sexta-feira, 23 de março de 2012

Ó mangas, ó changas, ó tangas, ó mirabelas, ó caga verrumas

XX (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres 

e com a mão fazia o sinal da cruz
baitasar


Anadyr, segundo dona Lara, era a única que parecia com vocação para tetas e esterco. A mãe saia de qualquer calmaria quando o assunto eram as filhas entre as vacas. Não tinha discurseira que lhe deixava mais triste e sem valor de mãe. Encerrava a palestra com uma sonora ordem para todos calarem a boca. Pronto, tudo se resolvia no silêncio
(Anadyr vem cá, vamos pintar as unhas) (Mãe!) (Vamos colocar um esmalte bem vermelho...) (Mãe!) — a guria já pegara até o jeito do pai em apertar e espremer, nada muito animador para os planos maternos. Não apreciava o perigo para os usos das mãos, isso quando a menina tinha apenas 13 anos
(Mãe, com essas unhas vermelhas as vacas vão negar o leite) (Pois que se neguem, teu pai há de achar um jeito) — uma luta e nenhuma chance, as mães não desistem esse é o sentido da sua vida: nunca rendirse
(Querida, olhe a boneca linda que a mamãe comprou!) (Bonita...) — pegava o brinquedo de enfeite pelos braços, como se espremesse tetas, era pequena e bem feita, até para a mãe não havia muito mais a fazer
(Umas com tanto e outras com nada...) (O que foi... mamãe?) (Espelho, minha filha.) (O que tem o espelho de tão importante?) (As tuas irmãs não saem da frente do espelho e essa filha...) (O que tem eu?) (... parece que tem medo de se olhar.) (Não preciso de espelhos para apertar e espremer.) (Vai precisar para casar.) (Os homens não usam espelhos.) (Mas casam com a opinião do espelho.) — saia resmungando que aquela sua filha precisava tratamento por não se olhar no espelho, se culpava porque a menina não queria melhoras aqui ou ali, não era a sua imagem nem em semelhança.
Todas acordavam dos devaneios del sueño después de comer, menos os meninos, esses já estavam longe dos xingamentos e ordens de implicância da patroa — Anadyr pode começar a lavar a louça! — Mãe, isso é serviço pra Preta — La chola já está com o teu irmão... quer trocar? — ¡Mierda!
As batidas do coração daquela casa se pareciam com um terremoto e precisavam do sacrifício daquelas mulheres — Mãe! A Angélyca não quer secar a louça — Meninas! — A Aryani não faz nada — Vai chegar o tempo dela, o teu já chegou — Vamos Angélyca, seca essa louça de uma vez só — Droga! — a patroa podia aturar os palavrões do patrão, afinal, era um homem, e eles não vivem sem palavrões e putas — Cuidado com a boca, minha filha — mas as suas filhas seriam finas e educadas mulheres — E as panelas? — Coloca um pouco de água na chaleira e dá um fervura — Saco! — Anadyr, você está ficando desbocada — Odeio ficar na cozinha — Querida... — Isso é serviço de mulherzinha.
O pequeno leporino me salvava da confusão depois do almoço, tinha a mania de fome com minha teta pequena. As duas queriam ficar inertes. Precisava de um grande esforço para não fechar os olhos, não bocejar, não deitar a cabeça nas penas do travesseiro. O tempo se arrastava em voltas naquele quarto, até que o guri dormia: eu fechava os olhos. Os dois ficavam inertes.
Dona Lara estava feliz naquele início de tarde, Dom Juan prometeu que iriam passear até a Ribanceira. Uma casa de descanso construída pelo avô do marido, num barranco de frente para as areias e a imensidão das águas. O ar salgado ou a distância das leiteiras parecia revigorar na esposa os desejos de concubina depravada, desajustada com as boas maneiras e comportamentos das mulheres da sua procedência — Preta, não é que eu faça fingimentos aqui ou lá, o problema é a imaginação, não tem regras por lá — eu continuava em silêncio, sabia o meu lugar e não arredava o pé do meu papel de escutadora calada.
Depois que o patrão e os dois filhos, Anadyr e Calçado, voltavam para os estábulos se iniciavam os preparativos para o descanso na casa da Ribanceira. A casa da família nas margens do mar foi presente dos marinheiros ao velho Caracão, por serviços prestados durante rebelião dos fardados inconformados com alguma coisa.
O velho não quis medalha nem distinção de honraria, se encantou com aquele pedaço de terra que iniciava no encontro das águas nas areias, se ia até a parte mais alta do barranco, cerca de 200 metros para cima e 50 para os lados — Vou construir um sítio de refúgio dos apertos da cidade e das leiteiras — foi a frase que restou daquele homem. Dona Lara não conheceu o velho Caracão, mas repetia que o homem foi um atinado.
Na primeira vez, fiquei com a boca aberta — Não acredito que possa existir lugar mais bonito — a cor da luz do dia adormecendo mergulhava sob as águas salgadas daquela enseada, me fazia lembrar do Paraíso, olhando tanta beleza, quase duvidei que pudesse existir La Montaña com tanto sofrimento e fome injusta. A natureza tinha o elixir da imortalidade. Aquela harmonia e beleza, por certo, reinventava a fertilidade da dignidade e do amor. A fusão do mundo num único lugar, o Paraíso dos padres.
As águas tranquilas chegavam nas areias brancas e não cobiçavam incomodar, se desenrolavam salgadas até ficarem estendidas, depois recuavam silenciosas para dentro do mar. Afastado das areias, mar adentro, se avistava um rochedo imponente que dizem apareceu sem mais nem menos, coisas que só os moradores afundados sentiram de perto, um estremecimento nas águas. Não demorou e os nativos escolheram o apelido: La Piedra del Caracão.
Um ponto nas águas que parecia existir para os olhos preenchendo o espaço entre a vida nas salgadas e nos céus, como uma divinação cósmica para acessar e voar para outros mundos.
La Vieja acreditava que naquelas pedras estava a porta para o outro mundo possível. Um lugar onde a natureza do céu e do homem se tornava um só espírito, um só caminho — Niña Preta, quando o meu espírito voar de mim leva as minhas sementes até aquelas pedras — Eu prometo, Vieja.
Para dona Lara viajar até a Ribanceira era como desmanchar a rotina: despertarse limpiar cocinar amamantar, descansar después del mediodía y se parar na janela, vendo o ir e vir das pessoas. O patrão saiu para os estábulos depois das estripulias del sueño y después de comer dona Lara, confirmou que saiam no final do dia até a Ribanceira. A aventura estava prestes a começar — Mãe, a minha garganta ta doendo. — O que foi, meu filho? — o menino se queixava de dor e frio — Deixa a sua mãe dar uma olhada... abre a boca. — ela reclamou que estava muito vermelha. Aproximou os lábios da testa do menino e sentiu um pequeno rubor de calor
(Querido, acho que tu tens febre.) (É?) — a fêmea estava alertada pela percussão do afeto materno, o sentido de preservar a cria.
O tambor do alarme tocava no ritmo das batidas do coração, são batidas diferentes — Preta, chama la Vieja!— Ah, mãe... — Tu e teus irmãos não se cuidam, eu não posso fazer nada. — E o passeio na Ribanceira? — Resolvemos depois, vamos esperar pela benzedura de la Vieja. — Merda! — Menino! — Sempre eu...
Saiu do quarto do garoto. Foi procurar algum chá, sempre teve algo para as emergências. Sabia que la Vieja não gostava de fazer benzeduras na gente de casa e fazia um tempo que não fazia nos de fora, mas, por certo, este não seria um empecilho para a sogra — Havia chegado o tempo dessa velha mostrar alguma utilidade.
Muitas das mais antigas rezas usadas por la Vieja eram de um tempo em que a Lua e o Sol eram abundantes e as orações encantavam as pessoas para proteger dos espíritos perigosos — Mãe! — O que foi, Angélyca? — Eu vou vomitar... — Calma, menina... a mamãe já vai te ajudar — aproximou os lábios da menina. Não tinha febre.
Usava todas as armas disponíveis às mães para o achego das crias. Primeiro procurava dissipar o medo invocando a proteção da Mãe de todos, a Mãe do menino Jesus. Depois, um exame geral pelo aspecto dos filhos, procurando pelos sinais mais comuns às doenças de crianças, algumas perguntas decoradas — Dói aonde, filhinha — e outras e depois outras que ouviu de outras mães na fileira da hóstia. Até localizar o desconforto. Coisas mais simples ela mesma cuidava — Querida, você não está com febre. — É? — É só a barriga que está doendo? — É.
La Vieja chegou e repetiu o que a dona Lara já sabia — Não é bom fazer benzedura em gente da família.
Seus filhos precisavam deste encantamento sobrenatural, disto, ela tinha certeza — Vamos procurar a benzedura da velha Flora — esposa do seu Floratil. Quando desconfiava que a urgência precisava das rezas e de remédio de doutor, não pensava mais que uma vez — Vamos procurar o doutor Lázaro — reforço para as rezas. Chamou pelo Crespo — Vai chamar teu pai, meu filho... diz que temos doentes em casa. — Ta certo, mãe. — Um pé lá e outro cá.
O garoto subiu na garupa do Aveia, sumiu em velocidade de urgência e voltou num assopro de vento sobre as próprias pegadas — O pai já vem, ta terminando o reparte da ração das leiteiras. — quanto tempo se passou não se teve como saber, quando o espremedor chegou não encontrou dois, mas quatro de cama e as pegadas do sol se enfiando no subchão.
Primeiro o Chiado, depois a Angélyca, logo em seguida tombaram Anadyr e Crespo. La Vieja rezava oração pra quebrante, se resolveu por agir pelo tempo que era perdido se esperando uma solução
(Ó mangas, ó changas, ó tangas, ó mirabelas, ó caga verrumas, ó mija-fivelas, ó caralhos, ó bugalhos, ó peidos meus e da Maria e do Matheus, por que banana não comeste tu, por que não enfiaste o dedo no cu? Por que não me disseste que quebrante tinhas, que eu te curava com três alhos, com três caralhos, com três bugalhos, com três fios, com três pavios, com três puta-que-os-pariu.) — e com a mão fazia o sinal da cruz.
(O que está a ocorrer?) (Não sei, Dom Juan, as crianças não vão bem.) (Vamos levar na botica do seu Floratil.) (Ele cerra as portas junto com o sol.) (Vamos e pedimos ajuda, a criatura não vai se negar.)
Enrolaram um cobertor em cada uma das crianças — Anadyr e Calçado tomem conta da casa. — Tudo bem, mãe. — Cuidado com o meu neném. — Acho que o miúdo precisa que se atente de cuidado, dona Lara. — Ele, também? — saíram carregando o reparte dos filhos. Eu seguia com o leporino no colo.
Quando chegamos na botica as luzes do lampião elétrico estavam acessas, mas as portas fechadas. Dom Juan desceu da camioneta e bateu palmas — Seu Floratil! — esperou alguns segundos e tornou a acionar a cigarra da sua garganta — Seu Floratil! — Já estou indo, um bocadinho de calma.
O homem dos remédios tinha um andar arrastado pelo tempo que não parava de lhe comer a dignidade. Numa primeira olhadela não reconheceu o leiteiro — Quem é? — Os Caraca, seu Floratil. — Na madrugada todo gato é pardo. — e ele não gostava da escuridão nem de gatos. Avançou mais um passo — Desculpem os cuidados, mas as sombras estão atrevidas e a bandidagem ta brotando a esmo. — mesmo aquela bondade de cuidar os doentes não lhe trazia nenhuma garantia. Esqueceu os óculos, voltou até o balcão — Seu Floratil... — Já vou, já estou indo. — a paciência é uma virtude para quem precisa de ajuda e algum favor — Sou eu, Dom Juan. — O que lhe acontece, meu filho? — As crianças estão com alguma coisa... — Já levou no doutor? — O homem já saiu pra suas pescarias. — o doutor Lázaro só abria mão destas pescarias se estivesse desconfiando de algum nascimento da sua responsabilidade. O seu Floratil que não é doutor, mas o dono da botica de medicamentos em tinturas e glóbulos concordou em dar uma olhadinha nas crianças. Ele aprendeu a manipular os remédios com o pai, mas depois que chegaram as injeções, comprimidos, analgésicos e remédios fabricados em série, as pessoas doentes foram diminuindo a cada ano na botica — Ta certo... me traga as crianças... — sai doutor, entra doutor, e o seu Floratil ficava: no cuesta nada soportar el capricho de los viejos.

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