terça-feira, 12 de setembro de 2017

Festival Chaplin - Em Busca do Ouro

Charlie Chaplin- Em Busca do Ouro (1925)





"Do outro lado desse fim de mundo,
havia outro garimpeiro solitário."










Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama.




EM BUSCA DO OURO (1925/1942)


(The Gold Rush)


Dirigido por Charles Chaplin.

Elenco: 

Charles Chaplin, 
Mack Swaim, 
Tom Murray, 
Henry Bergman, 
Malcolm Waite 
e Georgia Hale.

Roteiro: Charles Chaplin.

Produção: Charles Chaplin.





























Entre todas as suas memoráveis obras, Chaplin afirmava ter um carinho extremamente especial por este “Em Busca do Ouro”, uma fábula maravilhosa que relata, de maneira bem humorada, os perigos da chamada corrida do ouro, que motivou multidões a arriscar a vida em busca do sonho de conseguir riqueza através deste precioso metal. Leve e descontraído, o longa consegue balancear muito bem o humor e o drama, algo recorrente na marcante carreira deste memorável cineasta.

Em 1898, milhares de pessoas partem para a serra nevada na tentativa de encontrar ouro, buscando garantir riqueza e conforto pelo resto de suas vidas. Entre estes garimpeiros e aventureiros, encontra-se o vagabundo (Chaplin), que acidentalmente vai parar na cabana do garimpeiro Larsen (Tom Murray) ao lado do gordo Jim McKay (Mack Swaim), conhecido como “Big Jim”. Juntos, eles criam muita confusão e, após uma forte tempestade de neve, o vagabundo conhece a dançarina Georgia (Georgia Hale), por quem se apaixona perdidamente.

A ideia de realizar “Em busca do ouro” surgiu quando Chaplin leu uma reportagem sobre a chamada “corrida do ouro”, em que legiões de pessoas partiam em busca de riqueza, dispostas a enfrentar o frio, a fome e a natureza agressiva da serra nevada. Esta reportagem se transformou num dos primeiros e mais belos planos do longa, onde podemos ver milhares de pessoas subindo o monte coberto de neve, com a esperança de que este sacrifício seja recompensado por uma vida confortável após encontrar o desejado ouro. Chaplin gostou tanto do resultado final que o filme foi relançado 17 anos depois, com a rápida voz de Chaplin substituindo os diálogos na tela. A versão de 1942, no entanto, teve algumas cenas retiradas na montagem, como o beijo final entre Carlitos e Georgia, resultando numa versão um pouco menor que a original.

Charles Chaplin novamente assumiu a responsabilidade pela direção, roteiro, montagem e trilha sonora, além é claro de atuar no longa. O roteiro, que como citado ganhou a narração de Chaplin na versão de 1942, aborda temas interessantes como o poder do dinheiro e o valor que a sociedade dá pra ele, além de mostrar como as aparências enganam, na cena em que o guarda assume que Carlitos é o intruso do navio baseado nas roupas dele. O roteiro mostra ainda como o amor verdadeiro pode surgir de diversas maneiras, além de ilustrar como a solidão atormenta o homem. Como sempre, Chaplin deixa sua marca pessoal, apresentando tudo isto de maneira simples, engraçada e inteligente. O diretor tem domínio absoluto da narrativa, fazendo com que o longa flua muito bem, graças também a montagem, que adota um ritmo alucinante no inicio da narrativa, alternando para um ritmo mais lento no segundo ato, que reflete a tristeza do solitário protagonista. Ainda na parte técnica, vale destacar a fotografia de Roland Totheroth, que prioriza a cor branca, refletindo o vazio e a solidão das pessoas que enfrentam a serra nevada em busca de riqueza. Repare como a fotografia se torna sombria, priorizando a cor preta, quando Carlitos passa a frequentar o saloon e, principalmente, quando sofre por Georgia sozinho na cabana e vagando pelo exterior do saloon. Finalmente, a trilha sonora, creditada para Chaplin, Gerard Carbonara e Max Terr, é mais lenta e cadenciada na versão de 1921, ao passo em que na versão de 1942 é bastante agitada e pontua muito bem as cenas.









Como de costume nos filmes de Chaplin, as gags visuais são excelentes, com destaque para a sequência em que Carlitos, Big Jim e Larsen são expulsos da barraca pelo vento, seguida pela briga entre os grandões, apontando a arma para Carlitos. Também merece ser citada a disputa nas cartas para ver quem procuraria comida (repare a divertida reação do vagabundo ao tirar sua carta). O talento de Chaplin para fazer comédia fica ainda mais evidente na sequência em que Carlitos cozinha um sapato e serve para o amigo Big Jim. Esta cena, aliás, foi inspirada numa trágica notícia que ele havia lido sobre um grupo de exploradores que se viu obrigado a comer os sapatos, roupas e cadáveres de amigos durante sua passagem pela serra nevada. A notícia inspirou ainda os engraçados delírios de Big Jim, que revelam também o ótimo trabalho de efeitos visuais (na realidade, um truque de câmera) ao transformar Carlitos num frango gigante, ilustrando o tamanho da fome do grandalhão. Repare na sincronia dos movimentos do frango e de Carlitos quando este volta a aparecer na forma humana (ele mesmo se vestiu de frango depois que um técnico tentou sem sucesso fazer o papel). Esta seqüência, aliás, é toda sensacional, desde os delírios de Big Jim até a perseguição dentro e fora da barraca, que termina com a chegada do urso. Outra sequência interessante visualmente é a engraçada cena da casa pendurada no penhasco, que alterna entre o cenário em tamanho real e a maquete, sem que o espectador perceba a diferença claramente. Interessante também como a posição da câmera dá a sensação de que a casa está mesmo pendurada, o que revela a habilidade de Chaplin na direção e remete a um tempo em que o cinema, sem tantos recursos técnicos, era mais puro e criativo.













Chaplin também sabia ser sutil, como na triste cena em que Carlitos espera por Georgia na cabana, onde a vela indica quanto tempo ele esperou pela garota. A desilusão amorosa e a solidão dele na virada do ano estão refletidas em seu semblante, enquanto olha pela porta à espera de sua visita. Quando ele decide ir até a festa, seu rosto mergulhado nas sombras demonstra visualmente os sentimentos de seu coração, partido diante da atitude de Georgia. Georgia, aliás, que é muito bem interpretada pela bela Georgia Hale, demonstrando, ao lado de suas amigas, o cinismo das mulheres do saloon e a lenta transformação da garota. A pureza de Carlitos conquista Georgia e conquista o espectador também. Mas talvez a cena mais marcante de “Em Busca do Ouro” seja o belíssimo momento em que Carlitos faz a dança com os pães, com extrema sensibilidade e carisma. Certamente, esta é uma das muitas imagens que marcaram a carreira deste gênio. Vale citar ainda a linda cena em que Carlitos e Georgia se reencontram no navio. Na versão de 1942 o final é menos romantizado, refletindo o estado de espírito de Chaplin naquele período, após ter enfrentado seu segundo divórcio. Já a versão original tem um longo beijo entre o casal, que revela até mesmo a paixão do diretor por sua mulher, Lita Grey, que inspirou a personagem Georgia.

Extremamente engraçado, com cenas marcantes e uma mensagem humana, podemos afirmar que o belo “Em Busca do Ouro” é um legítimo representante de cinema de Charles Chaplin. E é impressionante notar como seus filmes conseguem transmitir sua visão do mundo, balanceando com grande talento cenas engraçadas e belas. É aí que reside a magia de Chaplin, um cineasta capaz de tocar como poucos o coração do espectador. Ao contrario das dificuldades enfrentadas pelos garimpeiros para conseguir ouro, Chaplin demonstrava enorme facilidade para transformar seus filmes em verdadeiras jóias da sétima arte.






Texto publicado em 19 de Outubro de 2010 por Roberto Siqueira





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