Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
capítulo 8
A Revolução Republicana
§ 67 – A propaganda republicana
continuando...
Como justificativa da imprensa republicana, criam-se para mais do dobro de clubes ou associações de propaganda, como o Club e Tiradentes, ou o Centro Acadêmico do Rio de Janeiro, em que se destacava Lopes Trovão, ainda estudante. E porque o movimento se afirmou vibrante, logo em fevereiro de 1873, fez o governo imperial, pela sua polícia da corte, empastelar “A República”. A réplica dos republicanos foi o aparecimento do “Globo”, desde logo célebre, pelo nome, já feito nas letras e na imprensa, de Quintino Bocaiuva. No ano seguinte, aparece, como jornal partidário da República, a “Província de São Paulo”, e que subsiste no atual Estado de São Paulo. Ali mesmo, São Paulo, logo em 1871, reúne-se um congresso republicano, de que participam Campos Sales, Prudente de Morais, Rangel Pestana. Em 1873, publicam esses republicanos o seu manifesto. A Faculdade de Direito, onde fulgurara o poeta republicano dos escravos, era um foco de irradiação das suas ideias. Daí partem os que vão, logo em 1884, organizar o vigoroso partido republicano rio-grandense. Já em 1881, os republicanos paulistas haviam pleiteado as eleições gerais, sendo Campos Sales derrotado apenas por 7 votos!... Nas eleições seguintes, são eleitos dois republicanos em São Paulo, e um em Minas. Há distritos em que liberais e conservadores têm que unir-se para evitar a eleição do candidato republicano... Finalmente, nas vésperas de cair o Império, há, no Brasil, cerca de setenta periódicos francamente republicanos, notando-se, ainda, que todos os diários de opinião livre, feitos nas simpatias do público, como a Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, tornam-se órgãos de demolição do regime imperial.
No entanto, tais resultados sobre a alma nacional se faziam num país sem tradições de lutas de opinião, como sem prática de verdade eleitoral: o país das câmaras unânimes, para cada novo ministério a quem se dava invariavelmente a dissolução. Ora, isto demonstra que o Brasil queria a República, e que a tarefa da propaganda foi, por isso, grandemente facilitada: tratava-se de convencer e arrastar um povo já efetivamente adepto da República. Destarte, como não era preciso nenhum esforço mental para fazer aceitar a República, e não tínhamos outro modelo de dialética política senão a penúria de pensamento dos dirigentes consagrados, aí, na mentalidade deles, moldou-se a propaganda republicana, que resultou, por tudo isto, num verbalismo fofo, de antemão estéril, nulo e pedante como ideologia, incompleto e desconjuntado como preparo do novo regime. Quem vem daqueles dias – de propaganda, [27] nas vésperas já da República, recorda, envergonhado e triste, a pulhice, o obsoleto, a mesquinhez e o anacronismo das prédicas e das colunas impressas, gastas em repetir as cediças tiradas de 1789 e 1830. E há muita coisa já reclamada pelos convencionais e os revolucionários contra Luiz-Filipe, que não desponta nas reivindicações apagadas dos nossos de 1870-89. Tanto é assim que quando essas criaturas se encontram com o triunfo das suas ideias, e as realizam em estatutos políticos e jurídicos, não vão além do que haviam feito os moderados radicais em 1832. Bem rebuscando nas concretizações, haveria, em Feijó, mais radicalismo com realidade de progresso social, do que nos inefáveis revolucionários republicanos de 1889.
[27] Quem escreve estas páginas assistiu ao mais vivo, nos últimos dias de propaganda republicana, e, mocidade de estudante, fez parte de associações, onde esperava encontrar as fórmulas da nova organização... Foram decepções a abater e abafar os sonhos de juventude. É óbvio que tal não é citado para notar qualquer nobreza de propaganda, visto que a propaganda era esse vazio. A historicidade da República brasileira, será nobreza de intuitos nos poucos que realmente se sacrificaram, mas não é nenhuma grandeza de pensamento.
Como explicar tal insuficiência? A aspiração de democracia republicana estava na massa da nação; mas valia, apenas, como instinto. No esforço de conquista política, era mister, antes de tudo, dar forma consciente às mesmas aspirações, precisar os motivos, e, com isto, formular as realizações que definiriam, em funções, as nossas necessidades essenciais. E, agora, ou surgiria da massa mesma um desses iluminados – gênio político como intuição e ação, ou as formas tinham de ser definidas em mentalidades já educadas no pensamento político, e com afinidades nas aspirações revolucionárias, e que substituiriam a intuição genial pelo treino dialético. No Brasil, infelizmente, esse treino era o da classe dirigente, inválida como significação política, morbidez de concepção na perspectiva das legítimas aspirações nacionais, toda ela profundamente viciada em vista da tradição bragantina em que se formara. E foi com isto que a propaganda republicana se afinou. Naqueles dias, quando, havia decênios, já, eram conhecidas as concepções de Carl Max, esses aspectos sociopolítico não existem, no entanto, para os revolucionários que pregaram a República brasileira, como não existiam, para os propagandistas e organizadores da nossa República, os aspectos socioeconômicos dentro dos quais se formulavam noutras partes as reivindicações realmente republicanas, e para as quais gravitava, já, a nova política do mundo ocidental. O ano de 1870, data do célebre manifesto republicano, foi a da formidável tentativa da Comuna de Paris... E os do Brasil ficaram tão contidos nessa prova vazia, que, quatorze anos depois, Prudente de Morais, deputado, julgou-se dispensado de dar um programa do novo regime: O nosso programa está no manifesto. Naquele momento, como primeiro grito, sobretudo como revivescência da velha tradição, a voz de 1870 podia bastar mas que a propaganda consecutiva não saísse daí... De fato, a ideologia com que se pregou a República, e o movimento em que esta se preparou, não correspondem à época, nem procuram inspirar-se nas legítimas necessidades desta pátria, em ânsia de liberdade e de justiça. Tudo não passou de serôdios e ineficientes liberalismos, dissolvidos no molho pobre de um positivismo cego. Uma abstrata separação da Igreja do Estado, com absoluta anulação deste em face da ação pertinaz da Igreja histórica na nação; a atoleimada liberdade de profissões, incompatível com a forma legal dos mais importantes serviços públicos; a nominal secularização dos cemitérios; o abandono da instrução essencial do povo à inexistência dos poderes municipais; e outras menores e contraproducentes franquias, esgotaram a capacidade reparadora dos revolucionários brasileiros do fim do século XIX. Mais distantes da alma popular, e alheios a ela do que os de 1831, eles deixaram intactas, apenas despertadas e irritantes, todas as ânsias em que o Brasil manifestava a sua fome e sede de justiça. Nem os casos e as necessidades meramente políticos, como a realidade da federação; nem isto eles souberam compreender, pelo que consagraram na sua obra toda a monstruosa distribuição circunscricional do país, qual arranjara, nos seus fins de espoliação e tirania, a metrópole sobre a colônia, tal a conservara, por serem os mesmos interesses, o Império sobre a nação. E resultou da federação herdada da colônia e do Império, mais ignóbil despotismo sobre as populações do que nos dias dos capitães-mores.
Um pertinaz coimbrismo reduzia todo discorrer político ao vazio do bacharelismo jurídico, enquanto o Brasil fechava a sua vida social e política no que a mentalidade de juristas, continuadores dos de 1808, podia descortinar. Por maior desgraça, as contingências da situação geral, agravadas na incapacidade dos políticos do Império, engastaram a República na contenda que os militares travaram com o mesmo regime imperial. A propaganda abolicionista havia aluído as velhas instituições, a propaganda republicana oferecia uma nova ordem no sentido das tendências políticas mais patentes na história do país, e antes que os republicanos intentassem deveras a conquista do poder, o Império se entregava. [28] E há, também, que, como depreciação do regime monárquico, ocorreu o eficacíssimo concurso dos monárquicos sem fé, nem sinceridade para com os princípios que aparentemente professavam, e que, ao menor despeito, atacavam e desprestigiavam o trono, fornecendo à propaganda republicana o melhor dos argumentos concretos.
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O Brasil Nação - v2: § 52 – De Gonçalves Dias a Casimiro de Abreu... - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 53 – Álvares de Azevedo - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 54 – O lirismo brasileiro - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 55 – De Casimiro de Abreu a Varela - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 56 – O último romântico - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 57 – Romanticamente patriotas - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 58 – O indianismo - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 59 – O novo ânimo revolucionário - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 60 – Incruentas e falhas... - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 61 – A Abolição: a tradição brasileira para com os escravos - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 62 – Infla o Império sobre a escravidão - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 63 – O movimento nacional em favor dos escravizados - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 64 – O passe de 1871 e o abolicionismo imperial - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 65 – Os escravocratas submergidos - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 66 – Abolição e República - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 67 – A propaganda republicana - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 68 – A revolução para a República - Manoel Bomfim
[28] Pronunciada a declaração ministerial de Afonso Celso, (que viera salvar a monarquia contra os republicanos), tal se manifestou o grande liberal, que o seu correligionário Cesario Alvim prefere declarar-se pela República:... “prefiro a democracia pura... não posso depositar confiança no novo ministério... com um estandarte que só pode ser empunhado pelos adversários...” Joaquim Nabuco, não aceitando a política do novo ministério, concita-o, todavia – “a inspirar-se no seu patriotismo, a fim de que o ministério não seja o último da monarquia.” Depois, o mesmo Nabuco confirmará: “Tudo indicava que nos aproximávamos, por uma gravitação irresistível, da hora da substituição.” Na tribuna dos diplomatas, houve quem exclamasse: “Está perdida a monarquia.” Atribuíram a Dantas, ao sair da memorável sessão, o conceito: “... o que resta é abrir o caminho para que a República entre sem abalo.” O bispo do Pará, que a tudo assistira, comentou: “... os dias da monarquia estão contados...” Diz-se, então, que Saraiva, foi propositadamente a Petrópolis, levar ao imperador a sua opinião: “O que V. M. deve fazer é findar o seu reinado entregando à nação o trono que em 31 ela lhe deu...” “E a minha filha? Perguntou angustiado o pacato Pedro II. Ela é muito religiosa, e se resignará.” Pode ser que tanto não seja verdade, mas que o afirmassem demonstra como se considerava serem aqueles os últimos dias da monarquia.
"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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