quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

histórias de avoinha: a terra negra de ossadas brancas

mulheres descalças


a terra negra de ossadas brancas 
Ensaio 112B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar




a vozearia qui se cruzava num parava a villa, nada parava a villa enquanto os dono de tudo num dá a ordem pra pará. a villa tava do seu jeito mais agitado e com seu medo mais alvoroçado, num estancava o desacerto, nem fazia sumí o medo, era mais fácil apagá o sol ou pará a chuva

o abicu junto da liberata perdeu das própria vista o pretu escorrendo da vida de escravizado. oiô na direção dieu cobiçando socorro. eu num tinha salvamento pra dá. os abicu num socorre como é de se pensá, nóis gosta de contá e guiá os passo qui qué se guiado. lembrei ele pra cuidá de oiá daonde vem os grito, Agarra o negro! Não larga! Negro sem-vergonha! Vamos fazer justiça! Vagabundo! Inútil! Bandido! Enforca! Justiça!

os cão da rua, o rabo de tatu, as bengala, as meia de seda, os grito, o gênio civilizadô, a cruiz, o medo, tudo no alcance do uso era usado como arma. os latido e os badalo do sino anunciava salvação da villa e o recoimento do pretu

oiei prus quatro qui num parava as conversa e os entendimento do meió pra villa, mais tumbém num deixava de oiá pru rumo da vozearia

Precisamos de mais armas para os cidadãos do bem.

Isso, Maneco.

essa conversa das arma e da escravidão é assunto qui junta as vontade numa só vontade, num tem trégua nem sossego, nem liberdade, nem paciência, só o cativêro du pretu podia acalmá aquele desacerto

Concordo, está bem... mas os três precisam entender que a nossa riqueza...

A nossa riqueza e o nosso jeito de viver não estão em discussão, Juca!

Mas a cada dia dependemos de mais soldados revestidos de couraça e com a ideia fixa de tomar pé na terra ou morrer pelo imperador. Isso tudo tem um custo muito grande!

E adivinhem quem paga essa conta?

Tudo em nome da nossa raça civilizada.

É isso ou perder o que já conquistamos!

Para quem?

os quatro fez silêncio, parecia tê medo da resposta

Para o demônio e a negrada!

A negrada?

Deus do céu!

os quatro fez o siná da cruiz na testa, na queixada e no peito, resmungando dum jeito qui só deus branco pra entendê

Seriam noites de terror, luto, dores e desespero. Uma história de negros no comando da Villa e seríamos tristes e infelizes para sempre.

Meu Deus! Livrai-nos!

A negrada é terrivelmente contrária à vida humana, iriam nos massacrar como feras. Acabariam as artes e as ciências na Villa. Eles são a parte do mundo com devoção e fé em deuses irados e malditos.

Meus Deus... que desalento!

Estão condenados à cegueira! Blasfemam numa língua que não é língua! São feras famintas por carne humana!

Atormentariam a Villa de luto com seus ídolos de terror e medo.

Meu Deus! Não permitais!

Ídolos de barro, madeira, marfim, ídolos da floresta virgem, espantalhos do demônio. Nossa amada e valorosa Villa se tornaria um cemitério de condenados e infelizes, túmulo para todos os miseráveis!

Meu Deus! Salvai-nos!

tava criada a imagem das treva, um lugá da terra feito tristeza vestida de preto com feitiço pru mal

Tudo tem um custo...

Perfeito, senhor Juca, o viajadô sabia agradá com as palavra e convencê as palavra, sabia anunciá o medo e a valentia, e se necessário for iremos cobrir a terra negra de ossadas brancas. Essa é uma luta do homem civilizador contra o bárbaro africano. Ao nosso lado o poder divino a nos defender das tribos infelizes e deformadas.

o sol iluminava os quatro em cheio, eles parecia sê amarelo com tanta luz, nem branco ou pretu... amarelo. mais uqui destacava era a sombra qui eles abria na sua volta. tem gente qui é assim, num consegue sê maió qui suas própria sombra, otros nem sombra consegue tê. nesse mundo tem gente pra todo gosto, mais o meu desgosto é vê gente qui é só sombra

Se o amigo Domingos Jorge me permite dizer... vosmecê é um herói!

Concordo, Maneco. O homem se parece com o nosso caramuru.

é curioso, é triste, é doloroso vê a maldade tê elogio, encontrá espaço livre e desocupado pra sê um rio de crueldade qui guia pra escuridão

Agradeço a distinção, mas os cavalheiros precisam entender que estamos em meio uma guerra civilizatória. E precisamos sobreviver em terras inóspitas, animais ferozes e ao negro, pavorosamente negro! É preciso pensar no seu aniquilamento!

os trêis se oiô assustado com a força daquelas palavra, tudo ficô em silêncio, inté a vozearia ficô longe, quase um murmúrio. e o juca, de novo, foi quem desmanchô o susto, Mas onde iremos buscar escravos?

Bem pensado, Juca. Com o desaparecimento dos negros quem irá trabalhar? Eu sei que eles não têm capricho, mas sem a negrada vamos todos afundar.

o caramuru das sombra tava com a resposta na boca, parecia qui já tinha tudo medido

Uma negra forte pode parir uma vez por ano. Imagine uma fazenda com negras reprodutoras, um ou dois negros muito bem escolhidos fazendo a cobertura. Aposto que eles gostariam da incumbência. E aposto mais, não teríamos mais os negros fujões. A ideia não é matar, mas criar os bicho como bicho. Um que outro até pode virar da vossa estimação.

Mas toda criação demora para crescer e dar frutos...

as resposta já tava pronta, desde muntu tempo elas tava pensada esperando a purugunta certa, E quem disse que precisamos esperar a molecada crescer? O gosto pelo trabalho começa cedo. É de pequeno que se entorta o pepino.

a gurizada gritava tê visto tudo, O negro fugitivo foi agarrado, lá pelos lado das terras alagadas, tumbém era dito qui ele foi avistado tentando forçá a entrada em casa de família, otras notícia dava conta qui o pretu foi arrancado justo quando se preparava pra agarrá uma pobre moça, mais teve quem jurava qui viu ele miseriando com jeito disfarçado de mendigo

o abicu da liberata qui se perdeu com as vista, agora se guiava pela gritaria, Negrinho atrevido! Deixa eu cuspir no negro!

as mãe num conseguia segurá os fiu em casa. os piá queria tá na caçada com a tropa do moringue. um comboio de gente qui só obedecia uma ordem dada aos grito, Agarrem o fugitivo! Não soltem!

um chamava otro pra cercá, acuá, cuspí, jogá terra. na villa do ódio tudo é ensinado desde piquininino. assim, os muriquinhu branquinho aprende desgostá da vida pra gostá da morte. cresce creditando qui matá vai fazê eles vivê meió, a vida qui importa é só a vida deles: a truculência e o vulcão das vaidade qui aprendeu carregá no peito já muriquinhu. eles cresce gostando da vida com maldade, egoísmo e preguiça

Pegaram! Pegaram!

os quatro qui conversava num chorava, nehum tinha um ôio pra tanta frescura, era pedí muntu prus ôio deles. eles sorria e se oiava, mais com calma. afinal, sê fidalgo, mesmo num sendo mais qui comerciante, é sonho de todo vilêro. e pra sê oiado como fidalgo, veja bem, só pra sê oiado, é preciso aparentá gentileza, dignidade, fingí atenção, simulá educação, a única coisa qui num precisa fazê de conta é tê vontade pru trabáio, isso a fidalguia num tem, mais eles gosta muntu de fazê os villêro trabaiá pra eles. a vida qui os fidalgo tem e num vai deixá de querê tê precisa do trabáio dos escravizado inté a morte

No trapiche!!!

as duas muié preta se oiava, cada uma tinha um ôio qui chorava, elas tava decidida qui chorava com um ôio e num chorava com o otro ôio. é preciso vivê e querê oiá otro feitio de vivê pra num chorá. é preciso achá otra vida, só chorá num vai ajudá fazê essa otra vida vivê

Onde, abicu?!

os pé dos villêro chacoaiava o tabulêro, elas num conseguia rezá nem chamá cavalaria, num conseguia creditá nas coisa acontecida

mais pra cima, os quatro oiava a paisagem truncada dos grito, das correria, das reza, tudo eles oiava com riso nas boca, desses rido qui só espera o despecho pra virá risada, um riso qui ainda num tá pronto

Perguntem ao criolo fujão...

os trêis villêro se voltô pru viajadô das terra dumbigo, mais foi o juca qui levantô a voz do chão

Perguntar o quê, senhor Domingos?

o fidalgo das matança desviô as vista da perseguição, oiô os trêis, um a um, qui no seu modo de vê, é gente boa qui a villa precisa dá relevância e preço, tudo tem preço, Meus amigos, a Villa precisa dos três para ser ainda melhor; e vocês três também precisam da Villa, tenham calma. Ela lhes promete honras e riquezas, mas cuidado com o preço crescente do negro, e acima de tudo, não perdoem as fugas!

Qual é a pergunta, senhor Domingos Jorge?

ele respondeu misturando sorriso, divertimento, deboche com as palavra

Perguntem ao criolo fujão se ele quer morrer tranquilamente escravizado ou em algum tumbeiro cheio de negros afundando...




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