sexta-feira, 29 de julho de 2016

Dom Casmurro: Prazo Dado

Machado de Assis

Dom Casmurro




CAPÍTULO XXIII
PRAZO DADO 




— Preciso falar-lhe amanhã, sem falta; escolha o lugar e diga-me. 

Creio que José Dias achou desusado este meu falar. O tom não me saíra tão imperativo como eu receava, mas as palavras o eram, e o não interrogar, não pedir, não hesitar, como era próprio da criança e do meu estilo habitual, certamente lhe deu idéia de uma pessoa nova e de uma nova situação. Foi no corredor, quando íamos para o chá; José Dias vinha andando cheio da leitura de Walter Scott que fizera a minha mãe e a prima Justina. Lia cantado e compassado. Os castelos e os parques saíam maiores da boca dele, os lagos tinham mais água e a "abóbada celeste" contava alguns milhares mais de estrelas cintilantes. Nos diálogos, alternava o som das vozes, que eram levemente grossas ou finas, conforme o sexo dos interlocutores, e reproduziam com moderação a ternura e a cólera. 

Ao despedir-se de mim, na varanda, disse-me ele: 

— Amanhã, na rua. Tenho umas compras que fazer, você pode ir comigo, pedirei a mamãe. É dia de lição? 

— A lição foi hoje. 

— Perfeitamente. Não lhe pergunto o que é; afirmo desde já que é matéria grave e pura. 

— Sim, senhor. 

— Até amanhã. 

Fez-se tudo o melhor possível. Houve só uma alteração; minha mãe achou o dia quente e não consentiu que eu fosse a pé; entramos no ônibus, à porta de casa. 

— Não importa, disse-me José Dias; podemos apear-nos à porta do Passeio Público. 



__________________________

Texto de referência:

Obras Completas de Machado de Assis, vol. I,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.

Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

_____________________

Leia também:

Dom Casmurro: Capítulo XXII / Sensações Alheias

Dom Casmurro: Capítulo XXIV / De Mãe e de Servo

Nenhum comentário:

Postar um comentário