domingo, 30 de maio de 2021

mulheres descalças: o café esfriou

 mulheres descalças



o café esfriou
Ensaio 102Ba1 – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



todo começo da manhã, dia com sol ou chuva, ventania do minuano ou quentura mormacenta, tinha um caso novo prus trêis palavreá – mais um quarto vivente da gente do bem que sempre chegava depois do café e dos assunto tá servido – na taberna do café e leite inté as metade das manhã, depois o bolicho tomava conta, as cachaça começava sê água benta usada como iguaria à mesa enquanto uspretu era descido do pelôrinho, tumbém servido como iguaria e entretenimento na vida costumêra e ajustada aos afazeres da villa, todo começo de dia ensolarado, nuviado ou mormacento, gelado ou calorento, foi igual ano depois de ano

Maneco, vosmecê viu a correria na praça?

a prugunta fez usdois sentado à mesa voltá as vista pru dono da casa das bebida quente e fria, tava vestido com sua armadura branca qui usava amarrada na cintura, ainda cuas mancha duso dias antes

E correria na praça tem novidade? Tem para todos os gostos. Já teve negro enfiado na canga, já teve acorrentado pelo pescoço, puxado, empurrado, enforcado, arranhado ou esfolado, tudo com cabelo duro, espetado ou raspado. O que não falta é rastro de suor e sangue.

Não se tem sossego...

No fim de tudo, é a polícia pública que corre atrás ou serviço é feito pela gente de bem na Villa. 

Negro fujão precisa ser preso.

Isso mesmo...

Boa vontade se paga com boa vontade, ingratidão se paga com canga e um bom corretivo no pelourinho, Juca.

as vontade duódio parecia qui se resistia mais e mais, dia depois do dia, ali na praça, na villa toda, nas casa e nas cama do nascimento inté morrê

Acho que quando chega nestes termos, uotro sentado pru café parecia muntu na sua vontade entre os grito de justiçamento qui brotava devagarzinho, o ajuntamento tinha começado sem pressa, é preciso um castigo exemplar. Só assim se vai desencorajar outras rebeldias.

Isso vai longe.

Tenho minhas dúvidas, acho que colocam as mãos no negrinho antes da metade do dia.

Hum... tenho cá... minhas dúvidas...

usdois resolveu num retrucá, as vista continuô na praça depois do sinal da cruz feito, a manda tava se ajuntando, corria prum lado e otro pra tê o meió lugá divê, assumbiava febrenta, a villa parecia tá só limpado a garganta seca com tanta babação e usóio esbugaiado, num tem ninguém ali qui se importa cuas injustiça, esquecidos e injustiçados fazendo injustiça cuas mão própria de tanto comê pirão frio, morrê ou mata passô num tê importância

Isso tudo não faz crescer o entusiasmo por esse lugar esquecido do Império. É fácil aprender a viver...

Ou morrer...

Acredito que o destino de cada um já está tramado, o cafetêro pegô com as duas mão a ponta da armadura de linho manchada... e secô a testa, mais um pão com linguiça?

Pode trazer, essa correria toda me abre o apetite...

Amém, e sem combinação ou intenção de fazê junto, usdois ergueu as taça do café e leite, um contentamento qui dava pra vê, qui se vê, um nó cego na obediência dócil da vontade qui num vê pruqui num qué vê, uma fascinação alucinada, tudo quié contrário num pode existí, villêro num consegue se controlá do costume disê infeliz, é só deixá eles falá e sabê escutá

É... começou mais cedo... antes, bem antes do café esfriar, continuô o joca dos lampião

Vagabundo demais e polícia pública de menos, reclamô maneco coxa, desse jeito a praça não consegue se acomodar.

O mesmo assunto todos os dias, já está ficando chato.

Hum... cansativo...? O movimento é bom, às vezes, um pouco exagerado, mas é só sentar e observar. Olha lá, viu? A praça está sempre se mexendo.

Principalmente, as negrinhas... não é? Seu manco desavergonhado...

Eita gingado do demônio, é muita provocação... não tem santo que resista...

Calma, Maneco... e a linguiça...

o cafetêro num se apressô respondê

O que me incomoda aqui na botica é ver a mendicância que continua aumentando. Entram sem pedir licença e a cachorrada entra junto, o palavreado parô, a luz alaranjada se mostrô nos telhado e na praça, tingindo as ruas sem querê sabê e sem pruguntá se podia subí, dá nojo andar nas ruas... o movimento está fraco. As pessoas de bem da Villa parecem com medo de caminhar nas ruas, a claridade alaranjada do sol nas água do rio fez a botica toda silenciá, só a beleza talentosa do mundo faz as boca dubem emudecê, num muda curação nenhum, mais consegue um trégua, tumbém num dura muntu mais qui uma piscadela suspensa

Para acabar com esse medo não tem solução outra, meu amigo. O pecado é juntar no mesmo cesto do negrinho bom os negrinhos já estragados com a rebeldia no sangue. É preciso separar e fazer os ruins sangrarem marcando com ferro e fogo.

Tem que existir um jeito seguro de separar no nascedouro os negrinhos azedos e mimados do negrinho respeitoso e trabalhador.

Concordo, meu amigo, palavreô maneco coxa, batendo com a mão pesada na mesa, isso seria de muita utilidade para prevenir problemas futuros.

Eu não ajudo mendicância. Não tem como separar quem precisa realmente e crioulo vagabundo que não quer trabalhar de teimoso e preguiçoso. Tem que ter um jeito de separar o negro bom da crioulada ruim.

Na virada... toda ajuda eles trocam por cachaça.

Eu ajudo, vez que outra. Mas é ajuda tipo um pouquinho de cada vez... para não acostumar o coitado mal.

otra calação das boca, desta veiz pra recebê o augusto torto

Então, perdi alguma coisa?

Ora, ora... Augusto. Nada diferente de ontem ou amanhã... mas o café esfriou...

e o dia num tinha esquentado ainda


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é bão lê, tumbém... sequisé:

histórias de avoinha: Sinto-me tão só
histórias de avoinha: um império invisível
histórias de avoinha: uma sombra sem corpo não cruza as pernas
histórias de avoinha: Bagaço hipócrita!
histórias de avoinha: a vaga de marido
histórias de avoinha: a lua na escuridão
histórias de avoinha: chegô no piano
histórias de avoinha: o silêncio no brejo dos pensamento
histórias de avoinha: borboleta preta
histórias de avoinha: Obrigada, Açunta!
histórias de avoinha: ôum velório de vida
histórias de avoinha: o feitiço das trança
histórias de avoinha: o siô ajeitado e as duas miúda
histórias de avoinha: Simão
mulheres descalças: é mansa...
mulheres descalças: Mas você devia!
mulheres descalças: Dez sacas, o amigo concorda?
mulheres descalças: café ralo e mandioca cuzida
mulheres descalças: o descuido da miúda
mulheres descalças: a traste
mulheres descalças: até quando
mulheres descalças: uma sombra silenciosa
mulheres descalças: a perigosa é ela
mulheres descalças: uma resposta deboche
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mulheres descalças: buraco do barranco
mulheres descalças: caridade é uma brisa morna
mulheres descalças: hipócrita, egoísta e cega d’ódio
mulheres descalças: a pulícia pública
mulheres descalças: a vida num é simples
mulheres descalças: na solidão sozinha
mulheres descalças: usdois contra cadum
mulheres descalças: fofocando comigo mesma
mulheres descalças: felicidade não existe
mulheres descalças: um gosto diódio

mulheres descalças: o café esfriou



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