sábado, 10 de março de 2012

Yo soy la perra por aquí

XVIII (2ª) - No se puede hacer la revolución sin las mujeres


baitasar
Em alguma de estas mañanas de mais calma, dessas que acordamos sem tantos sustos en el sueño, aliviada con la existencia de la vida, agradecidas pelas vidas que ainda temos, menos gritos e estalos, menos azorrague, mais silêncio, ficávamos de conversa, eu e la Vieja Amora. Eu contava um pouco de amassar o milho en la Montaña, ela contava um pouco de viver espremendo tetas, indicando chás e ervas. No fundo el miesmo serviço de calar a fome e castrar os índios dos apetites de macho. Índio escravo vive castrado de suas vontades; sonha con el cielo: uma promessa que lhe soa verdade e ilusão.
Por aqueles dias la Vieja me iniciava nas rezas de benzedura, era o assunto da sua preferência passar para minhas mãos os seus ensinamentos — Esta es una buena vida para vivir, niña Preta — aprendi uma das suas especialidades, pão feito em fogo de lenha, servia quentinho pra desmanchar a manteiga na boca — Niña Preta, a reza precisa de segredo, senão perde a eficácia do efeito — Mi vieja, não sei se quero o seu jeito de curar — Bobagem, repete comigo
(Sana, sana
Cuerito de rana
Si no sana hoy
Sana mañana.) — E o que mais mi Vieja? — aproxima tua boca da testa da criança com o quebrante e usa a língua com saliva — Que nojo! — Nojo nada, deixa de ser boba, o cuspe carrega a alma da gente e cura quem carece da nossa ajuda.
As conversas eram aos pouquinhos: eu não tinha pressa em aprender y la Vieja não tinha pressa em ensinar, como se entregando o seu poder de cura estivesse preparada para perder o poder de viver.
La Vieja sentia saudades das suas carnes rijosas y olorosas de vida, reclamava el olor de la muerte
(A senhora precisa colocar um perfume bem gostoso.) (Mi hija... no hay olor en la alma que sustituye a tu hombre caminando con las manos en el amor... en tu cuerpo, en tu alma.)
Bobagens da Vieja, enfeitando fantasias na cabeça da menina, sossego de homem é mulher feia e cavalo capado, suas mãos de amor não são de amor, mas de cobiça. Azar de quem sente ganas de resistir ao inimigo, é o exército a ser vencido
(O que é a morte, Vieja?) (No sé, mi hija...) (Se alguém que você ama desaparece é como morrer?) (No sé, mi hija... pero creo que hay esperanza.) (¿La Vieja tiene miedode la muerte?) (Ya no, sería como morir dos veces, niña Preta. La muerte no deve ser temida, mas compreendida como a continuação do mundo.)
Aquele sossego durava até Dona Lara levantar do sono. Cansada de si mesma e resmungando que essa contadora de histórias não sabia cozinhar, gritava para que preparasse seu banho. A Vieja me encorajava com seu sorriso e acenava para que me fosse
(Sin ingresar en la bañera, niña Preta.) — não precisa dizer Vieja, aprendi o lugar dos escravos e miseráveis
(Índia madraça, você precisa aprender os ofícios de alimentar à mesa.) (Não tenho tamanho de cozinheira, minha senhora. As panelas me fogem das vistas.)
Ela não levantava da cama enquanto o banho não estivesse pronto. Para Dona Lara, o mergulho aconchegante nas águas mornas da banheira batismal, era o seu resguardo do mau tempo, o seu abrigo do frio, da chuva, da solidão. Manhãs perfumadas e macias com suas espumas brancas em flocos de algodão. O vapor que se formava não era agitado, não havia turbilhão naquelas águas. Ela não queria movimentos vigorosos nas costas, nas coxas, nos pés. Relaxava profundamente. Os olhos acariciavam os ombros, os braços, as pernas. Sentia o prazer. Um jeito de ficar dentro, não sair, não procurar, não encontrar. Morna, bastava assim. O frio come e o calor bebe ao exagero, ela esvoaçava saltitante entre perfumes e cores com suas flores preferidas, em vôos imprecisos e imperfeitos. Nos encontros consigo mesma decía en voz alta su oración, suas mulheres escondidas, todas as idades da mulher
(De las más hondas raíces se me alargan tus manos, y ascienden por mis venas como cegadas lunas a desangrar mis sienes hacia el blancor postrero y tejer en mis ojos su ramazón desnuda. En mi carne de estío, como en hamaca lenta, ellas la adolescente de tu placer columpian. -Tus manos, que no son. Mis años, que ya han sido.
Y un sueño de rodillas tras la palabra muda-. ...Dedos sabios de ritmo, unánimes de gracia. Cantaban silenciosos la gloria de la curva: cadera de mujer o contorno de vaso.
Diez espinas de beso que arañan mi garganta, untadas de agonía las diez pálidas uñas, yo los llevo en el pecho como ramos de llanto
.)
Aquelas águas reinventavam sua vida todas as manhãs. E me deixavam entender la mujer que eu escutava encantada, mergulhada nas águas mornas da bacia, con su alma hablando del sexo cómo le gustaría a muchas mujeres hablar. Eu imaginava el  hombre com mãos que pudesse encantar assim, com palavras mudas, dedos sábios de ritmo; nunca o encontrei. Descobri mãos que não eram de homens
(Índia madraça, a toalha... rápido.)
Quando o relógio despertador destruía o encanto com o seu canto de galo, não pensava duas vezes, levava a mão ao lado e num só golpe acertava o frango. Até que chegava o tempo de retomar suas funções de dona da casa. Revestia seu corpo com a invariável e monótona vestimenta de esposa e mãe. Mulheres para usarem o ferro de desamassar as roupas, esfregarem e varrerem o banheiro dos bons costumes, lavarem pratos panelas talheres, fazerem a comida que realimenta as carnes da sua carne. Assim, era de tal modo, por gerações e gerações em sua família, que ela nem sentia que seria legítimo reclamar deste papel de faz tudo, a rainha do lar, uma soberana serviçal da trupe de hóspedes. Tudo foi ensinado da mãe para a filha e consentido pelo pai. Portanto, recriava a sublime trindade: Pai, Mãe e Filha. Sentia um orgulho resignado do seu aprendizado
(Ser feliz pode ser aprendido.) — repetia baixinho la Vieja, para si mesma. Eu repassava as suas palavras
(Vieja, eu vou ser feliz?) (No sé, mi hija... talvez, quando estiver desenganada sobre a própria vida.) (Mentir para mim mesma?) (Mais ou menos, mais ou menos... mi hija.)
Descobri que a vida é só sexo. O amor é inventado para aliviar a carne e o fastio do outro. Sonhos reflexos, braços alongados e delicados que, por certo, hão de fazer sobrar no tempo à prometida vida de preguiça, folgada de afazeres e com prontidão para se dedicar ao ócio, as coberturas da mulher esposa e as frescuras com as putas. É o leite que fez o caminho da via láctea até os vasos bojudos em carne fundida enquanto se derrama em espasmos. Os homens são burros e aborrecidos, sem mistérios, basta lhe seguir o olhar: lá estão as bundas.
Minha querida, eu sou a puta por aqui, sem chiliques
(Vieja, eu vou ser feliz?) (No, mi hija.)
O sossego se perdia quando o almoço se apresentava com todas as fomes de devorar. Dona Lara era percorrida velozmente de uma só vez, todos os dias. Engolida avidamente por todos eles, sem dó nem piedade. Querendo, exigindo, solicitando... Esfomeados da sua atenção e desvelo, mas escondidos da sua inquietação de espírito. Perguntavam por costume, usança dos bons modos de educação ou política de boa vizinhança
(Como foi sua manhã, querida?) (Mãe, ta tudo bem?)
Reféns do hábito, réplicas decoradas que enfeitavam como as cortinas, as mesas e as cadeiras da sala, lugar das visitas, essas pequenas coisas que se repetiam todos os dias, enfiavam suas raízes em suas carnes e retiravam o prazer e a emoção de se surpreender com pequenas coisas. Passavam os dias se vendo, sem ver além da insatisfação ou os truques dos pequenos silêncios nas pequenas dores. Humores e sorrisos em gesso: brancos e higiênicos
(Tudo bem, sem novidades.)
Por que não proclamava Josefina Plá? Eu aprendi Josefina com os banhos da senhora despudorada, sem a vergonha do púlpito. Não era hábito na mesa? No banho funcionava — No balcão de negócios... não.
Aprendi que hábitos são costumes que na presença do tempo se transformam em necessidades e o corpo se nega abandonar, deixar de lado. Carcaças de defesa e ataque. Escapatórias de sobrevivência. Ela sentia conforto nesse papel que lhe foi desenhado, desde antes de nascer. O início desta fantasia vem da invencionice dos homens: inventó la mujer de la costilla de un Adán cualquier. Tudo merda. Não somos do mesmo barro, modelados sem sucesso à exaustão com lama e madeira. Imagino as amostras e os moldes deixados pelo caminho, entalhados nas pedras. Um jogo de tentativas e muitos erros, até que os deuses misturaram seu sangue com farinha de milho e foram bem sucedidos, fomos moldados germinando de um caule de milho, olhos fechados enquanto o artista dormia e sonhava com o pecado: primero con las putas, a continuación, con las vírgenes.
Na verdade, sou uma brincadeira que deu certo para os homens. O poder que escondia aquele jogo de argila... Não, isso é parte da mentira. Ao macho do milho foi assoprada a dica de correr, antes que o bicho o comesse; a fêmea não foi avisada, restou ser comida, e vem engravidando, e pecando, desde então, enquanto o homem faz de conta que não é com ele, tem olhar de paisagem às providências de conversar e abastecer as vontades de atenção de las mujeres. Ele não garimpa as ambições, nem seus medos, não tem respostas, o sexo é sua resposta. Eu acho que é uma boa resposta — Será que eu sou feliz? — e quando se sabe até quando se é feliz, quem avisa? — A felicidade é uma boa comida — la Vieja tinha razão.
As perguntas que me fazia terminavam quando o leporino dançava gritos mais altos que todos. Havia vezes que não bastava oferecer mis pechos pequeños y secos, havia obrigação de calar a boca del niño com os peitones da senhora, plenos, repletos do cremoso e doce leite que aplacava seu desespero e confusão. Con el niño nos braços e fixado em seus peitones pela boca a senhora repassava aos gritos minhas tarefas, espalhadas por todos os recantos daquela vivienda. Enfiava em meu corpo o uniforme da sobrevivência histérica: nua das próprias vontades por tempo demasiado. Aliás, tudo é descomedido em minha vida menos as minhas vontades.
Dei um bom bocado de vida para aquele pequeno exército devorador, mas existem, graças a Deus, as iniquidades da gula
(Crianças, o almoço está pronto!)

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