domingo, 10 de abril de 2016

Histórias de avoinha: fumaça enfeitiçado


Ensaio 78B – 2ª edição 1ª reimpressão



fumaça enfeitiçado



baitasar




Uanga ô assomá,
qui popiá
qui dendengá
uanga auê
Uanga ô assomá,
qui popiá
qui dendengá
uanga auê, ererê...

o muriquinho se queixava de tá com feitiço e num podê trabaiá. inda bem qui num foi feitiço pra chamá marimbondo. os falso amigo traiu o muriquinho e largô ele no lugá qui num é o seu lugá. é tempo do navio negrêro com munto pretu infeliz

precisa benzedura pru ôio grande qui no muriquinho se meteu. rezedura pra benzê quebrante da inveja. feitiçaria pra tirá os óio ruim

o neinho tava com medo de durumi e sonhá tudo qui era sonho ruim com as água turva. num era contra creditá em mandinga ou coisa-feita, mais era cauteloso e afamado o seu jeito de num obedecê às vontade do feiticêro pra impedí ou favorecê alguém, pra conquistá a pessoa amada ou pra arrumá pretendente rico

As coisa bunita
qui é dita
é dita pruqui é bunita
é dita pra tê encantamento
pra tê casamento

a brisa amena entrava no quarto do siôinho trazendo os baruiu, os chocáiu e os faro do dia. liberata se apaziguô do susto, fechô a fenda com as mão e juntô as perna. num tinha nada pra sê dito. num queria otro desassossego. vai qui tem mais otro e otro e otro pra desaraizá, num é? num queria povoá a villa, mais num sabia como dizê. sentiu otro desconforto. fez força com as mão e os jôeio, mais a enseada se abriu e um depois do otro foi saindo, O neinhu tá vendo? Num é minha vontade povoá esse vazio da villa. Num quero parecê o lugá da vida. Queria qui fosse um sonho. Meu siô Olorum num faz da sua fia a criação de nada. Sô só uma escrava preta e véia, num tô na altura da tarefa da povoação.

a vontade de Olorum se derramava dela. pretu. branco. mestiço misturado. amarelo. vermêio. crespo. liso. os cabelo de axé. identidade. resitência. a luta. as memória num me tira da luta, elas me leva pra luta. as memória daqui com as memória de lá. os canto daqui com os canto de lá. as trança. o candomblé

o piquinino continuava parado, em pé, mais parecia tá sentado. as perna preta escorrendo. otra muié apareceu, tava em pé, trançava o cabelo da liberata. e cantava. a língua da cantoria num era daqui, era de lá. costurava e torcia o cabelo. nada disso era estranho pru muriquinho. sentia saudade de lá. o muriquinho tava em casa e num tava pruqui a sua casa era em todo lugá. liberata sossegava. ele encantado. a cabeça-feita. livre

Liberata...

U qui foi, muriquinhu?

Por que as decisões dos deuses não podem ser reveladas?

Vai sabê, vai duvidá.

as perna escorrendo

E essa fumaça vem donde?

o neinho num sorriu nem deu queixume. num sabia pruqui tava ali, um tempo qui num era o seu tempo de vivê. um castigo qui num merecia. rezava prus espritu, mais num sabia rezá com o feitio de curá da avoinha. num cuidô com atenção das palavra e do sentido das reza. num tinha nenhum sermão de reserva pra cortá as coisa ruim

Isso tudo é um engano!

Num precisa gritá. Cuidado com a escôia dos gritu qui num qué escuitá nem conversá, se num tem conversa num vai escuitá. É bão num ficá surdo pruqui num qué escuitá. O segredo pra rezá é tê medo, sem medo num tem como creditá nos espritu. As conversa do bicho-papão prus piquinininu é pra ensiná o medo. Confiá nos conhecimento dos espritu pra lidá pru bem ou pru mal. Engano?

o neinho fumaça oiava pra liberata como se pudesse fazê ela creditá qui ele era vítima da maldade dos espritu ruim. ele parecia tê um sapo no seu corpo, parecia tê as perna dum sapo. queria saltá. abriu a boca e uma língua comprida e grudenta agarrô as asa da mosca-morta, apatetada na sua língua molenga e pegajosa. foi a primêra veiz qui comeu uma mosca. repunô. mais a língua se soltô e otra mosca. as mosca do pinico. o quarto do siôinho tava com munta mosca. repunô de novo

É... tudo isso é um engano!

Num grita, num tem precisão.

O que uma escrava pode me ensinar? O que eu preciso aprender?

saltô com precisão. otra mosca

Onde o muriquinhu vai? O quarto do siôinhu inda num tá sem as mosca, agarrô o neinho pela língua

Eu sou livre! Sou um negro livre! Faço o que eu quero! Não sou desse tempo! É um engano! Não sou daqui!

ela soltô a língua do sapo. esfregô as mão na rôpa de num lhe deixá com o corpo nu, depois colocô dureza na voz, sem grito, E o muriquinhu credita qui os pretu é daqui? Gosta de tá aqui? Num existi engano. Ocê qué sabê o qui existi?

o muriquinho parô de pulá e cuspiu a mosca

U qui existi é a força das corrente qui obriga os pretu ficá aqui. Mais tanto os branco vai obrigá qui os pretu fique aqui, qui os pretu vai querê sê daqui. E nesse dia, os branco vai querê continuá com os pretu no mesmo lugá do tempo das corrente, mais os pretu vai se adoná da própria vida. Vai escôie a vida pra tê.

o muriquinho oiava liberata como se pudesse vê, ela num parava

Os branco tem no pescoço munto papo, cresce todo dia, num tem tratamento de doutô. Eles senti os movimento do bicho na garganta. Os doutô num sabe a cura. Eles num credita qui tem bicho no papo. Mais essa preta já viu a cura.

todos, um dia a mais ou dia a menos, cruza esses lugá de num vê e creditá qui os orixá acompanha tudo de onde tá, Um dia o pretu véio foi chamado pra acudí o seu siô, qui já tava nas última do papo inchado. Essa doença do papo inchado começa piquinina, mais quanto mais odienta as coisa dita mais ela atinge a pessoa. O pretu véio chegô no casarão e encontrô o seu siô atirado na cama dum jeito tão ruim qui num podia respirá. Num precisô oiá munto pra sabê. Pediu pra todo mundo saí. Precisava pedí ajuda prus espritu e pras erva. Ninguém quis saí. Ele disse qui então ia saí pra num voltá. O papudo mandô todos saí, ele já tava sem respirá, sem atrevimento e desaforo. O pretu pediu o acompanhamento da preta mais véia do casarão, otra do meio, otra mais nova qui já sabia falá. Escôieu o amparo de guarnição pra formá uma forte corrente e cantá o ponto do santo. E cantei junto com as duas mais véia

Vamos chamá santé na calunga,
toia este camba
Qui é fiu de Umbanda

A mesa tava aberta no chão. Ele tava com um pano branco amarrado na cabeça. Colocô no vaso de barro munta raiz de erva e vinho. A lua tava cheia. Bateu forte com as mão no peito, fazendo os gesto do ritual. O sal e as cinza na mão. A janela aberta para lua cheia aberta. O pai véio deu a infusão das erva pru siô papudo bebê. Colocô no pescoço papudo uma compressa de erva socada. E foi embora. No dia seguinte, o siô começô tussí forte, reclamava qui tava com alguma coisa na garganta. Tussiu mais. Tussiu forte. Inté qui com munto esforço, e assombração dos papudo, o siô vomitô um bicho piquinino qui comia a comida do siô. Ele tava grudado na garganta. Os doutô papudo atinô qui era só uma barata piquinina qui entrô quando era piquininina em um copo com água ou na comida mal-feita. Isso tudo eles atinô depois.

E o que aconteceu depois?

O siô papudo mandô açoitá o pretu véio. acusô qui foi o pretu qui colocô a baratinha pra ele vomitá. Ele num podia curá pruqui num era doutô.

o sapo pretu abriu a boca, mais a língua grande e pegajosa num saiu, a perna tomô jeito de gente. as mosca voltô pru pinico

Não acredito...

Vai sabê. Vai duvidá. As doença dos papudo num tem causa nas mobília do casarão, nos apetrecho, nas carne do corpo, é sim desfecho da sua burrice de querê mandá em tudo. Prus ferimento dessa doença do espritu num tem cura qui a riqueza compra. Esse adoecimento num sai com riqueza nem com remédio.

o neinho reparô qui ela num usava vestido íntimo do mesmo jeito qui avoinha ficava descoberta. oiô meió. ela num tinha corrente, mais dava pra vê qui dono tinha

Chega de conversa. O neinhu tá emprestado prus meu serviço.

o muriquinho num queria sabê daquela conversa

Não estou! Não sou seu empregado!

a preta abriu o riso mais triste qui já deu, Empregado? O neinhu é escravo do siôinhu, e tá emprestado pra meu uso qui faço uso pru siôinhu, os dois mediu as vista um dotro, inté qui liberata alevantô, chega das boa-vinda, o neinhu qui dê sua meió ajuda pra trocá os pano da cama do siôinhu.

o fumaça cruzô os braço. a preta fez qui num viu a encaração do muriquinho

Nossa, o neinhu é piquininu. Assim, num vejo suas vista. Nunca vi um pretu da sua idade tão piquininu.

aquela conversa num tava ajudando o neinho se achá naquele lugá

E esse penico?

oiô pras mão do neinho qui segurava o pinico noturno do siôinho. pensô se precisava contá as coisa qui viu no pinico. achô meió num contá nada. depois, achô meió dizê tudo, tava duvidosa. esse muriquinho era munta novidade, num sabia se podia confiá nem se podia contá com a sua descuriosidade. o neinho sai dela pru mundo naquele feitio e medida, ela num teve tempo de conhecê

O lugá do pinico é pra baixo da cama, do lado das janela. E nos pé.

a língua tava queimando



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