Elias Canetti
CLASSIFICAÇÃO DAS MASSAS SEGUNDO O AFETO DOMINANTE
As massas que conhecemos estão repletas dos mais variados afetos. Mal se falou aqui, porém, da natureza de tais afetos. O propósito inicial desta investigação voltou-se para uma classificação segundo princípios formais. Se ela é aberta ou fechada, lenta ou veloz, invisível ou visível — o que pouco nos diz acerca daquilo que ela sente, de seu conteúdo.
Tal conteúdo, entretanto, nem sempre pode ser apreendido em seu
estado puro. São já conhecidas aquelas ocasiões em que a massa
percorre toda uma série de afetos sucedendo-se velozmente. As pessoas
podem passar horas a fio num teatro, e as experiências de que
compartilham ali são de natureza a mais diversa. Num concerto, suas
sensações apresentam-se ainda mais desvinculadas da ocasião do que no
teatro; poder-se-ia dizer que alcançam aí o máximo de variedade.
Contudo, tais ocasiões são artificiais; sua riqueza é o produto final de culturas elevadas e complexas. Seu efeito é moderado. Os extremos
anulam-se mutuamente. De um modo geral, tais disposições servem a
um abrandamento e uma diminuição das paixões de que os homens, e
somente eles, sentem-se à mercê.
Os conteúdos afetivos principais da massa remontam a um passado
bem mais distante. Eles surgem bem cedo; sua história é tão antiga
quanto a da própria humanidade, e, no caso de dois desses conteúdos,
mais antiga ainda. Um colorido homogêneo caracteriza cada um deles;
uma só paixão principal os domina. Uma vez tendo sido discernidos
com clareza, torna-se impossível voltar a confundi-los.
A seguir, diferenciar-se-ão cinco espécies de massas, de acordo com
seu conteúdo afetivo. As mais antigas são a massa de acossamento e a
massa de fuga. Estas verificam-se tanto em meio aos animais quanto
entre os homens, e é provável que, isoladamente, seu desenvolvimento
entre os homens se tenha sempre nutrido de modelos animais. As massas
de proibição, de inversão e a massa festiva são especificamente humanas. Descrever esses cinco tipos principais de massa é imprescindível e sua
interpretação pode conduzir a descobertas de considerável envergadura.
MASSAS DE ACOSSAMENTO
MASSAS DE FUGA
MASSAS DE PROIBIÇÃO
MASSAS DE INVERSÃO
MASSAS FESTIVAS
continua página 71...
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Leia também:
Massa e Poder - A Massa (Massa Aberta e Massa Fechada)
Copyright @ 1960 by Claassen Verlag GmbH, Hamburg
Copyright @ 1992 by Claassen Verlag GmbH, Hildescheim
Título original Masse und Macht
Massa e Poder - A Massa (Classificação das Massas segundo o Afeto Dominante)
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ELIAS CANETTI nasceu em 1905 em Ruschuk, na Bulgária, filho de judeus sefardins. Sua família estabeleceu-se na Inglaterra em 1911 e em Viena em 1913. Aí ele obteve, em 1929, um doutorado em química. Em 1938, fugindo do nazismo, trocou Viena por Londres e Zurique. Recebeu em 1972 o prêmio Büchner, em 1975 o prêmio Nelly-Sachs, em 1977 o prêmio Gottfried-Keller e, em 1981, o prêmio Nobel de literatura. Morreu em Zurique, em 1994.
Além da trilogia autobiográfica composta por A língua absolvida (em A língua absolvida Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura de 1981, narra sua infância e adolescência na Bulgária, seu país de origem, e em outros países da Europa para onde foi obrigado a se deslocar, seja por razões familiares, seja pelas vicissitudes da Primeira Guerra Mundial. No entanto, mais do que um simples livro de memórias, A língua absolvida é a descrição do descobrimento do mundo, através da linguagem e da literatura, por um dos maiores escritores contemporâneos), Uma luz em meu ouvido (mas talvez seja na autobiografia que seu gênio se evidencie com maior clareza. Com este segundo volume, Uma luz em meu ouvido, Canetti nos oferece um retrato espantosamente rico de Viena e Berlim nos anos 20, do qual fazem parte não só familiares do escritor, como sua mãe ou sua primeira mulher, Veza, mas também personagens famosos como Karl Kraus, Bertolt Brecht, Geoge Grosz e Isaak Babel, além da multidão de desconhecidos que povoam toda metrópole) e O jogo dos olhos (em O jogo dos olhos, Elias Canetti aborda o período de sua vida em que assistiu à ascensão de Hitler e à Guerra Civil espanhola, à fama literária de Musil e Joyce e à gestação de suas próprias obras-primas, Auto de fé e Massa e poder. Terceiro volume de uma autobiografia escrita com vigor literário e rigor intelectual, O jogo dos olhos é também o jogo das vaidades literárias exposto com impiedade, o jogo das descobertas intelectuais narrado com paixão e o confronto decisivo entre mãe e filho traçado com amargo distanciamento), já foram publicados no Brasil, entre outros, seu romance Auto de fé e os relatos As vozes de Marrakech, Festa sob as bombas e Sobre a morte.
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Título original Masse und Macht
"Não há nada que o homem mais tema do que o contato com o desconhecido."
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