quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Teatro Pedagógico: o corretivo da reprovação para uma cabeça-de-vento

Parábolas de uma Professora



o corretivo da reprovação para uma cabeça-de-vento


baitasar e paulo e marko




nossa concepção de mundo e nossa forma de agir é partida em pedaços. nossa avaliação escolar divide e subdivide os saberes num mosaico, toda puta é fatiada em partes para conseguir sobreviver, Não beija, mas chupa, O quê, Não sabes que as putas não beijam os clientes, mas chupam a sua freguesia, E daí, Nada, nada, volta a dormir, querido

Falamos, discursamos e debatemos sobre aprovar e reprovar como se estivéssemos avaliando uma safra de vinho, um doce caseiro. estamos relatando de homens e mulheres, adolescentes e crianças, nossos alunos, nossas alunas, não de números ou estatísticas, mas de gente que em sua maioria foram e são humilhadas na sua condição de sonhar, considerados indignos na sua luta para sobreviver.

apesar da escola

Paulo, tu falas de reprovação e esquece que trabalhamos em escolas por ciclos de desenvolvimento e que, portanto, infelizmente, não permitem a reprovação dos alunos que não alcançam os requisitos mínimos para serem aprovados.

assisto atônita às observações de meus colegas, sei que o professor do corredor é cúmplice de meus pensamentos. quer-se justificar a reprovação por um mecanismo natural e biológico, construindo um discurso que justifica as desigualdades por leis da natureza e da cultura; uns são mais capazes do que outros, uns se esforçam mais que outros. estes excluídos entram na estatística dos evadidos, mas na verdade não foram só excluídos fisicamente, mas também simbolicamente. no espaço da sala de aula o conhecimento é privatizado. acredito no marko, podemos vencer o desafio de uma escola diferente, através da formação permanente no coletivo, na reflexão rigorosa e crítica de nossa prática, buscando entendê-la e transformá-la. mas não temos o que é necessário para mudar. o que? vontade, não queremos nos construir enquanto educadores progressistas. penso tudo isso, pois sei que esta é minha opção, minha trajetória de vida, a minha história. acredito que precisamos progredir, melhorar nossas vidas e acabar com a miséria. basta diminuir a gula. o consumo que nos aparenta felicidade é o mesmo que nos mata de insatisfação permanente

o botto já entrou cansado na discussão. sofre pelas disputas íntimas de solicitar seu afastamento, ou não, tem um estado de esgotamento que o impede de estar alegre neste trabalho. vem se arrastando já alguns anos, premido pela necessidade de cumprir sua carga horária, mas sabe que apenas a executa de maneira precária, sem nada acrescentar. quer uma escola sem alunos. precisa de uma escola sem crianças. reza por um casarão abandonado e mal-assombrado, infestado de bruxas e bruxos. ah, esses gringos e o seu dia das bruxas. e eu, por que não me desafio a falar aqui e agora, interrogo-me, continuo calada, eu e o professor do corredor que esconde o seu coração-caverna. resguardado na caverna enquanto transita por nós

Botto, a fala do Paulo refere-se à educação como um todo. Aos inúmeros brasis que não assistimos nos jornais televisivos, não lemos nos jornais nem ouvimos nas rádios.

Lia, isso tem tudo a ver com o nosso trabalho.

Eu sei, Eliza.

Estamos esquecendo das muitas vezes que entramos num conselho de classe planejando maneiras, com a legislação em vigor nas mãos, sempre estamos ao lado da lei, para fazermos a retenção dos alunos no ano seguinte. Esse ano ele nos escapa, mas no ano que vem... Vamos colocá-la em uma turma de progressão, já que nestas turmas é possível retê-la...

Mas se querem números que tal este, no ano passado, na outra escola, onde também trabalho, os alunos da quinta série foram aprovados num percentual de cinqüenta e cinco crianças para cada cem alunos. Trinta e uma crianças para cada cem alunos foram reprovadas e quatorze alunas para cada cem crianças se evadiram, abandonaram, foram excluídas. A conta totalizante é simples, mas muito difícil de ser feita pela escola, temos um total de cinqüenta e cinco crianças para cada cem alunos que lograram sucesso na quinta série e quarenta e cinco crianças para cada cem alunos que receberam o fracasso como justo prêmio pela sua incapacidade de se adaptar as exigências da escola destes professores. Qual a resposta dada a este desafio? Aumento da média de aprovação! Por quê? As crianças não se esforçam, acham que não dá nada, não estudam, então, laço nelas.

E não é verdade? Elas se esforçam? Por favor!

a eliza apresentou números bem conhecidos, mas deixados em alguma gaveta escondida da memória. abro minhas gavetas e me deixo ficar sofrendo com as lembranças que não são apenas minhas, de todos e todas que habitam nosso universo. são lembranças sem nomes ou rostos que vão surgindo nessa minha superfície envelhecendo. haviam-me penetrado. e me neguei fingir que gostava. nunca acreditei que não existiam diferenças entre aprender e ensinar com amor ou no desamor. sinto-me partindo para o meu passado de aprovar ou reprovar, ouvindo ao longe, diminuindo, escapando os sons de vozes que se negam calar e se deixar engolir

Não se iludam, pois não me iludo, quando mudar o nosso patrão de mentirinha, o prefeito ou o governador, troca-se a roupa ideológica da educação e o reprovar retorna sem nenhuma cerimônia, com a plena aprovação dos professores. Finalmente, poderemos retornar a prática castradora de exigir a reprovação dos alunos que teimam em seguir desorientados.

isso lia, pensar o que não se pensa não pensar é decorar

Enquanto seguem sendo ignorados e excluídos os pensadores da consciência que deveriam comandar nossa embarcação com poemas pedagógicos e a prática da libertação.

Para a teimosia teremos o corretivo da reprovação!

num mundo transtornado vivo o melhor dia da minha vida porque estou viva, ainda. de quantos mundos tenho escapado, me pergunto. acaso, puramente acaso, são as vidas dos mundos vividas? em uma mulher transformada vivo a melhor vida do meu dia com muito humor e alegria. mas a quantos mundos tenho voltado, torno a perguntar inconformada. descaso, apenas descaso, permite minha vinda? em um sonho transportado em vidas que não foram minhas corro atrás enquanto caminhas. sou professora do acaso ou por acaso



Minha pima qer de anversario um buqe de flores eum eumcolarar de perolas de todas as cores e dois burrinho mansos mascndo chiclete. meus colegas e eu continuamos as tentativas tardias de visitar de novo as nossas histórias pessoais que descobrimos pertencem a todos. a dor é a mesma em todos. a ossada a ser descoberta do chão tem o mesmo laço de sangue, o mesmo código de miséria, Professor Abá, é a minha vez, sempre é a vez de alguém, minha vontade é perguntar a quem quiser me prestar atenção, Quando será a minha vez? seria um bom exercício de respeito ao outro ceder alguma vez a sua vez. sem alarde ou gritos, xingamentos, apenas se deixar ficar para trás, e outra, mais outra, e mais outra, Eu esto muito felise de estar na fente do contutador e fascer meus pequenos texto cudar anatureza para não jogar toco de sigarro quando vosse estar de rijido o seu carro na estrada. gosto de encontrar meus colegas felizes, se descobrindo existir na escola dos professores e sua educação escolar, Qual é mesmo a senha, professor? a única senha possível tem que ser o amor, Elaestamuito animada para apreder a ler e escrvever mesmo ainda não sadendo ler todas as palavras, descbriu que oslivrospodem ser otimo s çompanheos junto voçe vai apreender muitas coisase vai desçobrir queler e escrsrever são coisas gosas det, tento também ficar animada, Professor Abá, como posso escrever? as perguntas se repetem na busca da palavra correta, suas letras são escolhidas corretamente, mas teimam em se manter embaralhadas. são medonhas estas letrinhas que se juntam com outras e formam sons iguaizinhos, bem parecidinhos, Posso escrever meu nome ou apelido, O que o senhor acha que devo fazer, as perguntas querem respostas com os desígnios corretos. existem regras que têm de ser obedecidas, não queremos desrespeitar nenhuma delas, Vocabulario casa gato pata cine cota lema havia mamae telvisao camihhao rlima opalaco eplhaou esplhau a palhou de milho na velha pilha de telha batalha repolho trabolh balancilhhac sorrio, também gosto de trabalhar estas palavrinhas em separado do texto, mas confesso que não gosto tanto quanto a professora, ela repete bastante este exercício, Que palavra é essa, professor, as dúvidas se repetem, não parecem com pressa de seguir em frente, Eu te esgrevo para saber como voce esta de saude e tabem pra te dizer que esta carta e a peimer. momentos simples e de afeto se duram por muito tempo na escrita, carinhos e preocupações que não posso falar, mas escrevo, finalmente, estou escrevendo, espero que você consiga me ler, Professor, posso entrar na sala do sexo, as coisas e os assuntos estavam tranqüilos demais, Onde fica esta sala, o piá quer saber onde fica o compartimento onde se faz o sexo, penso logo na minha cama e nas loucuras que sonho fazer. desmaios, suspiros, mais desmaios seguidos, até que algo me impede de prosseguir. mais uma vez e mais de uma vez grito por socorro, sinto uma vermelhidão se apoderar da minha alma, Eu estavo comuna cara de brabo, e adianta ficar com cara amarrada, cara de brabo, se nada se resolve no silêncio da palavra, Tô digitando a senha e volta como falha, alguém pode me ajudar, pedem apoio, dicas, entregam-se, Como faz a letra maiúscula, algumas não sei, ainda bem, que não tenho que respondê-las, uma professora sem respostas seria ridículo, não me atreveria dizer, Sou ignorante neste assunto, tenho medo de errar. falar em público ou na turma é uma tortura. fico nervosa e esqueço tudo, minha cabeça fica vazia, vira uma cabeça-de-vento.

outra noite, um colega disse mansamente, A nossa professora não fala, Como assim, eu quis saber, Ela não fala, fica sentada o tempo todo e resmunga alguma coisa e acabou, Acabou o quê, Não fala mais, fica parada olhando não sei pra onde, Vai ver que ela está triste e quer ficar calada, Puxa, que tristeza mais comprida, que não acaba nunca e se repete sem terminar, As pessoas são diferentes umas das outras, Mas como é que a gente vai aprender no silêncio, Vocês deveriam perguntar por que ela na fala, Não adianta, ela não fala.

levantada me preparo para sair da sala. gostaria de conhecer pessoas legais que estejam a fim de oferecer o seu coração, Mas como saber, ir interrogando, acreditando ou continuar desconfiando que ninguém é legal, Quem é, me pergunto. as pessoas se escondem muito bem e dão botes certeiros, Alguém sabe com se escreve o acento do vovô, meu deus, a quanto tempo não penso no meu avô, na minha avoinha querida, sempre brincando e nos protegendo, oferecendo balas. quando viemos para esta cidade alojadora dos retirados da terra, eles ficaram na roça. enxada na mão. chapéu de palha na cabeça. resignados com nossas escolhas. não nos esperam mais, sabem que não voltaremos, Vão com Deus, Precisando, voltem, Meus filhos, se cuidem, Não esqueçam da gente, Voltamos um dia, A gente espera. não se volta de nada quando nunca se chega, sempre de passagem, Chegam por aqui do avesso, Lá, vida de dureza, enxada na mão e sol na cabeça de palha. reza pela chuva em tempo certo. a gente desistiu e ficaram as enxadas enferrujando, ancinhos banguelas, descolorindo. entramos na cidade pelo açougue e viramos carne moída, guisado de segunda classe. gente de terceira ou nenhuma serventia, peso morto a ser carregado. nem aprendi a nossa letração de letras e já ensinam com palavras mais esquisitas ainda, O quê, Amigo professor muito obrigado por vose insinar conosco. também gosto de ter amigos, mas os tenho muito pouco, gostaria de tê-los em maior quantidade, queria que as pessoas fossem amigas, Circunflexo, o professor responde numa pompa que eu e os meus colegas não acreditamos na sua ignorância, começa por nos provocar mais dúvidas, Circo o quê, minha colega de dentes podres ficou tão espantada com o som pomposo do professor abá. saiu do seu silêncio tímido para perguntar sobre qual circo ele se referia, Estou na quar serie gosto de matematica faso tudo quea professora manda gostaria de pasar. é preciso aprender que não se deve fazer tudo o que nos mandam nem mesmo a professora, nem mesmo o professor, talvez, a fome, Impossível resistir a fome, Apanhar da fome forma o silêncio da resignação.

hoje, vou entrar no grupo do papo-furado e beicinho adocicado. eis um bom lugar pra se ficar de vez em quando, repouso perfeito, um lugar pra se jogar conversa fora, apenas ficar dizendo e ouvindo as palavras sem nenhuma outra intenção que ficar escutando e falando, escrevendo furado, zoando, mentindo, Não gosto quando os guris da rua venham comer aqui porque eles não respeita os outros fiquam falando nome patodomundo e tira olugar dos outros. a fome se junta com a vontade de comer e o varado de comer não reconhece o outro faminto, Eu também não gosto do medo que eles nos trazem, Mas o que fazer, Professor tem um que outro que não vai adiantar dar comida e tratar bem, eles viraram para o outro lado, Eu não, entro nos grupo do namoro, Olha aí gente, um assunto que eu não domino, procuro e procuro e nunca encontro, ninguém quer namorar só por namorar, Sei como que é. já vêm reconhecendo o terreno pelo tato, pelo cheiro, apalpando, apertando, me sinto o próprio alimento dos miseráveis, Qual é oseu nome qual é asua idade onde voê mora como voê é qual é tua altura oque você faz você tem filhos é casada sim ou não qual é asua altura, Mais um ligeirinho, quer tudo antes de se oferecer em respostas. impossível que não saiba conversar sobre o amor e de como se oferece para a vida e para uma mulher, Professor, posso sentar-me em frente a este computador, magia, estamos aprendendo até como perguntar sem deixar dúvidas sobre o que queremos saber.

mundo de malucos num mundo insano. enlouquecido. engolindo-nos em sulcos de arado estranho. seus sons e olhos nos querem em torno de si. não reconhecem que foi amanhecido o tempo de amar. somos aqueles em pranto, chorando o luto. não escapamos da dor na multidão imensa. isso é a solidão. dispersa ela cai em todos meus tormentos. respiro aos poucos, apreendendo teu sabor de suco, Professor, estou escrevendo coisas sem fé neste nosso mundo, digo para o distraído de mim, continuo só na solidão em mim, Não demora pra midizer o que vai querer demim pois quero tudo com voce, Meu Deus, quero gritar, não sei gritar, levo a mão à boca para calar-me. aprendi a me calar. querer tudo de alguém é insuportável até pra deus. mesmo ele que suporta os nossos erros e nos recebe de braços abertos, Eis a nossa imperfeição, não perdoamos sem amor, queremos tudo perfumado, Pra quê vai servir, nos pergunta, eu não sei lê. não entendem porque ela não é parecidinha com as gostosonas da televisão, os chinelos são havaianas, são falsos, temos medo do que não conseguimos ver além dos nossos olhos e nariz de verniz


 
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