, a certeza de cada partido, de cada político, de poder salvar a monarquia... quando esta recorresse a ele, fazia os nossos partidos constitucionais olharem com simpatia as dificuldades que os republicanos criavam ao governo, e o concurso que indiretamente lhes prestavam. A ideia republicana, apenas defendida e advogada por homens que renunciavam a tudo para servi-la, era quase um solilóquio; o que a engrossava... eram os ataques dos que, monarquistas, hostilizavam a monarquia por impaciência de subir... [25] 

[25] Um “Estadista” do Império, pág. 189; III v. pág. 193.


Passemos à implícita condenação do regime monárquico, e que se contém nesse cotejo, donde resultava que os brasileiros viajados pelas repúblicas do Sul tornavam-se republicanos; pensemos, para pasmar, nessa indiferença do pernambucano pela história da sua terra, que, em alma, nunca foi senão republicana; no mesmo lance, consideremos a facilidade com que Nabuco se move por entre inverossimilhanças e inexatidões, e demos às suas verdades o verdadeiro valor. Sim: Não viria a República se os monarquistas... ou, melhor, se houvera monarquistas sinceros, para se arrecearem de um novo regime a que não quisessem aderir... para serem previdentes. A quase totalidade, não da nação, mas dos incluídos nas classes dirigentes, era de futuros adesistas, sem preocupações de lealdade à monarquia. A prova dessa ausência de lealdade é o Sr. Nabuco quem a dá, quando no-los mostra, aproveitando as dificuldades que os republicanos causavam ao regime, engrossando com os seus ataques, de ambiciosos e desleais, a própria campanha dos republicanos. Ideia republicanasolilóquio é frase, no vezo de literatar. 

Um outro liberal adiantado, também elegante em não aderir à República, o Sr. Afonso Celso, hoje conde, também indiferente à história do Brasil, levou a sua elegância ao ponto de afirmar: “... raízes e tradições republicanas é o que nos falta...” Não lhe ocorreu, sequer, que o Brasil está na América, penetrado de todas as suas tradições; não lhe lembrou o heroísmo de todos que deram a vida no empenho de um Brasil independente e livre, e que, todos, foram republicanos. Antecipadamente, Silva Jardim lhe deu resposta, quando acentua que não houve brasileiro a morrer pelo rei, ao passo que muitos afrontaram a morte pela República. Paralela ao movimento abolicionista, a campanha pela República tem origens próprias, mais profundas ainda que as da Abolição. Na nossa história, ela mergulha até os dias de 1710, até a rebeldia de Bequimão. É, ao lado do zelo patriótico, a mais antiga e formal das tradições nacionais. Os republicanos de 6 de março de 1817 chegaram a ser poder. E foi preciso a insânia de generosa concórdia deles, e todo o peso do Estado português já aqui estabelecido, para que não se fizesse, ali, a definitiva autonomia do Brasil. Depois, com esse peso, que já era asfixia na infecção, foi preciso, ainda, a realidade da intervenção inglesa, para que a tradição republicana não se impusesse nos dias de 1822. Realizada a independência, com todo o prestígio do príncipe, que fundara a nação brasileira, o vigor da tradição republicano-nacional ainda é capaz de levar o Brasil a expelir o mesmo príncipe. Nesse transe, com toda a deturpação ligada à presença da massa dirigente na revolução, ainda foi preciso a invencível generosidade do coração brasileiro, quando o bragantismo renitente mostrava o trono num berço, para que em 1831-32 não se eliminasse a monarquia. 

Em verdade, o Brasil nunca deixou de ser da tradição republicana. Mesmo quando o nome não é referido, as aspirações essenciais vão para a realização democrática radical. Repassem-se as reformas decretadas pelo governo provisório da República, consagradas depois pela Constituição de 24 de fevereiro: são, substancialmente, as mesmas do projeto aceito pelos moderados – para 5 de julho de 1832, e que só não foi reforma da Constituição devido à traição de Hermeto e parelhas. Se a República aproveitou o desmoronamento do Império, vencido pela Abolição, também é certo que a aspiração republicana precedeu de muito a propaganda abolicionista, e quando o Brasil, nos estos do romantismo, renasceu para ideias, uma democracia radical foi reclamada antes de qualquer pretensão à abolição completa e imediata, isto porque, no sonho um Brasil – brasileiro e livre (1817), a emancipação dos escravos era apenas um detalhe, como condição de uma pátria que se propõe à justiça e à liberdade, ao passo que a República valia como necessidade substancial, forma de aspiração em molde de virtude. Com isso, toda a beleza dos sacrifícios patrióticos, do Brasil em formação, é de heróis republicanos – de Bernardo Vieira a Tiradentes, aos esquecidos executados de 1799, na Bahia, ao Padre Pessoa, Frei Caneca, Sabino, Pedro Ivo... Nas fileiras deste (em 1848) caiu heroicamente um Borges Fonseca, quase obscuro, e que, no entanto, indefectível e intransigente nos seus princípios republicanos, foi perseguido pelo governo de 1822, lutou ao lado de Paes de Andrade, para vir morrer, já velho, nas hostes de Nunes Machado... 

Não haveria nada disto, se a República não fosse constante aspiração da alma brasileira. Os resultados resolveram-se em infâmias sobre esta pátria: não importa, e tudo se explica pela circunstância de que essa universalização de ânimo, a que chamamos de gênio brasileiro, realidade para aspirar, continua enleada pelas gerações de dirigentes em que se perpetua o Estado bragantino aqui plantado em 1808. Havemos de apreciar em especial os motivos e processos que levaram a campanha de 1870-89 a tais resultados. Agora, cabe acentuar que se essa propaganda fez adotar a República é porque naturalmente já propendia para aí o Brasil. Citamos esta data – 1870 – como a organização da campanha de opinião levada sistematicamente até a vitória de 15 de novembro; mas não quer isto dizer que, antes, não houvesse manifestações em prol da República. Em 1860, por ocasião da aparatosa viagem do imperador às províncias do Norte, um dos cuidados, na récua dos cortesãos, era impedir os gritos de Viva a República! Repare-se no tom dos ataques de Landulfo Medrado: são de implícita campanha republicana. Em 1862, a propósito do bronze levantado no Rocio pela adulação dos tempos, Teófilo Otoni publicou o seu manifesto, percuciente grito de protesto, com o valor de um acordar de brios, ao influxo das puras tradições de 1817-24-31-37-42-48... Em 1866, vem à luz o jornal “A Opinião Liberal”, órgão dos radicais, esses mesmos que, quatro anos depois, serão ostensivos republicanos. Toda a atividade política deles, radicais – Saldanha, Silveira Lobo, Cristiano Otoni... é contra o regime. Em 1870, realiza-se o Congresso donde saiu o famoso manifesto, cujas assinaturas são expressivas, mesmo nos nomes dos que se convertem à monarquia.26 Em 1870 mesmo, publica-se, na corte, o órgão ostensivo a propaganda – “A República” e, logo a seguir, em diferentes cidades, os jornais francamente republicanos – “Seis de Março”, “República Federativa”, “República” (Maceió), “Horizonte”, “Sentinela da Liberdade”, “Voz Americana”, “Revolução”, “Democracia”, “Nacional”... 


[26] Saldanha Marinho se declarou republicano ostensivo em 1869. Foi quem presidiu a sessão de instalação do Clube Republicano, em 1870. A sessão em que foi lido o célebre manifesto teve a honra de ser presidida pelo depois Conselheiro Lafaiete Rodrigues Pereira. O manifesto foi composto pela comissão – Cristiano Otoni, Pedro Ferreira Viana, Farnesi, Aristides Lobo e Saldanha Marinho, relator. Assinaram o manifesto, entre outros: Bandeira de Gouveia (Pedro), Francisco e Emílio Rangel Pestana, Antonio Paulino, Henrique Limpo de Abreu, José Maria de Albuquerque Melo, Quintino Bocaiuva, Otaviano Hudson...



continua...


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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."


Cecília Costa Junqueira



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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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