sábado, 5 de dezembro de 2015

Histórias de avoinha: abayomi

Ensaio 68B – 2ª edição 1ª reimpressão


abayomi

baitasar



a caneca secô e encheu, os assunto foi e voltô da boca dum pru otro

os dois amigo sentado na loja do sapatêro

a muié contagotas reta, com os pé fincado no chão taboado. Os dedo dos pé enraizado. Num queria tá, mais ia ficá. O bule amornado nas mão. As vista ôca. Sem gosto pra oiá na frente, com munta tristeza pra oiá lá atrás. Em silêncio. Um vestido de linho grosso perdido da brancura ia inté as canela preta. Um turbante amarelo. Gostava de mudá a cô qui carregava na cabeça. Num era muié com distração nela mesma. Num parecia tê entusiasmo, mais tinha capricho. A cintura tava fina, a garupa larga e redonda. O feitio de oiá era da tristeza qui carrega munta saudade

no vestido tinha um bolso. Os tapado de pano qui ela trajava sempre tinha um bolso. O bolso, o vestido, a muié. Um pano costurado no vestido. Acordava pra colocá as veste do dia, qui só mudava da cô branca pra cô amarelada ou quando num tinha mais conserto. Os dois acordava junto. O preto sapatêro e a preta muié. O sapatêro gostava de ficá com as vista grudada na contagotas. Ela saia nua da cama e subia os braço com o linho grosso nas mão. Num gostava de durumí escondida nos pano véio e retorcido. Usava as estampa qui carregava na pele. Enfiava a cabeça nos pano do dia e deixava ele descê as vista inté lhe cobrí toda. O hôme. A muié. O vestido e o bolso

depois, ela pegava uma boneca de pano qui ficava num lugá de mesmo costume, beijava e colocava no bolso do vestido. Teve tempo qui oiava a boneca de pano e chorava, teve otros tempo qui sorria ou cantava, mais nunca teve tempo qui esqueceu a sua boneca de pano, Contagotas...

O qui foi, Sapatêro?

Nunca fiz purugunta descabida, fiz?

Num posso lembrá, se num posso lembrá... num fez.

ela ficô parada do jeito qui ficô. Oiava o hôme do escuro no quarto. Um escuro acinzentado com as claridade qui parecia  num conseguí entrá nas fresta. Ele deitado. As mão atrás da cabeça. Os óio de gula, Nunca fiz nenhum desacerto no seu corpo de muié, fiz?

Num posso lembrá, mais eu num ia deixá... se deixei foi pruqui quis deixá.

o sapatêro tomô-se de valentia pra puruguntá, Qui razão tem ocê pra sempre levá essa boneca de pano?

o escuro nublado do quarto num pode escondê a brilhatura do oiá da contagotas, parecia um céu qui chovia as estrela com um conta-gotas. Num tinha anuviamento, só as água da chuva qui caia. Num dava pra sabê pruqui chovia sem anuviamento, As lembrança da mãinha.

Ela qui lhe deu?

Mãinha qui fez.

Num sabia qui ocê conheceu sua mãinha...

Vim com mãinha no tumbêro. Amontoadas na caverna do tumbêro. Agachadas. Curvadas. Exaustas.

o sapatêro era preto nascido na villa. Criolo. Num tinha atravessado a longa jornada dos preto africano pra escravidão. Nasceu na escravidão da villa. Nunca conheceu liberdade. Nunca viu um tumbêro. Nem sentiu a imensa dô daquela miséria qui a sua muié lhe mostrava, Era preciso rastejá inté a água, Sapatêro. Muntos rastejava e num conseguia voltá. Ficava deitado ao redó da tina. Encovado. Pele e osso. Inté qui ele era jogado nas água daquela estrada. Os preto esquálido jogado morto pelo caminho das água.

o sapatêro oiava a muié qui chorava estrela. Estranho jeito de pensá e vivê na villa dos branco: é preciso prendê, cativá com as corrente, dominá, maltratá e explorá, pra tê vida de livre e reiná na riqueza e segurança das suas pulícia armada qui marcha munto à vontade sobre os defunto pretu em nome dos canalha

no bolso, uma boneca feita com três tira do vestido da mãinha. Panos rasgado. Uma boneca feita com nós. Sete nós. Foi o jeito qui a mãinha encontrô pra brincá com as lembrança,
Mãinha rasgava pedaços do vestido pra fazê a boneca. Cada nó uma afeição, um envolvimento, uma laçada da vida. Um encontro precioso da mãinha com a fia. Uma lembrança pra durá nos qui vem depois. Uma abayomi qui faz lembrá a terra do antes. Carrego comigo todo dia pra nunca esquecê.

o sapatêro saiu das lembrança do acordamento daquela manhã com sua conta-gotas e colocô atenção no amigo

o josino alevantô da acomodação e foi oiá o sol qui tava lá fora, precisava sabê o tempo qui tinha pra continuá aquela prosa. Contagotas continuava fincada no taboado do assoáio. O sapatêro acompanhô a movimentação do josino com o oiá, esperô a visita voltá da espiação pra puruguntá

E daí, hôme? É sol com cara de dormiôco ou ele já começô o atrevimento de entrá em todo lugá?

Já tem mais atrevimento, mais num parece desperto de todo. Tá espraiando o seu esparramo da aurora.

o sol já tava com feitio mais valente, o escravo precisava corrê inté a obra santa pra chegá antes do encarregado dos mando e desmando do dia

Preciso continá indo, Prego.

Se vai pruqui qué pode voltá no gosto de voltá. A casa num é minha, mais a alegria de vê ocê me socorre munta dô qui tenho estropiada. Vê se num morre, Josino.

Tudo morre, Prego. Isso num é ruim. O qui num é bão é ficá esperando o tempo de morrê. Num é bão vivê de luto.

os dois tava em pé, na beirada da loja

a muié continuava fincada

A proteção dos espritu acompanhe o amigo.

depois das despedida, virô-se pra rua e saiu. Num oiava pra quem ficava depois dos despedimento. Já tava na direção do seu caminho, indo pelas descida inté dobrá na rua da praia. Ia alarmado com o tempo de atraso, mais se culpava da confissão qui fez pru prego. Era um hôme cismado qui aquela vida desgraçada lhe ensinô sê, duvidava qui pudesse tê um otro mundo com afeição, cuidado e socorro. Num devia tê dito o qui foi dito: as parede tem jeito de escutá o qui num é devido, Pru inferno as labareda as desconfiança, os fingimento e as enganação, com qualqué feitio de bisbilhotice vô fazê as trama da fuga. A vontade num vai ficá com preguiça pra pensá os plano de sobrevivo e firmeza inté chegá no aquilombamento. Eu, mais Milagres!

esse num era assunto pra repartí nem caminho pra fazê com desatenção, a esmo

seguia no trajeto da rua da praia, os passo de mensagêro, brigava com as própria cisma da língua solta e destravada, quando encontrô com um hôme soldado de pulícia. Tinha na volta uns preto, otros criolo, mestiço e branco. Eles escutava as palavra do pulícia. Ele declamava a leitura do aviso pregado no poste da luz, Aviso: Fugiu! Um escravo de Joaquim Pereira Reis, morador da Villa, há mais de mês se acha ausente de seus senhores, bem-falante, intitula-se forro. O seu nome é Josué, estatura média, forte, com os dentes da boca em bom estado. Nenhuma marca de fugitivo. Expressiva cor preta. Quem o trouxer a seu senhor ou dele der notícias exatas, será gratificado!

o josino num sabe se parô munto ou um pingo do munto, mais cobiçô com capricho qui o hôme preto fugitivo nunca mais fosse escravizado. Sentiu as mão gelada e um frio desceu nas costa inté os pé. Havia de encontrá quem pudesse ajudá nas tramóia do sumiço. Pensô qui num adiantava fazê compra da alforria se depois da vendição feita o branco jurava qui num vendeu nada do dito. Ficava o dito contra o qui num foi dito. E valia o num foi dito, Bem se faz quem foge e enfia a cara e os pé no chão do mato. Vai na busca dos aquilombamento.

depois qui foi lido o publicado, o hôme das pulícia desbaratô os preto apinhado na sua volta, mais num mexeu nos branco. Começô a limpeza com os preto qui oiava no chão. A voz solene qui usô pra dizê as notícia do aviso mudô. Passô fazê uso dum feitio de voz qui provocava, desafiava, insultava, Ei ei ei, xô... vamos desmanchando esse ajuntamento de criolos, eia eia. Os nascidos aqui não têm privilêgios. Não são melhores que os negros chegados de navio. São todos negros. Marrom é negro, pardo é negro, carapinha é negro, preto é negro! São todos escravos! Andando andando!

o josino retomô o caminho da obra santa. Caminhava e rezava os pedido da maió proteção pru preto fugidiço, Espero qui vá bem longe na proteção do guerrêro Ogum e do caçadô Oxóssi, apressô os pé qui pisava na estrada à frente e empurrava pra trás o caminho andado. Tinha os pé mais crespo e maciço qui calçado de sola. Os pensamento voava nos gáio e nas fôia, assoprava o vento. Parô os pé e mirô na direção da obra santa, Será qui os preto trabaiadô escravizado da obra Santa qui morre da obra Santa... pode virá Santo?

passô dois preto voando

eles voava na direção da praia da arsenal

o pulícia dos aviso passô tumbém, num voava

nenhum dos preto voando tinha cara de santo qui fica calado, esperando parado com jeito tristonho as reza e os pedido dos branco devoto

continuô suas passada. O dia já tava acordado. Mais dois preto. Um tava sentado num tronco. Tinha munta espuma branca na cara, carregava no pescoço uma corrente grossa e folgada. Atada num cadeado. O otro tava em pé do lado do preto sentado.. esse qui tava em pé num parecia tê crescido munto, mais tinha cara de crescido. Usava um chapelão. Tava com as calça rasgada do munto uso dado na calça. Os rasgo deixava aparecê os pedaço da coxa e da bunda. Apoiava um prato de madêra com uma das mão, a navalha na otra mão raspava a barba do preto sentado

mais dois passo pra frente, tinha otros dois preto. Um fincado sentado, no chão. Otro em pé, qui tumbém num tinha crescido munto. O preto qui num sentava cortava a carapinha crespa do sentado. Catava os piolho. Puxava. Ajeitava. O sentado carregava uma corrente de ferro atada no pescoço. Nenhum parecia querê conversá. Cada um com seus pensamento. Cada um nas mão do barbêro ambulante. 
Os dois preto em pé parecia tê aparentamento

o josino cumprimentô, mais num esperô resposta, pela cara do sol tava munto atrasado. Apressô mais os passô, mais chegô depois qui os serviço já tinha sido conferido. As tarefa tumbém já tava esparramada entre os preto escravizado da obra santa. Foi dá explicação pru encarregado, mais precisô escutá a conversa de chateação do capitão-da-obra

Já tava indo comunicar o seu desaparecimento.

Fui atrás do unguento do Preto Véio pra alívio das ardidura...

Ardidura do quê?

Castigo...

Mas que castigo foi esse?

o capataz deu um passo na volta do josino

Foi um castigo sem razão do siô Conde da Hora.

desfez o caminho da volta, mais num viu as marca do castigo

Não vejo nada que dê razão pra tanto choro.

o josino sorriu, depois de munto tempo sorriu, num era alegria nem contentamento, mais riso de gratidão

As reza e os pedido mais as erva do mato nas mão do Preto Véio fez o bão serviço da cura. Nem a lembrança do castigo tava viva.

O encarregado lhe enfiô fundo as vista, procurava alguma cisma no escravizado. Num encontrô. O josino tava com as costa carregada das marca da chibata, mais cada risco tava fechado. O delegado da obra santa balançô a cabeça e resmungô, Como querem que eu acabe a construção desta igreja se o chicote não descansa?

encarô firme o josino

Vou lhe perguntar como fiz com todos os negros da obra.

Pois, pergunte...

O que ocê sabe do desaparecimento da metade da carga doada ontem?

Pur qui eu havia de sabê?

a resposta do josino num tinha desafio ou provocação, ela tava carregada da luta daquele tempo mau. Nem os cordão de conta no pescoço conseguia afastá os espritu ruim. A escravidão quebrô a harmonia qui equilibra as coisa boa das coisa ruim. Atracô na villa um tempo de desgraça qui vai durá munto mais tempo qui os defunto dura defunto. É munta ruindade pra esquecê. Munto sofrimento pra perdoá. Um tempo ruim com gente ruim qui gosta de fazê sofrê. Gente assim num é gente, é defunto

Abayomi...

repetiu da muié qui fez a travessia. Ela tava ali, na frente das vista, as ferida aberta. Os pulso e as canela marcada. Os branco sempre escondeu e vai continuá escondendo a verdade. As história do passado qui é contada é as história escrita dos branco. As história dos preto contada e cantada pelos preto num tá escrita nos escrito dos branco, ela tá na memória dos preto

E sua mãinha, Contagotas?

Ficô nas água...

é munta dô pra desfazê

as vista dos dois chovia estrela

a muié tinha um vestido, o vestido tinha um bolso, o bolso tinha uma boneca de pano, a boneca tinha uma mãinha



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