XVII (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres
baitasar
As manhãs no casarão – minha querida, você precisa entender aquela menina
que dormia na pequeña cabaña en Piedras Altas: me deslumbró con tantos lugares para ir en una casa – da família Caraca
começavam agitadas e nervosas, até que os filhos daquele casario de quartos
saiam para seus quefazeres con el patrón.
Dona Lara voltava para seus sonhos de festas e luxos: los dos se pavoneaban en las caballerizas,
vestidos de branco e descalços dos sapatos pisavam entre vacas, bostas e tetas.
O peludo não descansava e enfiava as mãos nas entranhas das leiteiras, ela
reclama aos berros
(El hijo de puta no contento con
una vaca... tem que enfiar em todas.) (É sina de homem.)
O menino leporino aprofundava o sono com o pulgar chupado até a raiz.
Não era tiempo de trégua para
mim, no tenía tiempo a perder.
Entrava nos dormitórios recolhendo as roupas para a trouxa de la lavandera. Cantarolava canções com Blanca y mi madre. Estendia un gran
lienzo no chão. Ali, empilhava as
sujeiras de todos. Até que chegava no cuarto
de la Vieja, después de terminar de revistar o cuarto de la anciana a pilhagem
estava terminada.
Pulava nos destroços de la ropa sucia,
uma das quatro pontas do lençol na mão, atravessava meu outro braço, minha
outra mão, em diagonal, atrás da outra ponta. Entrelaçava as duas e o nó cego
abraçava aquelas sujeiras de cobras e lagartos. Outra laçada com as duas pontas
que restavam e a trouxa da lavadeira estava pronta.
La mujer lavandera chegava
quase no mismo tiempo com suas trouxas de roupas do dia anterior, limpinhas,
macias e cheirosas, dobradas no mismo
feitio. Después de entregar a trouxa
limpa recebia as sujeiras entrouxadas. Com a carga sobre la cabeza saia porta
afora. Nunca trocamos palavra de conforto. Cada uma fez seu papel de uso dos
braços con la boca cerrada. Sin embargo,
esperan otra cosa de nosotras, índias
madraças.
La Vieja Amora chamava meu nome en
su cuarto, deseaba renovar la memoria y los misterios de sus recuerdos. Después de que su Viejo Caracão foi
embora da vida, la Vieja mandou queimar sua cama e os panos
que haviam alimentado as presenças apimentadas do homem na vida de matrimônio.
Passado os desejos de queimar as lembranças, deitava em sua rede, siempre aberta em seu quarto,
arrependida, saudosa de suas memórias. Perdida na sua fraqueza de repassar nas
memórias os gostos e os cheiros da sua juventude, confusa sem os lembretes de
inspiração. Ninguém se parava mais a dar oídos,
escuchar a los ancianos, que han vivido mucho. Foi desse tempo sua decisão
de parar com as benzeduras: perdió el
gusto. Nunca teve medo de pegar doença de benzido, mas na dúvida aprendeu
rezamento pra enfraquecer a maldade de doença no próprio corpo. Quando me
chamou foi a primeira reza que aprendi
(Niña Preta, benzedeira precisa
força pra cumprir sua missão.) — explicava la
Vieja. Em parte tinha razão, na
verdade, diria a la Vieja que todos precisam de muita força
para cumprir seus desígnios: las perras,
los peones, los hombres y mujeres del maíz, dueña de casa; em todo casa,
aprendi aquele rezamento de proteção.
Não posso revelar a reza, senão perde o efeito
(Tu vai aprender a benzer que nem la
Vieja.) — tanto tempo e ainda
reconheço a voz de la Vieja Amora enquanto benzia qualquer
coisa: erisipela, inveja, mau-olhado, quebranto, mau-jeito, nervo rendido,
vermes, cobreiro, sapinho, rendidura, impinge, míngua, sol na cabeça, feitiço e
feitiçaria, dor de dente, empate, dor de ouvido.
Foi parteira, nunca perdeu uma criança — Yo era una costurera de la calidad — se gabava olhando para as mãos
enrugadas e retorcidas — Todo pasa, niña
Preta.
Jamais cobrou, pois agia em nome de Deus, mas adorava quando lhe davam
presentes, o fumo de corda era o seu favorito.
Rezava por horas e horas. Nada a afastava do horário de la Ave María, era devota de Nuestra
Señora de Guadalupe, la Virgem de Guadalupe.
Tempos duros aqueles que moldaram o caráter dos filhos e lhes deram a
serventia de uso com as mãos. Apaixonada por seus filhos, sabia tudo de cada
um, o que cada um gostava de comer, mas não teve como não deixar que fossem
procurar a vida longe das vacas — Ser
madre es tener que aceptar.
(Mi Viejo tinha uma malha branca no focinho, gabava que isso marcava a
sua mistura de metade homem e metade cavalo.)
Niña Preta, mi Viejo tenía dois enormes braços cabeludos e dez pinças tortas, deformadas
com a mania de apertar e puxar o úbere das suas vacas, desde seus tiempos de peão do meu velho pai
Caracacão. Caminhos duros aqueles, mas que moldaram o caráter dos filhos e moldaram
o uso das mãos.
Mi Viejo Caracão não possuía
diplomas de formação da escola, mas sabia tirar leite de pedra como ninguém
mais. Todos os nove filhos aprenderam o ofício de apertar e puxar. Quando se
decidiam partir pelo mundo desconhecido levavam na bagagem o jeito de ordenhar,
que lhes dava como arrumar comida, por menos que pudesse valer. Caso
perguntassem a qualquer dos guris se tinham profissão, a resposta estava
carregada na ponta da língua
(Ordenador de tetas!) — porque é isto que os filhos aprendiam: ordenar às
tetas que soltassem o leite espumoso dos úberes, dar ordens com suavidade,
paciência e amorosidade era a lição para ser aprendida.
Dom Juan foi o único dos filhos que ficou para trás, para tocar o negócio
do pai quando uma das mãos del viejo endureceu. Foi desgraça de um lado
só. O Caracão deitou alinhado e acordou com o lado direito deformado. Olhando
enviesado, pelo canto certo, el Viejo parecia forte e cheio de vida, mas
bastou desviar a atenção e o lado direito caiu em degradação. A pálpebra do
olho se erguia pela metade, a boca perdera as forças e permanecia caída,
cansada, repuxada para baixo. Havia perdido as energias de prontidão. A língua
acompanhou a confusão e ficou pastosa, sem a espantosa sensualidade que sentia
em gritar e ordenar, só assim os gritos del
Viejo cessaram.
A voz poderosa se contraiu para dentro de si mesmo, junto com o braço
direito. A mão e as pinças ficaram em desenho de concha, não apertavam mais os
úberes. A perna direita ficou durona de não se dobrar mais, caminhar passou a
ser um gesto desumano de equilíbrio e acidentes. Mi Viejo perdeu a harmonia das coisas simples, passou a usar
fraldas e babeiro, perdeu durante aquele sono o fio prumo e o poder do chicote
que lançava no ar e lambia levemente cada um dos filhos, sempre que algum guri
se enfraquecia e parava de apertar e puxar a teta
(Por que o guri parou? A teta não se derrama sozinha!)
Foi assim que cada um dos filhos — Nove foi o total dos que vingaram até
a idade de fugir para o mundo — aprendeu a começar e terminar as suas tarefas
nos estábulos da vacaria. Todo dia o chicote convencia qualquer vontade em
contrário e deixava as suas marcas.
Dom Juan foi o filho que lhe sobrou, um dia pegou as mãos da sua mãe em
suas mãos peludas e jurou
(Mi madre, mi hijo nunca sabra el
golpe de la trenza de cuero.)
La Vieja ajoelhou o filho e o benzeu — Na benzedura é preciso fé — foi
benzedeira afamada, ficava desgostosa se alguém oferecia recompensa por alguma
cura que porventura da Virgem Guadalupe pudesse ter alcançado. Nem agradecimentos
deviam, mas para os próprios da casa não conseguia cura para o benzido e a cada
filho que partiu repetiu a mesma benzedura
(Filhos que estais nesta casa,
E à Deus louvais, sejais
abençoados
Se essa casa não deixais.
Que de nove fique em oito,
Que de oito fique em sete,
Que de sete fique em seis,
Que de seis fique em cinco,
Que de cinco fique em quatro,
Que de quatro fique em três,
Que de três fique em dois,
Que de dois fique em um,
Que de um não sai nenhum.)
Repetia nove vezes a benzedura com um galho verde em cruz, por três dias,
a cada filho que partia. Depois da reza quebrava o galho e enterrava na
porteira do estábulo, sempre antes do sol entrar, depois que entrava não podia
mais. A reza vingou para o último dos filhos: Dom Juan. Os outros não tiveram
fé de acreditar que precisavam ficar. Na benzedura é preciso fé. Não
recomendava remédio.
El Viejo Caracão ficava quieto, não sabia o que lhe responder ou mais
nada lhe podia interessar além de trocarem suas fraldas — Niña Preta, quer aprender as benzeduras? — de repente aquele anjo
triste me deixava com um sorriso sem graça — No ló sé, mi Vieja.
Dona Lara chamava e me tirava do transe de ouvinte
(Volto assim que tiver uma trégua para mim.)
Minha senhora queria das manhãs o conforto séptico do silêncio, com suas
águas mornas, as carícias da quietude: olhava sua nudez, orgulhosa dos apetites
que provocava em Dom Juan na luz do quarto, ao menos uma vez, sumergida en las aguas
tranquilas de la bañera. Gozava naquele olhar de cobiça do bicho cabeludo
quando estavam descobertos de tecidos e calçados. Parecia que lhe ia devorar
sem dó nem piedade. Ensinada a ser uma caça indefesa: ser comida e sobreviver
se fingindo de morta.
Saia das águas e ficava parada em frente ao espelho
(Onde está minha toalha, índia madraça?)
Abria a gaveta da cômoda e lhe estendia uma toalha felpuda e macia
(Aqui, minha senhora.)
Esfregava a imagem refletida com sua toalha de pelos. Depois vestia seu
uniforme de dona de casa, caminhava observando e ordenando, sem afobação
(Pra quê a pressa?)
O menino acordava de seu silêncio e chorava por atenção de fome
(Vá lá buscar o guri.) (Sim, senhora.) (Vai logo!)
Eu volvia com o leporino no colo
(Vamos, me passa o guri... e vá expurgar la bañera.)
Entrei no cuarto del baño
escutando seus murmúrios
(Índia
madraça...) — ¡Señora puta! — respondi entre meus
dentes jovens e afiados.
Me picó ganas para entrar en la
bañera. Derrubei mi ropa en
el piso, continuei mis pasos a la bañera de ferro
esmaltado, mergulhei um pé e después
o outro naquela água silenciosa, serena e llorosa pelas bordas. Sentei en su piso e afundei mi cabeza. Estava abierta y libre, sin patrón
(Índia madraça, arreda da minha água.)
Meu susto foi meu pecado.
Experimentei el miedo do desamparo, a falta de alguém
para me abrigar por trás, Dona Lara se enfureceu num grande grito de raiva.
Estava ciumenta de su agua sucia
(Não te enxergas, índia madraça?)
Sí, soy como un pájaro libre, pienso... pero no declaro, não houve tiempo porque sua mão desceu forte e rápida em minhas costas, em
minha cabeça, en mi vientre, en mis piernas,
en mi alma. Mí cuerpo pequeño rastejava pelo campo encharcado do miedo y dolor, no era un sueño o una pesadilla angustiosa y tenaz, não
era nada e era tudo, era o peso da Montaña.
Meu massacre foi empacado por la
Vieja Amora
(¿Qué pasa?) (Essa índia
madraça entrou em minha banheira.) (¿Este
és el disgusto?)
¡Yo viví sobreviviendo!
Resistindo à saudade, cicatrizando minhas dores com a distância das horas, os
dias passando e me afastando como o vento em redemoinhos, meus soluços iam
adocicados por minhas lágrimas invisíveis.
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