quinta-feira, 30 de outubro de 2014

XX – Mitologia dos Orixás: Oxum [186] [187]

OXUM


Reginaldo Prandi



Oxum é concebida por Iemanjá e Orunmilá


Um dia, Orunmilá saiu de seu palácio para dar um passeio acompanhado de todo o seu séquito. Em certo ponto deparou com outro cortejo, do qual a figura principal era uma mulher muito bonita. Orunmilá ficou impressionado com tanta beleza e mandou Exu, seu mensageiro, averiguar quem era ela.

Exu apresentou-se ante a mulher com todas as referências e falou ue seu senhor, Orunmilá, gostaria de saber seu nome. Ela disse que era Iemanjá, rainha das águas e esposa de Oxalá.

Exu voltou à presença de Orunmilá e relatou tudo o que soubera da identidade da mulher. Orunmilá, então, mandou convidá-la ao seu palácio, dizendo que desejava conhecê-la.

Iemanjá não atendeu de imediato ao convite, mas um dia foi visitar Orunmilá. Ninguém sabe ao certo o que se passou no palácio, mas o fato é que Iemanjá ficou grávida após a visita a Orunmilá.

Iemanjá deu à luz uma linda menina. Como Iemanjá já tivera muitos filhos com seu marido, Orunmilá enviou Exu para comprovar se a criança era mesmo filha dele. Ele devia procurar sinais no corpo. Se a menina apresentasse alguma marca, mancha ou caroço na cabeça seria filha de Orunmilá e deveria ser levada para viver com ele.

Assim foi testado, pelas marcas de nascença, que a criança mais nova de Iemanjá era de Orunmilá. Foi criada pelo pai, que satisfazia todos os seus caprichos. Por isso cresceu cheia de vontades e vaidades.

O nome dessa filha é Oxum.



[186]





Oxum dança para Ogum na floresta e o traz de volta à forja



Perante Obatalá, Ogum havia condenado a si mesmo a trabalhar duro na forja para sempre. Mas ele estava cansado da cidade e da sua profissão. Queria voltar a viver na floresta, voltar a ser o livre caçador que fora antes.

Ogum achava-se muito poderoso, sentia que nenhum orixá poderia obrigá-lo a fazer o que não quisesse. Ogum estava cansado do trabalho de ferreiro e partiu para a floresta, abandonando tudo. Logo que os orixás souberam da fuga de Ogum, foram a seu encalço para convencê-lo a voltar à cidade e à forja, pois ninguém podia ficar sem os artigos de ferro de Ogum, as armas, os utensílios, as ferramentas agrícolas.

Mas Ogum não ouvia ninguém, queria ficar no mato. Simplesmente os enxotava da floresta com violência. todos lá foram, menos Xangô. E como estava previsto, sem os ferros de Ogum, o mundo começou a ir mal. Sem instrumentos para plantar, as colheitas escasseavam e a humanidade já passava fome.





Foi quando uma bela e frágil jovem veio à assembleia dos orixás e ofereceu-se a convencer Ogum a voltar à forja.

Era Oxum a bela e jovem voluntária.

Os outros orixás escarneceram dela, tão jovem, tão bela, tão frágil. Ela seria escorraçada por Ogum e até temiam por ela, pois Ogum era violento, poderia machucá-la, até matá-la. Mas Oxum insistiu, disse que tinha poderes de que os demais nem suspeitavam. Obatalá, que tudo escutava mudo, levantou a mão e impôs silêncio. Oxum o convecera, ela podia ir à floresta e tentar.





Assim, Oxum entrou no mato e se aproximou do sítio onde Ogum costumava acampar. Usava ela tão-somente cinco lenços transparentes presos à cintura em laços, como esvoaçante saia. Os cabelos soltos, os pés descalços, Oxum dançava como o vento e seu corpo desprendia um perfume arrebatador.

Ogum foi imediatamente atraído, irremediavelmente conquistado pela visão maravilhosa, mas se manteve distante. Ficou à espreita atrás dos arbustos, absorto. De lá admirava Oxum embevecido.

Oxum o via, mas fazia de conta que não. O tempo todo ela dançava e se aproximava dele mas fingia sempre que não se dera por sua presença. a dança e o vento faziam flutuar os cinco lenços da cintura, deixando ver por segundos a carne irresistível de Oxum. Ela dançava, o enlouquecia. dele se aproximava e com seus dedos sedutores lambuzava de mel os lábios de Ogum.

Ele estava como que em transe. E ela o atraía para si e ia caminhando pela mata, sutilmente tomando a direção da cidade. Mais dança, mais mel, mais sedução, Ogum não se dava conta do estratagema da dançarina. Ela ia na frente, ele a acompanhava inebriado, louco de tesão.

Quando Ogum se deu conta, eia que se encontravam ambos na praça da cidade. Os orixás todos estavam lá e aclamavam o casal em sua dança de amor. Ogum estava na cidade, Ogum voltara!

Temendo ser tomado como fraco, enganado pela sedução de uma mulher bonita, Ogum deu a entender que voltara por gosto e vontade própria. E nunca mais abandonaria sua forja. E os orixás aplaudiam e aplaudiam a dança de Oxum.

Ogum voltou à forja e os homens voltaram a usar seus utensílios e houve plantações e colheitas e a fartura baniu a fome e espantou a morte. Oxum salvara a humanidade com sua dança de amor.



[187]



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Leia também:

XIX – Mitologia dos Orixás: Obá [183] [184]


XXI – Mitologia dos Orixás: Iá Mi Oxorongá [204]

Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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