segunda-feira, 27 de julho de 2020

Edgar Allan Poe - Contos: Aventuras de Arthur Gordon Pym: 15 — As Ilhas que não se encontram

Edgar Allan Poe - Contos




Aventuras de Arthur Gordon Pym 
Título original: Narrative of A. G. Pym 
Publicado em 1837





15 — As Ilhas que não se encontram




No dia 12 partimos de Christmas Harbour, retomando a rota de Oeste e deixando para bombordo a ilha Marion, uma das principais do arquipélago Crozet. A seguir, passamos pela ilha do Príncipe Eduardo, que também deixamos para a nossa esquerda e, depois, navegando mais para norte, atingimos passados quinze dias as ilhas de Tristão da Cunha, situadas a 37° 8’ de latitude Sul e 12° 8’ de longitude Oeste. 

Este arquipélago, hoje tão bem conhecido, constituído por três ilhas circulares, foi descoberto pelos portugueses e posteriormente visitado pelos holandeses em 1643 e pelos franceses em 1767. As três ilhas formam um triângulo entre si e distam umas das outras cerca de dez milhas, existindo, assim, largas passagens entre elas. Em todas, a costa é muito alta, especialmente na ilha de Tristão da Cunha, propriamente dita, que é a maior do grupo com 15 milhas de circunferência e que é tão alta que, com bom tempo, se avista a uma distância de 80 ou 90 milhas. Uma parte da costa, do lado norte, eleva-se perpendicularmente em relação ao mar a uma altura de 1000 pés. No cimo existe um planalto que se estende até ao centro da ilha e nesse planalto ergue-se um cone semelhante ao pico de Tenerife. A metade inferior do cone está revestida de árvores grandes, mas a região superior é uma rocha nua, habitualmente escondida pelas nuvens e coberta de neve durante grande parte do ano. Nas proximidades da ilha não há nem baixios nem perigos de qualquer outra espécie; as costas são extraordinariamente límpidas e recortadas, e as águas profundas. Na costa Noroeste existe uma baía, com uma praia de areia negra, onde um bote pode atracar facilmente, desde que seja impelido por vento do Sul. Encontra-se facilmente água em abundância e pode-se pescar com anzol ou à linha o bacalhau e outras espécies de peixe.

A segunda ilha em tamanho e a mais ocidental do grupo chama-se Inacessível. A sua posição exata é 37° 7’ de latitude Sul e 12° 24’ de longitude Oeste. Tem 7 a 8 milhas de circunferência e a sua costa é toda semelhante a uma muralha a pique. O topo é plano e toda a ilha é estéril, nada aí crescendo, exceto alguns arbustos enfezados.

A ilha Nightingale, a mais pequena e a mais ao Sul, situa-se a 37 26’ de latitude Sul e 12° 12’ de longitude Oeste. Ao largo da sua extremidade sul encontra-se um recife bastante elevado formado por pequenas ilhotas rochosas, vendo-se também algumas semelhantes a Nordeste. A terra é estéril e irregular e a ilha é cortada por um profundo vale.

Na época própria, abundam nas costas destas ilhas leões-marinhos, elefantes marinhos, focas e aves marinhas de toda a espécie. A baleia também aparece com frequência nesta zona. A facilidade com que, outrora, se apanhavam todos estes animais, fez com que o arquipélago fosse muito visitado desde a sua descoberta. Os holandeses e os franceses ali afluíam frequentemente desde muito cedo. Em 1790, o capitão Patten, comandante do navio Industry, de Filadélfia, fez uma viagem a Tristão da Cunha, onde permaneceu sete meses (de agosto de 1790 até abril de 1791) para recolher peles de focas. Durante este período, arranjou nada menos do que cinco mil e seiscentas e afirmou que não teria tido dificuldade em arranjar, em três semanas um carregamento de óleo para um navio de grande tonelagem. Ao chegar, não encontrou quadrúpedes, exceto algumas cabras selvagens; hoje, existem na ilha quase todos os nossos animais domésticos que ali foram introduzidos pelos navegadores.

Julgo que foi pouco depois da expedição do capitão Patten, que o capitão Colquhoun, comandante do brigue americano Betsey, acostou à maior das ilhas para se reabastecer. Plantou cebolas, batatas, couves e muitos outros legumes que ainda hoje ali se encontram em abundância.

Em 1811, um tal capitão Hey Wood, comandante do Nereus, visitou Tristão da Cunha, onde encontrou três americanos, que tinham ficado na ilha para preparar o óleo e as peles de focas. Um desses homens chamava-se Jonathan Lambert e intitulava-se soberano da ilha. Tinha desbravado e cultivado cerca de sessenta acres de terra e estava empenhado em introduzir a cultura do café e da cana-de-açúcar, que lhe tinham sido fornecidos pelo embaixador americano no Rio de Janeiro. No entanto, as ilhas acabaram por ser abandonadas e, em 1817, o governo inglês enviou um destacamento ido do cabo da Boa Esperança, para tomar posse das ilhas. Entretanto, estes novos colonos não permaneceram lá durante muito tempo, embora, depois da evacuação das ilhas pelas forças britânicas, duas ou três famílias inglesas ali tivessem fixado residência sem qualquer auxílio do governo.

A 25 de março de 1824, o Berwick, comandado pelo capitão Jeffrey, saldo de Londres com destino à terra de Van-Diémen, atracou à ilha, onde encontrou um inglês chamado Glass, antigo cabo da artilharia inglesa. Arrogava-se o título de governador supremo das ilhas e tinha sob o seu controle vinte e um homens e três mulheres. Fez uma descrição muito favorável da salubridade do clima e da natureza fértil do solo. A reduzida população ocupava-se principalmente na recolha de peles de foca e de óleo de elefantes marinhos, produtos que comerciava com o cabo da Boa Esperança, pois Glass era dono de uma pequena escuna. Quando nós lá chegamos, o governador ainda existia, mas a pequena comunidade tinha-se multiplicado: havia sessenta e cinco indivíduos na Tristão da Cunha, sem contar com uma colônia secundária de sete pessoas na ilha Nightingale. Não tivemos qualquer dificuldade em nos reabastecermos, pois os carneiros, os porcos, os bois, os coelhos, a criação, as cabras e peixes de várias espécies, além dos legumes, ali existiam em grande quantidade. Lançamos a âncora perto da ilha maior, sobre dezoito braças de água e levamos para bordo tudo o que necessitávamos. O capitão Guy comprou também a Glass peles de foca e uma certa quantidade de marfim. Permanecemos na zona uma semana, durante a qual os ventos sopraram sempre de Nordeste e o tempo esteve relativamente encoberto. No dia 5 de dezembro singramos para Sudoeste para fazer uma exploração a um certo grupo de ilhas chamadas Auroras, sobre cuja existência se debatem as mais variadas opiniões.

Pretende-se que estas ilhas foram descobertas em 1762 pelo comandante do navio de três mastros Aurora. Em 1790 o capitão Manuel de Oy arvido, comandante do navio de três mastros Princess, pertencente à Companhia Real das Filipinas, afirma ter passado pelas ilhas. Em 1794, a corveta espanhola Atrevida, fez-se ao mar com o objetivo de verificar a sua posição exata e, num memorial publicado pela Real Sociedade Hidrográfica de Madrid em 1809, falasse desta exploração nos seguintes termos:

« A corveta Atrevida fez, de 21 a 27 de janeiro, nas proximidades destas ilhas, todas as observações necessárias e mediu com cronômetros a diferença de longitude entre estas ilhas e o porto de Soledad nas Malvinas. São três, quase todas situadas no mesmo meridiano, a do centro um pouco mais abaixo, e as outras duas são visíveis a nove léguas de distância.»

As observações feitas a bordo da Atrevida fornecem os seguintes resultados no que diz respeito à localização exata de cada ilha: a mais meridional está situada a 52° 37’ 24” de latitude Sul e 47° 43’ 15” de longitude Oeste; a do meio a 53° 2’ 40’ de latitude Sul e 47° 55’ 22” de longitude Oeste; por fim, a mais setentrional encontra-se a 53° 15’ 22” de latitude Sul e a 47° 57’ 15” de longitude Oeste.

No dia 27 de janeiro de 1820, o capitão James Weddell, da marinha inglesa, partiu de Staten-Land à descoberta das Auroras. No seu relatório afirma que, embora tivesse feito as mais minuciosas pesquisas e tivesse passado não só nos pontos exatos indicados pelo comandante da Atrevida, mas ainda também nas suas proximidades e em todos os sentidos, não conseguiu encontrar o menor indício de terra. Estes relatórios contraditórios incitaram outros navegadores a procurar as ilhas e, por mais estranho que pareça, enquanto uns sulcam o mar em todas as direções no sítio indicado, sem as encontrar, outros e são numerosos, declaram que as viram e até que estiveram nas suas proximidades. O capitão Guy tencionava fazer os esforços para resolver uma questão tão estranhamente controversa como esta.

Continuamos a nossa rota para Sul e para Oeste com tempos variáveis, até ao dia 20 do mesmo mês, data em que nos encontramos, por fim, no local discutido, a 52° 15’ de latitude Sul e a 47° 58’ de longitude Oeste, isto é, quase no sítio designado como a posição da ilha mais meridional do grupo. Como não avistamos sinais de terra, continuamos para Oeste a 53° de latitude Sul até 50 de longitude Oeste. Então, dirigi-mo-nos para Norte até ao paralelo 52 de latitude Sul; depois viramos para leste e mantive-mo-nos no mesmo paralelo, por altura dupla, de manhã à noite, e pelas alturas meridianas dos planetas e da lua. Tendo assim avançado para Leste até à costa Oeste da Geórgia, seguimos este meridiano até atingirmos a latitude de onde tínhamos partido. Fizemos então várias diagonais através de toda a extensão de mar circunscrita, mantendo permanentemente um vigia no cimo do mastro, e repetindo cuidadosamente o nosso exame durante três semanas, no decorrer das quais o tempo se manteve sempre agradável e sem nuvens.
Assim, ficamos plenamente convencidos que, se aquelas ilhas alguma vez tinham existido, agora já não havia qualquer vestígio delas.  Depois do meu regresso, soube que o mesmo percurso foi cuidadosamente seguido em 1822 pelo capitão Johnson da escuna americana Wasp, mas com o mesmo resultado que nós.




continua na página 225...

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Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, Massachusetts, Estados Unidos, 19 de Janeiro de 1809 — Baltimore, Maryland, Estados Unidos, 7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário estadunidense, integrante do movimento romântico estadunidense. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos e é geralmente considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por sua contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido por tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difíceis.

Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado. Depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).

Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova Iorque. Em Baltimore, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém, em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu antes que pudesse ser produzido. A causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças cardiovasculares, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.

Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.


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Edgar Allan Poe

CONTOS

Originalmente publicados entre 1831 e 1849 



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