sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Éle Semog (Brasil)

Poetas Negros (1)



Eu e o não eu


Eu nessa minha parcimônia,
vestida com escancarada elegância,
jamais hei de ocultar tão evidentes,
a tribo, o atabaque, o axé,
o orixá, o ori, o ancestral.

Eu e a minha carapinha cheia de bochicho,
minha erva de guiné, minha aroeira,
meu samba no pé e outras literaturas.

Eu nessa parcimônia vestida com toda a vida
e seus acontecimentos,
nem só por um momento quero me perder dessa cor.

O não eu, o outro. Tão fino, tão delicado,
chega a me deixar tonto, encabulado,
com seu vampirismo, seus diabos, suas taras...

Tão racional e exótico nas cerimônias,
esse outro, estranho outro,
faz buracos no céu da Terra,
sente prazer, se lambuza com as guerras,
pensa que respirar é um estorvo,
prende os gestos ao corpo, e berra, e berra, e berra.
Tudo por falta de melanina.




Cruz e Sousa (Brasil)



Afra


Ressurges dos mistérios da luxúria,
Afra, tentada pelos verdes pomos,
Entre os silfos magnéticos e os gnomos
Maravilhosos da paixão purpúrea.

Carne explosiva em pólvoras e fúria
De desejos pagãos, por entre assomos
Da virgindade--casquinantes momos
Rindo da carne já votada a incúria.

Votada cedo ao lânguido abandono,
Aos mórbidos delíquios como ao sono,
Do gozo haurindo os venenosos sucos.

Sonho-te a deusa das lascivas pompas,
A proclamar, impávida, por trompas,
Amores mais estéreis que os eunucos!






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