quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Teatro Pedagógico: qual livro? o que quero ler na eternidade?

Parábolas de uma Professora


qual livro? o que quero ler na eternidade?


baitasar e paulo e marko



as palavras marcam as ideias das histórias feitas ou desfeitas com um timbre destacado ou irrelevante. eu continuava parada com a térmica na mão, no abrigo insignificante, calada, o palavrório ia e vinha, livre e desobediente, queria ouvir um desfecho com um final romântico. sou o meu espelho, a inflexão das minhas combinações acredita no desenlace poético, na virtude das palavras que revelam outras harmonias, arranjos com outras vontades. precisava ficar. sair seria deserção, Contraponha Cabayba, qual a utilidade do nosso trabalho?

queria possuir essa insistência suave e decidida da camila, ser assim, resistente ao ódio e a raiva das caras feias, vozes aterradoras anunciando o fim do mundo. pessoas derrotas pelo ódio e a impaciência. não me assustam, mas me causam uma profunda tristeza. não tenho medo do fim do meu corpo nem da indisciplina dele, como não me assustam as poesias e os romances, necessito a poesia e os romances

o marko, o paulo, a camila não buscam desacreditar qualquer reflexão, repetem que precisamos olhar de frente a cruz, enfrentar o sorriso fabricado, têxtil, o elogio hipócrita, afrontar a desumanidade de maneira radical, sem concessões, Ajudar essa gente se tornar gente.

a cabayba não parecia querer sair do seu cinismo e torpor natural. a zombaria e a indiferença marcavam suas ideias, tramavam suas palavras com um pequeno sorriso, disfarçado pelo rumorejo rouco da voz carcomida

Entendi. Estamos obrigados a educar o cidadão que a nossa sociedade precisa. E o que a sociedade necessita?

virou-se para mim. continuei calada, nos olhamos, recebi um sorriso afetuoso de acolhimento, a camila ao meu lado continuou

Precisamos médicos, engenheiros, advogados, professores, mas...

o marko sentou ao nosso lado, escutava camila, atento a cada palavra e inflexão da voz

Com licença, Camila...

essa voz reconheceria em qualquer lugar: abigail

... médicos, engenheiros, no meio dessa gente, feia, pobre, se não é impossível, é muito pouco provável.

não podemos negar nosso dna, podemos lutar, mas no primeiro descuido ele se manifesta firme e forte

Abigail, só um instante. Entendo o Camila, mas a questão é que já temos muitos médicos, engenheiros, advogados, veterinários, etc etc etc, essa gente precisa parar de fazer filhos. Pobre e a filharada só cria mais pobreza.

Não é verdade, Cabayba.

somente o marko para denunciar um pedacinho dessa história mal contada, No mundo dos pobres não têm médicos... ah, faltam condições de trabalho para os médicos, parte da verdade, Cabayba, precisamos de médicos que antes de entender de exames, entendam de gente... ah, mas existem médicos maravilhosos, parte da verdade, Cabayba, não há tantos médicos maravilhosos quanto necessitam os que não podem pagar. Essa é a questão, quais as características, conduta e qualidade de personalidade dessa mão de obra qualificada? O projeto da personalidade como produto da educação deve estar baseado nas exigências da procura da sociedade.

eu não sei das outras, mas eu gostaria de ficar escutando o marko, a reunião que precisamos é essa, o amálgama das ideias é a discussão das ideias, a prática e a discussão da prática, o que deu certo, o que não deu certo, o que precisamos mudar, buscar nas ideias as revoluções da prática. eu continuo fixada no mesmo lugar, ao lado do fogão, a térmica na mão

a cabayba levanta, deixa seu copo de iogurte vazio sobre a mesa, caminha até a porta do abrigo, faz uma careta, depois outra, mais uma das suas máscaras

Marko, educar quem não escuta e não quer ouvir? Brigam, xingam, gozam em nossa cara, levantam, saem, os palavrões, os xingamentos, o descontrole... não resisto mais, para mim, essa história acabou! E não tem final feliz para os miseráveis!

antes que a ofélia pudesse sair, o marko perguntou suave e direto

E o que lhes mostramos? Um copo de iogurte na mesa? Muitos crimes passionais seriam evitados se pudéssemos vigiar a solidão do próprio egoísmo.

a ofélia não respondeu, saiu sorrindo. fico para trás, desenterrando os meus sonhos da realidade sempre inacabada, incessantemente inconclusa. queria ter sido fecundada com a vida de uma filha, não sei por que não me dei esta vida, sou uma mulher frágil, oculta pela altura das árvores que plantei. não sou boazinha nem bruxinha. estou assustada com o último cigarro que fumei. venho decidindo parar, mas não será hoje. a práxis que poderá me fecundar, outra filha, outra mulher. sinto que não quero morrer, quero te amar. nossa pele macia sem as rugas que chegam mais tarde. as lambidas da tua língua molhada e quente. os avisos para ter cautela. o teu corpo aprendendo o meu, sumindo no meu. amo muito, tudo isso. delícia. adoro a sinfonia dos teus amares em mim. a tua boca me faz querer os teus beijos. necessito teu colo, mas há horas que, todavia, mais indigente e miserável me sinto. quando de pertinho, fico olhando tua boca e sinto crescendo aquela vontade de te devorar, mas se te procuro na aurora só vou te encontrar no crepúsculo, o apaixonamento do reencontro. queria que o amor fosse a obra-prima da minha vida

As ações na escola, Camila, não têm esse alcance histórico...

pronto, perdi alguma coisa, mas continuo em pé, a garrafa térmica na outra mão

... senão estaríamos formando jovens sem iniciativa crítica, criativa e humana, mas grandes ecos de declinações, códigos gramaticais, fórmulas matemáticas. Por graças, sabe-se lá do que, conseguimos sobreviver às inquietações críticas do cotidiano.

a cabayba retorna ao abrigo, pega o copo vazio e coloca na lixeira. agora, enfrenta o discurso do marko, em silêncio

A realidade é maior que a escola.

É isso, Samuel, caminhamos a reboque. Fazemos história contando as histórias.

A escola somos todos, precisamos reconhecer o que é necessário ensinar e educar.

Que grande novidade, Camila!

As duas têm razão, uma banalidade que não fazemos não é modernidade, a inovação seria escutar o aluno, indo além de pegar em sua mão.

continuo escutando, não quero atrapalhar, sei que é besteira, poderia contribuir, mas continuo na minha preguiça. o marko, físico esbelto, cabelos curtos, óculos sobre o nariz, estatura mediana, impõem-se nos gestos exatos. a voz perfeitamente modulada, cordial, sem nenhuma vaidade, sorriso bondoso. a energia da vida está mergulhada em seus sonhos que iluminam e incendeiam a sua volta. sinto que terei saudades do tempo em que conversamos sobre essa confusão que é viver

Marko, você acredita que a nossa vida social está se desenvolvendo e aperfeiçoando? E os nossos jovens?

a cabayba é um desafio constante, mas é preciso escutá-la, assim, podem-se confrontar ideias, concepções e práticas, penoso é acarear o silêncio que só espera o momento do bote, não se arrisca, quando muito mexerica

o marko se mantém serenamente firme e disposto no embate. os meus pensamentos se transportam das suas palavras. recordo acusações que a educação socialista tornaria a escola sem gosto, sem cores democráticas. vejo a mim e meus colegas, todos crescidos e educados nos preceitos mais significativos da academia: severos, conservadores e preconceituosos. afinal, quem uniformiza quem? desde quando decorar é ser feliz? quem deforma quem?

não tenho medo da morte, não quero ficar pelos cantos, tortinha. peço que me acabem num gesto de humanidade, libertem as dores da minha alma solidária. enterrem meu corpo balzaquiano com alguma novela balzaquiana. a leitura não será só um passatempo, me fará ver o que sou, escutar o que não sei, o que não quero ou necessito, o amor na plenitude, dona de mim

qual livro? o que quero ler na eternidade?
 



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