quinta-feira, 2 de abril de 2020

Virgínia Woolf - Orlando : Capítulo 1

Capítulo 1





Ele — pois não havia dúvida quanto ao seu sexo, embora a moda da época fizesse algo para disfarçá-lo — estava golpeando a cabeça de um mouro que balançava dos esteios. Era da cor de uma velha bola de futebol, tinha mais ou menos essa forma, exceto pela face encovada e um ou dois fios de cabelo seco, áspero como os de um coco. O pai de Orlando, ou talvez seu avô, arrancara-a dos ombros de um pagão corpulento que encontrara ao luar, nos campos bárbaros da África; e agora balançava suave e incessantemente com a brisa que não cessava de soprar nos quartos do sótão da gigantesca casa do senhor que o havia matado. 

Os antepassados de Orlando tinham cavalgado nos campos de asfódelo e nos campos de pedra e nos campos banhados por estranhos rios e tinham decepado muitas cabeças, de muitas cores e de muitos ombros, e as tinham trazido para pendurá-las nas vigas. Orlando jurava também fazer o mesmo. Mas, como tinha apenas 16 anos e era muito jovem para cavalgar com eles na África ou na França, saía às escondidas de sua mãe e dos pavões do jardim e ia para o sótão e lá lançava, batia e golpeava o ar com sua espada. Às vezes cortava a corda e a cabeça se estatelava no chão, e ele tinha que amarrá-la de novo e pendurá-la com delicadeza, de forma que seu inimigo arreganhasse os dentes triunfantemente por entre os lábios negros e contraídos. A cabeça balançava de um lado para outro, pois a casa no topo da qual morava era tão vasta que o próprio vento parecia seu prisioneiro, soprando para lá e para cá, inverno e verão. A tapeçaria verde com desenho de caçadores movia-se continuamente. Seus antepassados tinham sido sempre nobres. Vieram das brumas do norte, com diademas na cabeça. As faixas de sombra no quarto e as manchas amarelas que quadriculavam o chão não eram feitas pelo sol, ao atravessar o grande brasão do vitral da janela? Orlando estava agora no meio do corpo amarelo de um leopardo heráldico. Quando colocou a mão no peitoril para abrir a janela, coloriu-se instantaneamente de vermelho, azul e amarelo como a asa de uma borboleta. Assim, aqueles que gostam de símbolos e têm aptidão para decifrá-los devem observar que, embora as pernas bem-torneadas, o belo corpo e os ombros fortes estivessem ornados com vários matizes da luz heráldica, o rosto de Orlando, ao abrir a janela, estava iluminado unicamente pelo sol. Seria impossível encontrar rosto mais cândido e sombrio. Feliz a mãe que o gera, mais feliz ainda o biógrafo que registra a vida de alguém assim! Ela não precisa nunca se atormentar nem ele pedir a ajuda de um romancista ou poeta. De proeza em proeza, de glória em glória, de ofício em ofício ele deve prosseguir, seguido de seu escriba, até atingirem uma posição que seja o ápice dos seus desejos. Orlando, à primeira vista, parecia talhado para esta carreira. O vermelho de suas faces era recoberto por uma pele aveludada, e o buço sobre os lábios era apenas um pouco mais espesso do que a penugem do rosto. Os lábios, finos e ligeiramente repuxados sobre dentes de uma extraordinária brancura de amêndoa. Nada perturbava o voo curto e tenso do nariz afilado; o cabelo era escuro, as orelhas pequenas e rentes à cabeça. Mas, ai, esta catalogação da beleza juvenil não pode terminar sem que se mencione a testa e os olhos. Oh, as pessoas raramente nascem sem eles; porém, ao olhar Orlando de pé junto à janela, devemos admitir que ele tinha olhos como violetas molhadas, tão grandes que a água parecia enchê-los e alargá-los; e a testa, como a abóbada de uma cúpula de mármore, apertada entre os dois medalhões alvos que eram suas têmporas. Ao olharmos diretamente para seus olhos e para sua testa, nos entusiasmamos. Ao olharmos diretamente para seus olhos e para sua testa, temos que admitir mil coisas desagradáveis que o objetivo de todo bom biógrafo é ignorar. Visões perturbavam-no, como aquela de sua mãe, linda senhora vestida de verde, caminhando para dar comida aos pavões, seguida por Twitchett, sua criada; visões que o exaltavam — os pássaros e as árvores; e faziam-no amar a morte — o céu noturno, as gralhas retornando; e assim, subindo a escada de caracol do seu cérebro — que era bastante espaçoso — , todas essas visões, os sons do jardim, o martelo batendo, a madeira sendo cortada, começaram aquele tumulto e aquela confusão de paixões e emoções que todo bom biógrafo detesta. Mas para continuar — Orlando puxou lentamente a cabeça, sentou à mesa e, com um ar semiconsciente de estar fazendo o que fazia àquela hora todos os dias de sua vida, pegou um caderno intitulado Aethelbert: uma tragédia em cinco atos e mergulhou no tinteiro uma velha pena de ganso manchada.

Logo ele já tinha enchido dez páginas ou mais com poesia. Era evidentemente fluente, mas abstrato. O vício, o crime, a miséria eram os personagens do seu drama. Havia reis e rainhas de territórios impossíveis; terríveis intrigas os confundiam; sentimentos nobres os inundavam; não havia uma só palavra dita como ele próprio a diria, porém tudo era transformado por uma delicadeza e uma fluência notáveis, considerando-se a sua idade — ainda não tinha 17 anos — e que o século XVI ainda teria alguns anos por transcorrer. Finalmente fez uma pausa. Estava descrevendo a natureza, como todos os jovens poetas fazem, e, para combinar com precisão a sombra do verde, olhou (e aqui mostrou mais audácia do que a maioria) para o objeto que por acaso era um arbusto de louro que crescia sob a janela. Depois disso, sem dúvida, não conseguiu mais escrever. O verde na natureza é uma coisa, o verde na literatura é outra. A natureza e as letras parecem ter uma antipatia natural; basta juntá-las para que se dilacerem mutuamente. A sombra do verde que Orlando via agora estragou sua rima e quebrou seu metro. Além do mais, a natureza tem suas próprias artimanhas. Basta olhar pela janela as abelhas entre as flores, um cachorro bocejando, o pôr do sol, basta pensar “quantos crepúsculos ainda verei?”, etc. etc. (o pensamento é conhecido demais para valer a pena escrevê-lo) e deixa-se cair a pena, pega-se o casaco, sai-se da sala e tropeça-se numa arca pintada. Pois Orlando era um pouco desajeitado.

Tomou cuidado para não encontrar ninguém. Lá estava Stubbs, o jardineiro, vindo pela alameda. Escondeu-se atrás de uma árvore até que ele tivesse passado. Escapou por um pequeno portão no muro do jardim. Contornou todos os estábulos, canis, destilarias, carpintarias, lavanderias, os lugares onde fabricam velas de sebo, matam bois, forjam ferraduras, costuram gibões — pois a casa era uma cidade ressoante, com homens trabalhando em vários ofícios —, e alcançou a alameda de samambaias que subia a colina através do parque, sem ser visto. Talvez haja um parentesco entre as qualidades: uma puxa a outra; e o biógrafo, aqui, deveria chamar a atenção para o fato de que esse desajeitamento quase sempre combina com o amor pela solidão. Tendo tropeçado numa arca, Orlando naturalmente gostava de lugares solitários, de amplas paisagens, e de se sentir sempre, sempre e sempre sozinho.

Assim, após um longo silêncio, “estou sozinho”, respirou finalmente, abrindo os lábios pela primeira vez neste relato. Ele tinha subido muito rapidamente a colina entre samambaias e espinheiros, espantando veados e pássaros selvagens, até um lugar coroado por um carvalho solitário. Era muito alto, tão alto que 19 condados ingleses podiam ser avistados abaixo; e, nos dias claros, trinta ou talvez quarenta, se o tempo estivesse muito bom. Às vezes podia-se ver o canal da Mancha, onda após onda. Podiam ser vistos rios, e barcos de passeio deslizando neles; e galeões partindo para o mar; e esquadras, com lufadas de fumaça, de onde vinha o som surdo de tiros de canhão; e fortes no litoral; e castelos em meio aos prados; e aqui uma torre de observações; e ali uma fortaleza; e novamente alguma ampla mansão como a do pai de Orlando, amontoada como uma cidade no vale, cercada de muralhas. Para o leste ficavam os pináculos de Londres e a fumaça da cidade; e talvez, na linha do horizonte, quando o vento soprava na direção certa, apareciam montanhosos, entre as nuvens, os topos escarpados e as extremidades serrilhadas da própria Snowdon. Por um momento, Orlando ficou de pé, contando, fitando, reconhecendo. Esta era a casa de seu pai; aquela, a de seu tio. Sua tia, possuía aqueles três torreões lá, entre as árvores. A charneca e a floresta eram deles; os faisões e os veados, as raposas, os texugos e as borboletas.

Suspirou profundamente e lançou-se — havia uma paixão em seus movimentos que justifica a palavra — ao chão, aos pés do carvalho. Amava, acima de toda esta transitoriedade do verão, sentir o apoio da terra embaixo de si; pois assim considerava a dura raiz do carvalho; ou, como imagem puxa imagem, era o dorso de um grande cavalo que ele cavalgava; ou o convés de um navio balouçante — era qualquer coisa, na verdade, desde que fosse firme, pois sentia necessidade de alguma coisa onde pudesse amarrar o seu instável coração; o coração que batia em seu peito; o coração que parecia repleto de brisas perfumadas e amorosas quando ele passeava todas as noites por essa hora. Amarrou-o ao carvalho e ao se deitar lá a inquietação dentro e ao redor de si gradualmente se acalmou; as folhinhas penderam, os veados pararam; as pálidas nuvens de verão estacionaram; seus membros pesaram no chão; e ficou tão imóvel, que aos poucos os veados se aproximaram dele e as gralhas voaram em torno e as andorinhas mergulharam em círculos e as libélulas dispararam como se toda a fertilidade e a atividade amorosa de um fim de tarde de verão se enredassem como uma teia ao redor do seu corpo.

Depois de mais ou menos uma hora — o sol declinava rapidamente, as nuvens brancas se tornaram vemelhas, as colinas roxas, as florestas púrpuras, os vales negros — uma trombeta soou. Orlando ergueu-se de um salto. O som penetrante veio do vale. Veio de um lugar escuro lá embaixo, um lugar compacto e bem-delineado; um labirinto; uma cidade cingida por muralhas; veio do coração de sua própria mansão no vale que, antes escura, enquanto ele olhava e a trombeta solitária se multiplicava em outros sons agudos, perdeu a escuridão e pontilhou-se de luzes. Algumas eram pequenas luzes apressadas, como se criados corressem pelos corredores para atender aos chamados; outras eram altas e brilhantes, como se ardessem em vazios salões de banquetes preparados para receber convidados que não tinham vindo; e outras submergiam e flutuavam e afundavam e ressurgiam, como se carregadas pelas mãos de bandos de criados se curvando, se ajoelhando, se levantando, recebendo, guardando e escoltando dentro da casa, com toda dignidade, uma grande princesa que descia de sua carruagem. Coches manobravam e circulavam no pátio. Cavalos agitavam os penachos. A rainha chegara.

Orlando não olhou mais. Lançou-se colina abaixo. Entrou por uma portinhola. Precipitou-se pela escada de caracol. Alcançou seu quarto. Atirou as meias para um lado e o gibão para outro. Molhou a cabeça. Lavou as mãos. Aparou as unhas. Com apenas seis polegadas de espelho e um par de velas usadas para auxiliá-lo, vestiu calções vermelhos, gola de renda, colete de tafetá e sapatos com rosetas tão grandes quanto dálias dobradas, em menos de dez minutos, pelo relógio de pé. Ficou pronto. Estava ruborizado. Estava excitado. Mas estava terrivelmente atrasado.

Por atalhos conhecidos, abriu caminho através dos inúmeros aposentos e escadas até o salão de banquetes, cinco acres além, no outro lado da casa. Mas a meio caminho, nos fundos da casa, onde os criados viviam, parou. A porta da sala de estar da sra. Stewkley estava aberta — ela saíra, sem dúvida, com todas as chaves, para atender à sua patroa. Mas ali, sentado à mesa de jantar dos criados, com uma caneca ao lado e um papel diante de si, estava um homem bastante gordo e esfarrapado, com a gola muito suja e as roupas de estamenha parda. Segurava uma pena, mas não escrevia. Parecia revolver um pensamento para cima, para baixo, de um lado para outro, na cabeça, até ganhar forma ou movimento a seu gosto. Os olhos redondos e nublados como uma pedra verde de textura estranha estavam fixos. Ele não viu Orlando. Apesar de toda a pressa, Orlando ficou paralisado. Seria um poeta? Estaria escrevendo poesia? “Diga-me tudo do mundo todo”, ele queria dizer — pois tinha ideias selvagens, absurdas e extravagantes a respeito de poetas e de poesia —, mas como falar com um homem que não o via? Que, em vez disso, vê ogres, sátiros, talvez as profundezas do mar? Assim, Orlando permaneceu olhando fixamente enquanto o homem girava a pena entre os dedos de um lado para outro; fitava e meditava, e então, muito rapidamente, escreveu meia dúzia de linhas e ergueu a vista. Depois do quê, Orlando, vencido pela timidez, saiu em disparada e alcançou o salão de banquetes, justo a tempo de cair de joelhos e, inclinando a cabeça confusa, oferecer uma tigela de água de rosas à grande rainha.

Tal era a sua timidez que ele não viu nada além de suas mãos com anéis, na água; mas isso bastava. Era uma mão memorável; mão fina, com dedos longos, sempre arqueados, como se ao redor de orbe ou cetro; mão nervosa, retorcida, doentia; mão autoritária, também; mão que bastava levantar para fazer tombar uma cabeça; mão, pensava ele, ligada a um velho corpo que cheirava como um armário de guardar peles em cânfora; corpo que estava ainda ajaezado com todos os tipos de brocados e gemas; e que se mantinha muito empertigado. embora talvez com dor de ciática; e nunca sucumbia, embora atado por mil temores; os olhos da rainha eram amarelo-claros. Tudo isso ele sentia enquanto os grandes anéis cintilavam na água e algo apertava seu cabelo — o que, talvez, concorresse para que ele não visse nada mais passível de ser utilizado por um historiador. E na verdade sua mente estava em tal rebuliço de contradições — da noite e das velas ardentes, do poeta maltrapilho e da grande rainha, de campos silenciosos e da algazarra dos criados — que ele não podia ver nada ou unicamente uma mão.

Pelo mesmo motivo, a própria rainha pode ter visto só uma cabeça. Mas se é possível pela mão deduzir-se um corpo, instruída com todos os atributos de uma grande rainha, sua rispidez, coragem, fragilidade e terror, certamente a cabeça pode ser igualmente fértil, vista do alto de um trono, por uma senhora cujos olhos, se as obras de cera da Abadia são confiáveis, estavam sempre bem abertos. O cabelo longo, encaracolado, a cabeça escura inclinada com tanta reverência, tão inocentemente e diante dela, insinuavam um par das mais lindas pernas em que um jovem da nobreza já se apoiou; e olhos violeta; e um coração de ouro; e lealdade e encanto masculino — todas as qualidades que a velha senhora tanto mais amava quanto mais lhe faltavam. Pois estava ficando velha e fatigada e curvada antes do tempo. O som dos canhões ecoava sempre em seus ouvidos. Ela sempre via uma gota de veneno brilhando e um longo estilete. Ao sentar à mesa escutava; ouvia os canhões no canal; temia — seria isso uma maldição? Seria um murmúrio? Inocência, simplicidade se lhe tornavam mais caras devido ao escuro cenário contra o qual eram contrapostas. E foi naquela mesma noite, segundo a tradição, quando Orlando dormia profundamente, que ela, apondo formalmente sua assinatura e o sinete no pergaminho, doou para o pai de Orlando a grande casa monástica que fora do arcebispo e depois do rei.

Orlando dormiu toda a noite sem saber disso. Tinha sido beijado por uma rainha, sem o saber. E talvez, porque os corações das mulheres são intrincados, fora sua ignorância e o salto que dera quando os lábios dela o tocaram que mantiveram viva em seu pensamento a lembrança de seu primo (pois tinham o mesmo sangue). De qualquer modo, dois anos dessa tranquila vida campestre ainda não haviam passado, e Orlando escrevera talvez não mais que vinte tragédias e uma dúzia de histórias e um grande número de sonetos quando recebeu a ordem de que deveria se apresentar à rainha em Whitehall.

— Aqui — disse ela, vendo-o avançar pela longa galeria em sua direção —, vem o meu inocente! (Havia sempre serenidade em torno dele com aparência de inocência, embora tecnicamente a palavra não se aplicasse.)

— Venha! — disse ela. Estava sentada, muito empertigada, junto à lareira. E deteve-o a um pé de distância e olhou-o de alto a baixo. Estaria conferindo suas especulações da outra noite com a verdade agora visível? Acharia suas suposições justificadas? Olhos, boca, nariz, peito, quadril, mãos — examinou-os; seu lábios se contorceram visivelmente enquanto olhava; mas, quando viu as pernas, riu alto. Ele era a própria imagem de um nobre. Mas e intimamente? Dardejou os olhos amarelos de águia sobre ele como se lhe trespassasse a alma. O jovem sustentou seu olhar e apenas se ruborizou de um rosa-adamascado, como lhe convinha. Força, graça, romantismo, loucura, poe-sia, juventude — ela pôde lê-lo como uma página. Imediatamente tirou um anel do dedo (a junta estava bastante inchada) e, ao colocá-lo no dele, nomeou-o seu tesoureiro e mordomo; em seguida dependurou-lhe no pescoço as correntes de seu cargo; e, ordenando-lhe que dobrasse o joelho, prendeu na sua parte mais fina a Ordem de Jarreteira, enfeitada com joias. Depois disso nada lhe foi negado. Nos passeios oficiais viajava à porta de sua carruagem. Ela o enviou à Escócia numa triste embaixada à infeliz rainha. Estava para embarcar para as guerras polonesas quando ela o chamou de volta. Pois como poderia suportar a ideia daquela tenra carne rasgada e que aquela cabeça de cabelos encaracolados rolasse na areia? Manteve-o junto de si. No auge de seu triunfo quando os canhões ribombavam na Torre e o ar estava tão carregado de pólvora que provocava espirros e as exclamações do povo ressoavam sob as janelas, ela puxou-o para as almofadas, onde as aias a tinham deitado (estava velha e cansada), e o fez enterrar o rosto naquela surpreendente composição — ela não trocava de roupa há um mês — que cheirava exatamente, pensava ele, lembrando de sua recordação infantil, como aquele velho armário em casa, onde se guardavam as peles de sua mãe. Ele se levantou, meio sufocado por seu abraço. “Esta”, suspirou ela, “é a minha vitória!” — ao mesmo tempo em que um foguete estourou e tingiu suas faces de escarlate.

Pois a velha o amava. E a rainha, que sabia reconhecer um homem quando via um, embora não da maneira usual conforme se dizia, planejou para ele uma carreira esplêndida e ambiciosa. Ela lhe daria terras, destinaria casas. Ele seria o filho de sua velhice; o amparo na sua doença; o carvalho em que apoiaria sua decadência. Ela grasnava essas promessas e ternuras estranhamente arrogantes (estavam em Richmond agora) sentada empertigada nos seus rígidos brocados junto ao fogo, que, por mais alto que o alimentassem, nunca chegava a aquecê-la.

Entretanto, os longos meses de inverno se arrastavam. Todas as árvores do parque estavam recobertas de geada. O rio deslizava vagarosamente. Um dia, quando a neve cobria o chão e os escuros quartos apainelados estavam cheios de sombras, e os veados bramindo no parque, ela viu, no espelho que mantinha junto a si com medo de espiões, à porta, que mantinha sempre aberta com medo de assassinos, um jovem — poderia ser Orlando? — beijando uma moça — quem, em nome do Diabo, seria aquela descarada? Agarrando sua espada de cabo de ouro, golpeou violentamente o espelho. O vidro se quebrou; pessoas vieram correndo; ela foi levantada e recolocada em sua cadeira; mas, depois disso, ficou magoada e à medida que seus dias se findavam queixava-se muito da infidelidade masculina.



continua...



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Virginia Woolf, escritora inglesa, nasceu em 1882, no seio de uma família da alta sociedade londrina. Após a morte de seus pais, ela e os irmãos se mudaram para uma casa no bairro de Bloomsbury, onde realizavam encontros com personalidades e poetas da época, como como T. S. Elliot e Clive Bell. Virginia começou a escrever em 1905, inicialmente para jornais. Dez anos depois, ela lançou seu primeiro livro “A Viagem”.

No período entre a 1ª e 2ª Guerra Mundial, Virginia Woolf se tornou uma figura conhecida na sociedade inglesa. Em 1941, ela cometeu suicídio se jogando no rio Ouse, perto da residência onde morava com seu marido, o crítico literário Leonardo Woolf, em Sussex. Mas, a obra de Virginia se imortalizou. Usando com excelência a técnica do fluxo de consciência, a escritora criou livros inovadores, que lhe fizeram ser conhecida como a maior romancista lírica do idioma inglês.

A Universidade de Adelaide, uma das instituições de ensino mais antigas da Austrália, disponibilizou online toda a obra de Virginia Woolf para download gratuito. Ao todo, são dez romances e dois livros de contos que podem ser baixados em três formatos: Zip, ePub e Kindle (para dispositivos Amazon). Entre os arquivos, estão algumas das obras mais famosas da escritora inglesa, como “Mrs. Dalloway” (1925), “Rumo ao Farol” (1927), “Os Anos” (1937) e “A Marca na Parede” (1944).

As obras estão em inglês. Para fazer o download, basta clicar sobre o título e escolher a opção “download. Também estão disponíveis ensaios de Virginia Woolf, como “O Leitor Comum” (1925), no qual ela reflete sobre a arte literária com base em obras-primas de outros autores renomados.



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