quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Stendhal - O Vermelho e o Negro: O Seminário (XXV)

Livro I 

A verdade, a áspera verdade. 
Danton 


Capítulo XXV

O SEMINÁRIO




Trezentos e trinta e seis almoços a 83 centavos, trezentos e trinta e seis jantares a 38 centavos, chocolate à vontade; quanto se tem a ganhar com a submissão!

O VALENOD DE BESANÇON




VIU DE LONGE a cruz de ferro dourado sobre a porta; aproximou-se lentamente; parecia-lhe que as pernas lhe faltavam. Eis o inferno na terra, do qual não poderei sair! Por fim, decidiu-se a chamar. O ruído do sino ecoou como num lugar solitário. Ao cabo de dez minutos, um homem pálido, vestido de preto, veio abrir a porta. Julien olhou-o e baixou os olhos em seguida. Esse porteiro tinha uma fisionomia singular. A pupila saltada e verde de seus olhos arredondava-se como a de um gato; os contornos imóveis das pálpebras anunciavam a impossibilidade de qualquer simpatia; os lábios finos formavam um semicírculo sobre dentes protuberantes. Entretanto, essa fisionomia não sugeria o crime, mas sim aquela insensibilidade perfeita, que inspira muito mais terror à juventude. O único sentimento que o olhar rápido de Julien pôde adivinhar nesse rosto comprido de devoto foi um desprezo profundo por tudo que lhe quisessem falar e que não fosse do interesse do céu. 

Julien levantou os olhos com esforço e, com uma voz que a batida do coração tornava trêmula, explicou que desejava falar com o sr. Pirard, o diretor do seminário. Sem dizer uma palavra, o homem soturno fez-lhe um sinal para segui-lo. Eles subiram dois andares por uma larga escada com corrimão de madeira, cujos degraus arqueados pendiam inteiramente para o lado oposto à parede e pareciam prestes a cair. Um pequena porta, encimada por uma grande cruz de madeira pintada de preto, foi aberta com dificuldade, e o porteiro fê-lo entrar num quarto sombrio e baixo, cujas paredes caiadas eram guarnecidas de dois grandes quadros enegrecidos pelo tempo. Ali Julien foi deixado a sós; ele estava aterrorizado, seu coração batia violentamente; ficaria feliz se ousasse chorar. Um silêncio de morte reinava em toda a casa. 

Ao cabo de um quarto de hora, que lhe pareceu um dia, o porteiro de cara sinistra reapareceu à soleira de uma porta na outra extremidade do quarto e, sem dignar-se falar, fez-lhe um sinal para avançar. Ele entrou numa peça ainda maior que a primeira e muito mal iluminada. As paredes também eram caiadas, mas não havia móveis. Julien notou apenas, de passagem, num canto perto da porta, um leito de madeira, duas cadeiras de palha e um pequeno sofá em tábuas de pinho, sem almofada. Na outra extremidade do quarto, perto de uma pequena janela com vidros amarelados, guarnecida de vasos de flores sujos, avistou um homem sentado diante de uma mesa e vestindo uma batina em mau estado; tinha uma expressão colérica e pegava, um depois do outro, uma série de qua​dradinhos de papel que dispunha sobre a mesa, após ter escrito neles algumas palavras. Não parecia notar a presença de Julien. Este continuava imóvel, de pé no meio do quarto, lá onde o deixara o porteiro, que tornara a sair fechando a porta. 

Assim passaram-se dez minutos; o homem malvestido não parava de escrever. A emoção e o terror de Julien eram tais que lhe parecia estar a ponto de cair. Um filósofo teria dito, talvez enganando-se: é a violenta impressão do feio sobre uma alma destinada a amar o que é belo. 

O homem que escrevia ergueu a cabeça; Julien só se deu conta disso ao cabo de um momento e, mesmo depois de tê-lo visto, permanecia ainda imóvel, como que fulminado pelo olhar terrível de que era o objeto. Os olhos enevoados de Julien distinguiam apenas um rosto comprido e coberto de manchas vermelhas, com exceção da testa, onde se via uma palidez mortal. Entre as bochechas avermelhadas e a testa branca, brilhavam dois pequenos olhos negros feitos para assustar o mais valente. Os vastos contornos dessa testa eram marcados por cabelos espessos, lisos e cor de azeviche. 

– Quer se aproximar, sim ou não?, disse enfim esse homem, com impaciência. 

Julien avançou com um passo inseguro; prestes a cair e pálido como nunca estivera em toda a sua vida, deteve-se a três passos da pequena mesa de madeira coberta de quadradinhos de papel. 

– Mais perto, disse o homem. 

Julien avançou um pouco mais estendendo a mão, como se buscasse apoiar-se em alguma coisa. 

– Seu nome? 

– Julien Sorel. 

– Demorou muito, disse o homem, fixando novamente nele um olhar terrível. 

Julien não pôde suportar esse olhar; estendendo a mão como para firmar-se, caiu de bruços sobre o soalho. 

O homem acionou a campainha. Julien perdera apenas o uso dos olhos e a força para mover-se; ouviu passos que se aproximavam. 

Ergueram-no, colocaram-no sobre o pequeno sofá de madeira. Ele ouviu o homem terrível dizer ao porteiro: 

– Aparentemente sofre de epilepsia, só faltava isso. 

Quando Julien conseguiu abrir os olhos, o homem de cara avermelhada continuava a escrever; o porteiro havia desaparecido. É preciso coragem, disse nosso herói a si mesmo, e sobretudo ocultar o que sinto. Ele sentia um forte enjoo. Se acontece-me um acidente, Deus sabe o que pensarão de mim. Por fim, o homem parou de escrever e, olhando Julien de lado, disse: 

– Está em condições de responder-me? 

– Sim, senhor, disse Julien, com a voz enfraquecida. 

– Ah! Ainda bem. 

O homem erguera-se um pouco e buscava com impa​ciência uma carta na gaveta de sua mesa de pinho, que se abriu com um rangido. Encontrou-a, sentou-se lentamente e olhou novamente para Julien, como quem quisesse arrancar-lhe o pouco de vida que lhe restava. 

– Você foi recomendado pelo sr. Chélan, era o melhor padre da diocese, homem virtuoso como poucos, e meu amigo há trinta anos.

– Ah! É ao sr. Pirard que tenho a honra de falar, disse Julien, com uma voz desfalecida. 

– Aparentemente, replicou o diretor do seminário, olhando-o com ironia. 

Um brilho redobrado faiscou em seus olhos pequenos, acompanhado de um movimento involuntário dos músculos dos cantos da boca. Era a fisionomia do tigre de​gustando antecipadamente o prazer de devorar sua presa. 

– A carta de Chélan é curta, disse ele, como que falando a si mesmo. Intelligenti pauca. Nos tempos que correm, não se poderia ser mais conciso. Leu alto: 

“Envio-lhe Julien Sorel, desta paróquia, que batizei há vinte anos; filho de um carpinteiro rico, mas que nada lhe dá. Julien será um obreiro notável na vinha do Senhor. Não lhe faltam a memória, a inteligência, a reflexão. Sua vocação será duradoura? É sincera?” 

Sincera!, repetiu o abade Pirard, com um ar de espanto e olhando para Julien; mas seu olhar já era menos desprovido de qualquer humanidade; sincera!, repetiu, baixando a voz e retomando a leitura: 

“Peço-lhe para Julien Sorel uma bolsa; ele a merecerá, submetendo-se aos exames necessários. Ensinei-lhe um pouco de teologia, daquela antiga e boa teologia dos Bossuet, dos Arnault, dos Fleury. Se ele não lhe convém, mande-o de volta a mim; o diretor do asilo de mendicidade, que você conhece bem, oferece-lhe 800 francos para ser preceptor de seus filhos. – Minha alma está tranquila, graças a Deus. Acostumo-me ao golpe terrível. Vale et me ama.” 

O abade Pirard, abrandando a voz ao ler a assinatura, pronunciou com um suspiro a palavra Chélan

– Ele está tranquilo, disse; de fato, sua virtude merecia essa recompensa; possa Deus conceder-me o mesmo eventualmente. 

Olhou o céu e fez um sinal da cruz. À visão desse sinal sagrado, Julien sentiu diminuir o horror profundo que o gelara desde sua entrada na casa. 

– Tenho aqui trezentos e vinte e um aspirantes ao mais santo dos estados, disse enfim o abade Pirard, num tom de voz severo, mas não maldoso; apenas sete ou oito me são recomendados por homens como o abade Chélan; assim, entre os trezentos e vinte e um, você será o nono. Mas minha proteção não é nem favor nem fraqueza, é redobramento de cuidados e de severidade contra os ví​cios. Vá fechar aquela porta à chave. 

Julien fez um esforço para andar e conseguiu não cair. Ele notou que uma pequena janela, junto à porta de entrada, dava para o campo. Olhou as árvores; essa visão fez-lhe bem, como se tivesse avistado velhos amigos. 

Loquerisne linguam latinam? (Fala o latim?), perguntou o abade Pirard, quando ele voltava. 

Ita, pater optime (Sim, meu excelente pai), respondeu Julien, voltando um pouco a si. Certamente, na última meia hora, nenhum outro homem do mundo lhe parecia menos excelente do que o sr. Pirard. 

A conversa continuou em latim. A expressão dos olhos do abade suavizava-se; Julien recuperava um certo sangue-frio. Como sou fraco, pensou, em deixar-me impor por essas aparências de virtude! Este homem deve ser simplesmente um tratante como o sr. Maslon; e Julien felicitou-se por ter escondido quase todo o seu dinheiro em suas botas.

O abade Pirard examinou Julien em teologia e ficou surpreso com a extensão de seu saber. Seu espanto aumentou quando o interrogou, em particular, sobre as Sagradas Escrituras. Mas, ao chegar às questões sobre a doutrina dos Padres da Igreja, percebeu que Julien praticamente ignorava até os nomes de São Jerônimo, de Santo Agostinho, de São Boaventura, de São Basílio etc. 

Na verdade, pensou o abade Pirard, eis aí aquela tendência fatal ao protestantismo que sempre reprovei em Chélan. Um conhecimento aprofundado, aprofundado demais, das Sagradas Escrituras. 

(Julien acabava de lhe falar, sem ser interrogado a esse respeito, da época verdadeira em que haviam sido escritos o Gênesis, o Pentateuco etc.) 

Aonde leva esse raciocínio infinito sobre as Sagradas Escrituras, pensou o abade Pirard, senão ao exame pessoal, isto é, ao mais terrível protestantismo? E, ao lado dessa ciência imprudente, nada sobre os padres da Igreja que possa compensar tal tendência. 

Mas o espanto do diretor do seminário não teve mais limites quando, ao interrogar Julien sobre a autoridade do Papa, e esperando as máximas da antiga Igreja galicana, o jovem recitou-lhe todo o livro do sr. de Maistre. 

Homem singular esse Chélan, pensou o abade Pirard; mostrou-lhe esse livro para ensiná-lo a zombar dele? 

Em vão interrogou Julien para tentar adivinhar se ele acreditava seriamente na doutrina do sr. de Maistre. O jovem respondia apenas com sua memória. A partir desse momento, Julien conduziu-se realmente muito bem, ele sentia que era senhor de si. Depois de um exame muito longo, pareceu-lhe que a severidade do sr. Pirard para com ele era apenas fingida. De fato, sem os princípios de gravidade austera que se impusera, há quinze anos, para com seus alunos em teologia, o diretor do seminário teria abraçado Julien em nome da lógica, tamanhas a clareza, a precisão e a nitidez que via em suas respostas. 

Eis um espírito ousado e sadio, ele pensava, mas corpus debile (o corpo é fraco). 

– Cai assim com frequência?, perguntou a Julien em francês, apontando o soalho com o dedo. 

– Foi a primeira vez em minha vida, a cara do porteiro assustou-me, acrescentou Julien, corando feito uma criança. 

O abade Pirard quase sorriu. 

– Eis o efeito das pompas vãs do mundo; está acostumado a rostos risonhos, verdadeiros teatros da mentira. A verdade é austera, senhor. Mas acaso nossa tarefa neste mundo não é também austera? Será preciso zelar para que sua consciência mantenha-se em guarda contra essa fraqueza: Sensibilidade em excesso às graças vãs do exterior. 

Se não me tivesse sido recomendado, disse o abade Pirard, retomando com visível prazer a língua latina, se não me tivesse sido recomendado por um homem como o abade Chélan, eu lhe falaria na vã linguagem deste mundo à qual parece estar muito acostumado. A bolsa integral que solicita, eu lhe direi que é a coisa do mundo mais difícil de obter. Mas o abade Chélan mereceria muito pouco, por cinquenta e seis anos de trabalhos apostólicos, se não pudesse dispor de uma bolsa no seminário. 

Depois dessas palavras, o abade Pirard recomendou a Julien não entrar em nenhuma sociedade ou congregação sem seu consentimento.

– Dou-lhe minha palavra de honra, disse Julien, com o desafogo de um homem educado. 

O diretor do seminário sorriu pela primeira vez. 

– Essa expressão não é adequada aqui, ele disse; lembra demais a honra vã das pessoas mundanas que as conduz a tantas faltas e com frequência ao crime. Você deve-me a santa obediência em virtude do parágrafo dezessete da bula Unam Ecclesiam do santo Pio V . Sou seu superior eclesiástico. Nesta casa, ouvir, meu caríssimo filho, é obedecer. Quanto dinheiro tem? 

Chegamos ao ponto, pensou Julien, era para isso o caríssimo filho. 

– Trinta e cinco francos, meu pai. 

– Escreva cuidadosamente o emprego desse dinheiro; terá que prestar contas dele. 

Essa penosa sessão havia durado três horas. O porteiro foi chamado. 

– Vá instalar Julien Sorel na cela no 103, disse o abade Pirard a esse homem. 

Por uma grande distinção, ele concedia a Julien um alojamento separado. 

Julien baixou os olhos e reconheceu seus pertences diante dele; olhava-os há três horas e não os reconhecera. 

Ao chegar ao no 103, viu que era um quartinho de quatro metros quadrados, no último andar da casa. Julien notou que ele dava para as muralhas, avistando-se mais além a bela planície que o Doubs separa da cidade. 

– Que vista encantadora!, exclamou Julien; ao falar-se assim não sentia o que essas palavras exprimiam. As sensações violentas que experimentara durante o pouco tempo em que estava em Besançon haviam exaurido inteiramente suas forças. Sentou-se perto da janela na única cadeira de madeira existente na cela e logo caiu num sono profundo. Não ouviu a sineta do jantar nem a do ofício noturno; ha​viam-no esquecido. 

Quando os primeiros raios do sol o despertaram na manhã seguinte, viu-se deitado sobre o soalho.



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ADVERTÊNCIA DO EDITOR

Esta obra estava prestes a ser publicada quando os grandes acontecimentos de julho [de 1830] vieram dar a todos os espíritos uma direção pouco favorável aos jogos da imaginação. Temos motivos para acreditar que as páginas seguintes foram escritas em 1827.


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Henri-Marie Beyle, mais conhecido como Stendhal (Grenoble, 23 de janeiro de 1783 — Paris, 23 de março de 1842) foi um escritor francês reputado pela fineza na análise dos sentimentos de seus personagens e por seu estilo deliberadamente seco.


Órfão de mãe desde 1789, criou-se entre seu pai e sua tia. Rejeitou as virtudes monárquicas e religiosas que lhe inculcaram e expressou cedo a vontade de fugir de sua cidade natal. Abertamente republicano, acolheu com entusiasmo a execução do rei e celebrou inclusive a breve detenção de seu pai. A partir de 1796 foi aluno da Escola central de Grenoble e em 1799 conseguiu o primeiro prêmio de matemática. Viajou a Paris para ingressar na Escola Politécnica, mas adoeceu e não pôde se apresentar à prova de acesso. Graças a Pierre Daru, um parente longínquo que se converteria em seu protetor, começou a trabalhar no ministério de Guerra.

Enviado pelo exército como ajudante do general Michaud, em 1800 descobriu a Itália, país que tomou como sua pátria de escolha. Desenganado da vida militar, abandonou o exército em 1801. Entre os salões e teatros parisienses, sempre apaixonado de uma mulher diferente, começou (sem sucesso) a cultivar ambições literárias. Em precária situação econômica, Daru lhe conseguiu um novo posto como intendente militar em Brunswick, destino em que permaneceu entre 1806 e 1808. Admirador incondicional de Napoleão, exerceu diversos cargos oficiais e participou nas campanhas imperiais. Em 1814, após queda do corso, se exilou na Itália, fixou sua residência em Milão e efetuou várias viagens pela península italiana. Publicou seus primeiros livros de crítica de arte sob o pseudônimo de L. A. C. Bombet, e em 1817 apareceu Roma, Nápoles e Florença, um ensaio mais original, onde mistura a crítica com recordações pessoais, no que utilizou por primeira vez o pseudônimo de Stendhal. O governo austríaco lhe acusou de apoiar o movimento independentista italiano, pelo que abandonou Milão em 1821, passou por Londres e se instalou de novo em Paris, quando terminou a perseguição aos aliados de Napoleão.

"Dandy" afamado, frequentava os salões de maneira assídua, enquanto sobrevivia com os rendimentos obtidos com as suas colaborações em algumas revistas literárias inglesas. Em 1822 publicou Sobre o amor, ensaio baseado em boa parte nas suas próprias experiências e no qual exprimia ideias bastante avançadas; destaca a sua teoria da cristalização, processo pelo que o espírito, adaptando a realidade aos seus desejos, cobre de perfeições o objeto do desejo.

Estabeleceu o seu renome de escritor graças à Vida de Rossini e às duas partes de seu Racine e Shakespeare, autêntico manifesto do romantismo. Depois de uma relação sentimental com a atriz Clémentine Curial, que durou até 1826, empreendeu novas viagens ao Reino Unido e Itália e redigiu a sua primeira novela, Armance. Em 1828, sem dinheiro nem sucesso literário, solicitou um posto na Biblioteca Real, que não lhe foi concedido; afundado numa péssima situação económica, a morte do conde de Daru, no ano seguinte, afetou-o particularmente. Superou este período difícil graças aos cargos de cônsul que obteve primeiro em Trieste e mais tarde em Civitavecchia, enquanto se entregava sem reservas à literatura.

Em 1830 aparece sua primeira obra-prima: O Vermelho e o Negro, uma crónica analítica da sociedade francesa na época da Restauração, na qual Stendhal representou as ambições da sua época e as contradições da emergente sociedade de classes, destacando sobretudo a análise psicológica das personagens e o estilo direto e objetivo da narração. Em 1839 publicou A Cartuxa de Parma, muito mais novelesca do que a sua obra anterior, que escreveu em apenas dois meses e que por sua espontaneidade constitui uma confissão poética extraordinariamente sincera, ainda que só tivesse recebido o elogio de Honoré de Balzac.

Ambas são novelas de aprendizagem e partilham rasgos românticos e realistas; nelas aparece um novo tipo de herói, tipicamente moderno, caracterizado pelo seu isolamento da sociedade e o seu confronto com as suas convenções e ideais, no que muito possivelmente se reflete em parte a personalidade do próprio Stendhal.

Outra importante obra de Stendhal é Napoleão, na qual o escritor narra momentos importantes da vida do grande general Bonaparte. Como o próprio Stendhal descreve no início deste livro, havia na época (1837) uma carência de registos referentes ao período da carreira militar de Napoleão, sobretudo a sua atuação nas várias batalhas na Itália. Dessa forma, e também porque Stendhal era um admirador incondicional do corso, a obra prioriza a emergência de Bonaparte no cenário militar, entre os anos de 1796 e 1797 nas batalhas italianas. Declarou, certa vez, que não considerava morrer na rua algo indigno e, curiosamente, faleceu de um ataque de apoplexia, na rua, sem concluir a sua última obra, Lamiel, que foi publicada muito depois da sua morte.

O reconhecimento da obra de Stendhal, como ele mesmo previu, só se iniciou cerca de cinquenta anos após sua morte, ocorrida em 1842, na cidade de Paris.



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Leia também:

Stendhal - O Vermelho e o Negro: O Primeiro Adjunto (XVII)
Stendhal - O Vermelho e o Negro: Um Rei em Verrières (XVIII)
Stendhal - O Vermelho e o Negro: Pensar faz sofrer (XIX)
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