domingo, 16 de março de 2014

histórias davóinha: Ele não é bicho, neinho. É mifiu! 05cp

casarão canela preta


é mais fácil não tê alguma coisa qui tê
Ensaio 05cp – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



o tiuzin perdeu intimidade com o casarão

desapareceu

não deixou nenhum aclaramento com as palavras. o sumiço ficou sem a explicação do tiuzin. comecei a descobrir que se o interessado em dasambientá a cisma esconde as razões com ele mesmo, sobram suspeitas e suposições. no caso do tiuzin João não vão faltar estimativas e suspeitas. no meu jeito preocupado com o tiuzin, só consigo atinar que ele não se conformou com o dinheiro cravado nas pedras do casarão. tinha e não tinha o dinheiro que queria e precisava. não conseguiu vender o Canela Preta no contrário da vontade dos tiuzin. tinha e não tinha um nome. ninguém lhe via ou sabia. nunca quis o casarão, maisqueria as canelas pretas nas ruas. andarilhando. invisível

fui o último que viu o tiuzin, ele estava vestido de cavalo, puxava o carrinho, os olhos vermelhos

Não consigo entender por que o senhor quis vender a memória da nossa gente. A família é tudo, vi com dó o tiuzin desenrolar a língua e ela não lhe obedecer. a tiazin não gostava de sentir pena. repetia que o preto bebe porque ele quer, podia fazer outras coisas. não cansava de repetir que se escolheu o papel de puxar carroça não vai conseguir desvestir os arreios. eu concordo em parte com a tiazin, o tiuzin de acordo com as suas possibilidades fez a sua escolha. também concordo que os pretos precisam ser exemplo melhor que os brancos

Bosta de lembrança qui não tem serventia, fui o último que ouviu a voz do tiuzin João sobre a família dos Canela Preta. a última vez vestido de cavalo. o vermelho do céu e a vermelhidão das vistas lhe fez arder em chamas. arrancou o casco, largou a carroça, os arreios jogados no chão. saltou a cerca do curral como um puro sangue. agora, ele era um dos indomados. nunca olhou para trás. outro andarilho canela preta. outra escolha. não era esse o exemplo para os pretos que a tiazin queria

a suposição mais aceita para o silêncio do tiuzin foi da tiazin Vanda, O João fez voto de mudez até o casarão sê vendido.

eu acho que o tiuzin não tinha uma disposição de preto nem de branco. sabia e não sabia onde caminhava. um pé em cada mundo. no pior de cada mundo. não era nem uma estrada nem uma rua, um beco sem saída. o caminho não tava por dentro do tiuzin. um preto sem lugar no mundo dos pretos. e no mundo dos brancos o lugar que tinha ninguém lhe enxergava

Moleque, Deus não existe. E se fô o caso de existí, ele não tem cuidado de cuidá duspretu. É um deus pru branco.

Ele cuida de todo mundo, fiz o sinal da cruz

ele resmungou de volta, Um qui otro pretu, té pode sê.

pedi aos espíritos dos mais velhos interesse pelo tiuzin. não sabia se chegava ajuda com o tempo de convencer o tiuzin que a melhor decisão era não vender

Mifiuneto, deixa o João. Ele tá sincero na vontade de andá sem preocupação da religião ou moradia. Não tá com interesse em ninguém. Não tem plano pra ajudá nem atrapaiá.

essas conversas com davó me devolviam a paz. acendiam a esperança que davó continuava me cuidando

Ele perdeu a esperança?

sentia que ela estava no meu lado. a mão no meu ombro. os dois olhando o tiuzin sumindo, Tá sem um lugá de chegada. Não vê futuro. Quis copiá o exemplo do branco e não deu certo pra ele. Ficô sem o meió do mundo duspretu e dusbrancu. Ele não sabe, mais cansô diquerê sem podê tê. Cansô das coisa e duqui vivê.

davó entendia o filho que o mundo não aprendeu. o tiuzin não quis mais se ajustar aos arreios da carroça que recolhia garrafa vazia, ferro velho, juntava osso e vidro quebrado

Ele não é bicho, neinho. É mifiu!

Mas ele quer vender o casarão...

E daí?

olhei davó com os olhos arregalados. pensei que davó defendia com unhas e dentes as histórias que estavam no casarão. fiquei assustado com o jeito que ela parecia não dar importância

Davó viveu no casarão. É aqui que estão as histórias dos pretos, queria tirar a tristeza da minha voz, mas não sabia como fazer

Bobagem, mifiuneto. A história duspretu tão espaiada por tudo qui foi trabáio. Não teve uqui uspretu não fez. E ocê já devia tê a sabedoria qui a história é o ajuntamento das história mal contada. Não tem qui esquecê, mais uspretu precisa encontrá jeito de vivê meió. Se os branco qué pagá pelo casarão e as lembrança qui tem dentro, não tem infortúnio nem mistério. É só trazê muito dinheiro. Ocêis cuida das memória.

não atinava fechar a boca e piscar as vistas

Davó acha que é preciso vender?

antes de usar as palavras que estava pensando, o palheiro com o fumo foi puxado num suspiro firme. a brasa ficou com jeito de acendida. tava ali, um tempo saboreando o entupimento daquela fumação. davó é tão esperta para alcançar o conhecimento da nação dos preto, mas tão ignorante com outras

Ninguém sabe tudo, mifiuneto, levei um susto, parecia que escutava os meus pensamentos, mais se fô preciso vendê qui faça bão uso pra vendê.

não queria desistir de não vender o casarão. ele me parecia uma grande barriga de mãe

Mas davó... e as histórias que estão aqui?

ela saiu do meu lado. caminhou uns passos para frente. parecia estar bem levinha. quando se virou e olhou direto nos meus olhos, eu sabia que era davó diferente, Não vejo infortúnio nem mistério. É só o compradô aceitá pagá os dois preço. As lembrança ocêis leva pra otro lugá e as memória ocêis trata de espaiá.

Os dois preços?

fiz com as vistas jeito de estranhamento. olhava para cima, davó parecia flutuando com cara de santa, Que dois preços são esses?

o fumo da corda queima mais um pouco. depois vavó solta uma baforada que quase me esconde. começo a tossir, Desculpe, neinho. A sua avó é muito deseducada, olho vavó com os olhos molhados. ela tá com jeito de brincadeira e alegria, não parece com jeito de tristeza

Escuta, mifiuneto. São duas casa. Essa qui ocê vê com usóio qui a terra ainda lhe come. A otra casa ocê só vê se fechá usóio. Carece enchê o curação com as história dos espírito mais velho qui continua aqui. O compradô precisa pagá pelo serviço de discontá essas história, esvaziá e fechá o poço da nêga Laetitia.

Não tem freguesia para comprar o que não vê, ela pareceu dar um sorriso de tolerância ou foi o meu olhar indulgente que vi sorrindo de mim mesmo

Mifiuneto, não é o dinheiro o problema do compradô. O incômodo é as história que ele conhece de ouvi falá. Diz qui não credita nem descredita. Otros fica na dúvida de perdê dinheiro se abrí as corrente dos preto. Pagô pra acorrentá as canela preta, mais não qué pagá pra desacorrentá. Esses, se vai querê o casarão, tem qui pagá as cicatriz dos ferro e das tira de coiro.

a conversa resmungada com davó nunca me deixa perder a confiança nas palavras. tinha certeza que precisava resistir qualquer tentação de vender, mas era preciso esperar ela aclarar as ideias. achava que davó tava sendo imprudente, depois voltava no assunto, É decisão difícil. O que é vendido fica a mercê do novo dono. É a vontade dele que vai valer, se ele põe tudo abaixo o casarão acaba. Nunca mais existe.

Neinho, ocê só tá cogitando com as suas razão.

Avoinha, essa vontade do tiuzin tem razão na desconfiança nele mesmo. Abandonou o casarão por qualquer lugar. Desaprendeu do amor guardado no Canela Preta. Não se curou de ser andante, ela desceu um pouco da sua flutuação e chegou mais perto, parecia que queria fazer das palavras algum segredo

Andá é o jeito dele vivê. Pru qui ocê se incomoda tanto?

Ele quer vender e perder a vigilância nas coisas da família. Acho que ele precisa ter alguém mais velho acampado no seu corpo.

essa foi minha última conversa com avoinha, desde o tempo do desaparecimento do tiuzin João, que eu lembre. mas acho que tenho mais conversa que não lembro. não tenho certeza, mas desconfio. eu terminei meus estudos da escola e escapei do quartel. sem as conversas com avoinha. a tiazin Vanda tava de felicidade com as duas vitórias, achava que precisava festejar as duas coisas, o diploma e o impedimento militar. não tinha tamanho de soldado. não conheço nenhum caso de anão que cresceu mais que um anão. descobri que o meu tamanho não precisa solução, já tá resolvido

não tinha festejo no casarão desde que foi decidido que ele não ia ser vendido. foi o tempo da acomodação das águas para dentro do rio. até que uma notícia caiu como bomba. o tiuzin Batata tinha saído da limpeza das ruas e se firmado como motorista da Viação Anônima, caído nas graças da chefia

Consegui emprego de cobradô das passagem para o miúdo, o miúdo era eu, ele já tem idade e o conhecimento para trabalhar.

a tiazin foi a única que teve desgosto pelo acontecido, Não sei, Batata. Não sei, não. A mãinha qué vê o moleque segurando o diploma de doutô.

o tiuzin Batata jogou o corpo para os lados como se fosse um estremecimento dos pensamentos

A mãinha não tá mais na aparição das vista.

a tiazin fez o sinal da cruz, levantou as mãos e os olhos enquanto a sua boca cochichava alguma coisa que não podia ser ouvida desse lado, Mas não custa muito e ela aparece.

Vanda, trabalhar não faz estorvá. O que pode impedí a conclusão do diploma é a falta do dinheiro, o tiuzin tava na sua razão, tu sabe muito bem que preto sem emprego é logo cadeiado, os agente da lei não engole a desculpa que o preto sem trabalho é estudante, por muito menos, tem criolo puxando cana.

Eu consigo, tiazin. Faço os dois serviços... estudar e trabalhar.

a tiazin usou as vista como se tivesse colocando as mãos na minha volta, Eu sei que ocê consegue, mas a vontade da mãinha não é essa, ela não tinha brabeza na voz, mas não queria descumprir o prometido.

o tiuzin Batata levantou em silêncio. a cara era de poucos amigos. caminhava pela cozinha, dava voltas na ilha. nosso lugar do pensamento

O miúdo precisa saber trabalhá. Já tem idade de homem.

Mais não tem o tamanho, olhei espantado

A tia, também?

o amor de muito cuidado pode provocar alergia e arrancar as medidas da confiança. tornar hábito o medo. transformar em tragédia as regras mais simples. eu era um caldeirão fervente de zoada e confusão, Tia Vanda, não quero lhe faltar com o respeito nem com o amor da tiazin por mim, mas eu vou trabalhar com o tiuzin. Cada um na sua vez e a vez por todos, a opinião geral era que eu estava condenado a não chegar ao tamanho dos homens. um personagem esquisito e desusado. ocultado de maneira modesta até morrer. sem reabilitação. um desastre preto. anão não cresce. preto não fica branco. não tinha nem o amálgama das preces

Mas... mifiusobrinho...

quando se sabe que nem as preces darão certo

Tia Vanda, já tenho decisão tomada. Assino contrato de temporário. E se der no jeito, fico no carro do tiuzin, mas isso não importa. O que interessa é que começo já, onde for preciso.

a tiazin não conseguia recuperação das palavras desacertadas, E os estudo? Ocê carece de escutá a mãinha, fiquei apenado com a culpa que vestia o corpo cansado e envelhecido da tiazin

Tia Vanda, tenho desconfiança que a escola não foi feita para mim ou não está pronta para os netos da avoinha, as águas dos olhos da tiazin começaram escorregá pelos canto, mas daqui de fora não vai mudá nada. Vai continuá como sempre foi... vamos continuar olhando.

Pode sê, pode não sê.



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