domingo, 14 de março de 2021

mulheres descalças: a vida num é simples

 mulheres descalças



a vida num é simples
Ensaio 127Bzs – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar

usiô augusto nem bem sentô no banco pianístico da fia já se alevantô apoiado na sua bengala, e assim, arrimado no tripé, foi inté a brecha pra villa, lado a lado da muié, a janela e dona rosinha, podia sentí o perfume da alfazema qui tava misturado cusaroma das carne da praça, Tem vez que não adianta, pensô pensamento dele mesmo misturado nas palavra duseu painho, O que devo fazer, É melhor aguardar o próximo aborrecimento, Só isso, O tempo e o dinheiro são bons conselheiros, meu filho, Como assim, meu pai, Dê tempo ao tempo e ganhe dinheiro. Um ajuda cicatrizar e o outro evita constrangimentos desnecessários. Pare de olhar com espanto à gaiola da cabeça. Juízo e caldo de galinha. A vida não é justa e não fica mais justa por causa da miséria. Um homem de verdade não sai por aí se contando para os outros. É preciso aprender a sofrer desajudado e conversar sozinho. Os pecados da cabeça devem ficar dentro da cabeça e o dinheiro no bolso, o piá congelado continuava escutando escutando escutando, O último conselho de hoje: cuidado com os padres, O sinhô não vai dizer por quê, É gente que adora o confessionário. Não esqueça que os pecados da cabeça ficam dentro da cabeça. Boa noite, meu filho. Vosmecê sabe como me encontrar, Boa noite, sinhô Augusto, usiô augusto sonhô toda vida nas palavra qui escutô ô num escutô, sonhô ô só pensô, duqui podia dizê ô devia apagá da luz dudia, continuava nele o medo da língua do pai e do confessionário

viveu da imaginação escondido na escuridão do quarto, deitado oiando pru teto e se mexendo nas mão, conversando sobre o dia qui ia tá crescido – qui parecia nunca chegá –, É mais fácil sonhar que fazer rapadura, abriu as vista, lá tava a praça com todo aquele alvoroço e gritaria

acariciava a bengala

um apetrecho qui passô usá depois da queda do cavalo, pelo menos, foi assim qui contô, Dona Rosinha, o Tormenta assustou-se com uma peçonhenta e empinou. Não estava atento e caí da montaria. O animal também foi ao chão e precisou ser sacrificado. Foi uma tristeza que parece não ter fim. Eu fiquei com essa bengala e o desgosto de não poder montar mais.

um varão qui lhe dava apoio e acomodação pras mudanças pelo caminho, tinha otras bengala qui gostava diusá como amparo da dignidade, uma continuação do braço inté o chão

acostumô – como tudo quié preciso acostumá na vida, sem se dá conta, querendo ou num querendo – depois do tempo de uso ela continuava nas mão pra ajudá com a anca doída, isso fez dela uma amiga qui num podia sê separada nem amanhecida notra aparência: mesa ou assento

prusiô augusto, a bengala tumbém era ele, useu andamento postiço precisava amanhecê sempre no mesmo lugá, esperando pelo uso, usava pra levantá a mesma qui usô pra deitá, num tinha só uma pruqui gostava de mudá o gosto pru dia e a precisão pra apoiá uspé, confiança e firmeza qui dava pra desgrudá uspé pra lá e cá, acostumô ficá amparado e protegido

tinha bengala no molde de cabo de guarda-chuva, muntu fina e elegante, mais o uso cansava a mão, num usava muntu; gostava mais das bengala com cabo mais plano e com rugas pru dedão – depois qui mandô fazê e usô e gostô, encomendô otra pra tê na reserva –, a mão parecia ficá toda agarrada e num escorregava, as duas foi feita sob encomenda na madêra catuaba, o artesão zé bengala veio medí usiô augusto do chão pra cima, mediu tanto qui parecia sê o zeca das costura preparando alguma vestimenta nova prusiô augusto

a bengala tumbém serviu pra lamentação e evasiva, desde então, bocado a bocado, arrumô motivo de munta dô pra num arriscá esfregação nas parte escondida da dona rosinha cuas parte desanimada e mijada dele, cismô qui se num podia queimá inté as brasa virá fogo acesso num ia dá motivo pra fazê dele mesmo causa do fuá na casa, era meió tá invalidado qui parecê desanimado e sem força pra uso nas carne da muié, É nessas horas que lembro as palavras do paizinho, Deus o tenha: Não bata em porta fechada se não tem intenção de entrar!

se escondeu no silêncio

num teve atrevimento nem desassombro pra contá da luta perdida pra se endurecê, Não vejo motivo e não tenho que dar explicação. Assim é melhor, o que não tem remédio remediado está. E dona Rosinha não precisa ficar sabedora de tudo. Isso é o que basta, elegeu a mudez sigilosa pru assunto e sugeriu cama e quarto separado, Assim, dona Rosinha não precisa ficar complicada e misturada com essa minha dor do tombo. Acho que é justo e necessário. Depois, quem sabe, o tempo ajude com a cicatrização dessa dor, ela falô e reclamô, mais num adiantô

a vida na casa qui já num era engraçada ficô desgraçada, E que homem de verdade poderia se confessar desanimado e inútil para usar a própria mulher? Ficar na nudez da escuridão sem passar vergonha? Não quero escutar nem ver reclamação que não estou fazendo o melhor uso do que é meu, fez menção de mandá arrancá tudo quiera espêio da casa, arranjo qui num levô adiante pruqui a fia pianística ameaçô desistí da música e piano, usiô augusto sucumbiu a provocação, mais trocô a mesa espichada, Os filhos que queria não vou mais fazer, colocô no lugá uma mesa mais curta, a casa enfeitada com festa e convidado virô mina de carvão de pedra

a vida num é simples como devia sê

escôieu a coxeadura qui faz ele ficá definhando com medo da muié e das promessa da cama, num é como se a coxeadura fosse condenação sem crime provado ou causa ditudo ruim, foi motivo pruma luta de retirada, desistiu de qualqué tentativa do avanço no pântano, num podia dizê qui sofria diquerê e num tê mais talento pra contentá as própria vontade

num lembra o cavalo nem tem lembrança da queda, mais ficô assim depois do desmonte: mijado e mole, foi perdendo pingo a pingo a autoridade nele mesmo, Não faz sentido ficar com as mãos molhadas sentado na poltrona, fingindo estar animado e atendido, tumbém num podia dizê qui num sentia sudade das água do pântano, dos gemido escondido – podia sê fingido? – e refreado da dona rosinha, apreciava a mudez da mimosa na barranca, mais dona rosinha tinha perfume meió, Enfim, não se pode ter tudo.

ele se foi falseando inté a janela



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é bão lê tumbém... sequizé:


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histórias de avoinha: um império invisível
histórias de avoinha: uma sombra sem corpo não cruza as pernas
histórias de avoinha: Bagaço hipócrita!
histórias de avoinha: a vaga de marido
histórias de avoinha: a lua na escuridão
histórias de avoinha: chegô no piano
histórias de avoinha: o silêncio no brejo dos pensamento
histórias de avoinha: borboleta preta
histórias de avoinha: Obrigada, Açunta!
histórias de avoinha: ôum velório de vida
histórias de avoinha: o feitiço das trança
histórias de avoinha: o siô ajeitado e as duas miúda
histórias de avoinha: Simão
mulheres descalças: é mansa...
mulheres descalças: Mas você devia!
mulheres descalças: Dez sacas, o amigo concorda?
mulheres descalças: café ralo e mandioca cuzida
mulheres descalças: o descuido da miúda
mulheres descalças: a traste
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mulheres descalças: a vida num é simples


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