quarta-feira, 13 de setembro de 2017

histórias de avoinha: Ora ye ye o! A ie ie u!

mulheres descalças


Ora ye ye o! A ie ie u!
Ensaio 107B – 2ª edição 1ª reimpressão


baitasar



Ei, Moço! Deixa esses seus trapos na água, ela vai levá-los para bem longe... até a beira-mar. E lá ficaram apodrecendo, na beirada das águas, sem serventia. Atirados ao sol...

num quis desobedecê

pra quê num atendê? só pra num atendê? num tinha motivo pra resistí, num tinha cauda pra pulá de alegria, num tinha voz pra latí, num tinha causa pra num obedecê aquela voz cum perfume de jasmim

mais tava muntu desconfiado, isso eu tava

as lembrança qui tenho carregado dumato ou da cidade, volta qui volta, elas num muda nada udesdém da vida, uma vida cum munta dô, sem prefume, só muntu fedô, mais elas volta

iagora, justo agora, aparece essa voz cum jasmim. é qui mexendo, remexendo ou desmexendo urevirado da vida sem vida, num tenho lembrança cum otra voz qui mimanda sem mimandá

ôiei as mão arrugada iperfumada cum sabô das água. a dô parada nupeito mamudo cum a tristeza qui podia enchê upoço dus espritu já desfeito ijogado na beirada das estrada: uspretu usado inté virá cinza sem lembrança

só tenho lembrança dus grito, num conheço nem a voz qui eu devo sabê fazê, mais num faço

voltei oiá as mão arrugada iperfumada cum sabô das água, levantei as vista, ôiei na volta, queria creditá quius espritu tava ali, oiando pruqui tavacontecendo. queria creditá nufogo macio iamornado da testa dus espritu, na luz qui vem duotro reino da terra-água iaruanda: paz iamô, luz ivida

a terra-água entre uamém iu saravá: ureino de oxalá, a terra-água iaruanda

queria vê a voz da casa qui fala, mais num ia sabê parado nulugá qui tava. já escutei estrondo i assobio qui amedronta, mais pió é usilêncio qui fica guardado num vaso, esperando pelo vaso se quebrá. usilêncio duvaso é muntu ressentido

então, saí das água. num podia mais ficá parado afundando uspé i enrugando as mão inté parecê uma casca da laranja. as reza num podia mais qui as reza pode, tava nutempo de mexê uspé

saí dujeito qui a vida sai das terra descida dumbigo: só cum casca, sem pano pra enfeitá, sem pano pra protegê, sem pano pra escondê a casca; muntu desconfiado i assustado; exilado: um morto qui anda i sonha. arrancado dumeu lugá diaruanda prumundo descontrolado e ressentido das injustiça pensada cum maldade. ucomboio dus hômi mau num parece tê fim

Moço, não tenha medo, num sei se foi a casa qui tremeu, mais pareceu qui a voz fez uma ou duas tremedura qui mideu currupiu, pareceu qui ela tumbém duvidava das própria palavra dita, afiei mais umeu escutá, Foi só uvento nas tábua solta, fofoquei pra minha escutação, Mais qui vento nada, mirespondi assustado

arrastei uspé inté saí das água pra terra firme. queria num tê medo. queria só tê vida pra tê a vida qui nasce das água. a casca da casa podia sê ulugá pra juntá terra-água: ulugá pra encontrá dinovo cum a vida qui pode curá, qui pode enfeitá; ulugá dus feitiço, onde cadum recebe mais duqui merece purqui a vida é pra sê oferecida cum água i pão i perfume, sem medo i sem fome

O perfume das águas lhe fez bem...

num sabia sorrí, mais sorri. tava sem as palavra pra dizê, sem tabaco, sem pinga, sem pão, sem água, mais tava cheio duvazio dudeus dusbranco

uqui deus tem cum tudo isso? tudo, nucaso dusbranco qui anuncia deus cum a cruz nas mão i a chibata nas otras mão, anuncia qui é tudo vontade i nunome dudeus; nada, nucaso das carcaça preta qui cansô disê menos qui tudo, menos qui existí. chega dicarregá as porcaria dudeus branco, chega divigiá useu sono i engolí a saliva cum medo dicuspí

Nossa! O Moço é aformoseado... um pudim de chocolate!

a moça tem mais bondade qui visão pra vê. sei quitô mais pra bicho xucru qui procura fugí cum a casca i ucaroço. num tô formoso, mais podia ficá. pensei avisá pra moça qui ela num precisa anunciá uqui num vê, mais fiquei numeu silêncio, tem veiz qui é meió creditá i num duvidá da alucinação

Venha...

óio pra cima ditudo, é noite pra sumí pru otro lado das água. a escuridão é boa pra num denunciá qui upretu fugiu, mais fugí num precisa só duquerê, num é só isso, tem qui sabê como, tem qui tê ulugá da chegada. nem sempre dá pra ajustá umeió feitio difugí. a noite num tem lampião i sem lampião nucéu num tem como achá upretu na escuridão, é noite pra fugí é noite pra fugí

Vou lhe fazer um banho de descarrego.

num é ubanho qui vai descarregá uqui já tá muntu tempo carregado, mais é bão tê alívio pru curação. é bão ficá escondido das pessoa cum ódio i muntu sem consideração. é bão carregá toda vida qui pode cum mais cuidado cum a vida

Coloca esse poncho...

dei mais dois passo qui mi avançô das água pru terrêro da casa. estranhei qui ucaminho da chegada num é ucaminho da volta. na ida pru rio uterrêro tava deserto; na volta, parecia sê otro. quando nasci uspretu já era carregado como casca nuporão dusnavio i cresci cum usóio dumedo. então, é verdade qui usóio cum medo num vê cumesmo cuidado dusóio qui óia sem medo. usabô dumedo tem ugosto da morte, tem ugosto da casca

uqui umedo controla? uqui descontrola cum u amô? quem só vê inimigo onde óia num vê da vida as meió coisa da vida, num prova dusabô duleite da terra, mais quem cumueu qui num tem coisa meió da vida qui fugí, só vê inimigo onde óia: num é destino e num é acaso sê escravizado; quando nasci uspretu já era carregado como casca num porão dusnavio, é noite pra fugí

Coloca esse poncho, a moça se repete pra eu

ela chega mais perto i coloca das mão uponcho pardo cum as listra branca. a moça linda num me tira usóio mais doce qui já pude vê ditão perto, i depois, num sei como, continuô cum zelo as recomendação, e toma essa bebida toda, tomei

num pruguntei uqui tinha na bebida, num é bão desconfiá da confiança qui se oferece prum perdido cumuqui eu, balanceando nugosto dusvento atormentado

ela sorriu, parecia brincá cum umeu medo

Huuummm... nem para perguntar sobre a bebida que tomou a língua do pudim de chocolate apareceu...

enfiei uponcho

continuei nusilêncio pruqui num sabia uqui dizê, num sabia uqui fazê, só isso: num sabia

num tava cumedo de tê pavô, tava cumedo dinum sabê. mais a moça da casa tinha um feitio dioiá qui esse pretu num tava acostumado ditê só pra eu, uoiá da cobiça qui a moça fez deu otro querê pra vida. eu sei qui muntu da mivida num tem vida

mivida é só mais uma vida das munta vida dus pretu sem vida. parei dimifalá pra escutá a moça

O dono das folhas colocou em minhas mãos a colheita destas ervas para o seu banho...

ubarravento da terra dumbigo soprô as lembrança: cossi lué, cossi erixá

... se não há folha, não há santo.

a moça machucava as erva sagrada cum as mão inté elas soltá usumo e uauroma. eu já tava preparado pru banho anunciado i mais acalmado quando insistiu qui eu precisava fumá ucachimbo em brasa i mastigá duas fôia qui ofereceu da sua boca

mastiguei ipulei prus gáio mais baixo do baobá

fiquei piquininino

dessassustado

nupeito dus escravizado tumbém bate um curação. um curação calado nufundo dupeito dusescravizado tumbém bate calado

nuvi dulugá qui veio aquela pantera negra. ela rosnava e arranhava na volta do baobá, mais sempre pru mesmo lado. queria da pantera a sua vontade de pantera, usbranco queria useu esquecimento de pantera. o baobá fechado

saltei pru chão

cum munta força i munta desconfiança a pantera saltô prus gáio dubaobá, deu um suspiro, oiô sem rosná i entrô pru porão das casca e reza

Vou lhe fazer o banho do descarrego.

desviei usóio dumato qui escondeu a pantera negra. queria imaginá qui ela num entrô nas água i se foi prus otro lado

O Moço escutou?

num é ubanho qui vai descarregá uqui já tá muntu tempo carregado nucuração das pessoa: egoísmo faz nascê uma vontade furiosa de tê controle dusotro, uma insanidade sem lágrimas. quando ucuração fica carregado assim, a vida num se importa de cuidá da vida

Não parece ter escutado.

escutava, sim

ainda mastigava as fôia i esfregava as mão. uponcho pardo cum as listra branca tá cum perfume da moça, é a parte boa da vida qui se chegô sem fazê gemê a terra, sem fazê brotá as lágrima duchão. a moça tava tão perto

as mão da vida se esfregando

a moça continuava ali, eu tumbém. num sabia pra qui lugá fugí, acho qui num queria fugí: a primêra veiz qui num queria fugí. nada cum vida i buniteza já se chegô pra esse pretu sem fazê gemê uqui já tava morto. ninguém tão boa i delicada chegô cum a vontade de chegá pra eu qui fui descarregado cum as casca de laranja dutumbêro

fiquei cuma vontade danada pra rí, cantá i dançá, logo eu, qui num sei rí, cantá ou dançá. nem chorá eu chorei, pra chorá é preciso tê esperança. num cantei, pra cantá é preciso tê voz. tumbém num dancei, pra dançá é preciso tê um corpo cum liberdade pra desenhá cum imaginação otro corpo. quase rí, mais lembrei qui num sabia rí

eu tava ali, ela tumbém

usdois cum uspé firme, uterrêro num se mexia. eu num mexia nem pra respirá cum medo de assustá a moça

ela riu

num fiquei assustado, mais num sabia uqui fazê. num tinha pra onde fugí duseu oiá. apertava cum força as pedra piquininina dufundo durriu. ela viu e pediu pra eu soltá, ficá desarmado, O que o Moço ia fazer com essas pedras? Jogar na casa?

larguei, mais num respondi pruqui num sabia uqui dizê, num tinha vida vivida tão perto duma moça cum usóio pra eu. foi quando uvento parô junto cum as coisa das água. urriu parô de escorrê, parô i ficô um espêio de buniteza

o sol vermêio desceu i a lua qui tava escondida apareceu das água. a escuridão ganhô uma lanterna

abrí usbraço, já num sabia uqui era verdade nem uqui era otra mentira. loucura i esperança pode sê coisa cumesmo embaraço, é tudo um pouco da vida qui tá adormecida i acordada

a moça deu otro passo imais otro, inté ficá perto dieu mesmo morto. eu perdi uspasso. parecia qui num tinha mais passo pra dá pra frente nem pra tráis. num sabia uqui queria fugí da barriga. as mão suava, as canela suava. agradecí a escujridão i pedi pra lua sumí pru seu esconderijo. tava com vergonha dum meu pedaço qui deixô disê manso

O Moço tem medo do quê?

senti vontade de confessá umedo qui tenho dusinseto qui voa cum munta pressa, mais tava desconfiado qui num era esse medo qui a moça tava interessada. num foi a primêra veiz, mais foi a vontade mais forte qui já sentí ditê uma casa cum as parede diverdade i sabê uqui fazê cum a vida

a casa duterrêro abriu as porta e colocô a moça numeus braço. fiquei muntu esticado pra frente. ela beijô meu rosto, depois fechô usóio. esperô. primêro, pensei qui ela num queria mais vê eu. depois, achei qui ela queria perdoá, mais num era perdão. ela queria ensiná, eu queria aprendê

fechei usóio ibeijei seu rosto todo, dum lado i otro

ela sorriu. achei qui tava satisfeita, mais era só ucomeço

depois, beijô meu pescoço. queria convidá useu convite i provocá. aceitei upedido ia provocação. fechei usóio ibeijei seu pescoço cum mil anos

ela sorriu agradada

beijô boca cum boca pruqui queria avisá qui tava pronta pra me recebê. eu tava pronto pra pedí sua permissão

curvei meu corpo namuié

toquei suas coxa imoiêi sua língua na língua

ela pediu qui num era mais pra abrí usóio

falava cum a língua ias mão, inté qui desceu cum a língua macia i quente pra animá meu punhado da vida. uvão embaixo dumbigo se animô cum a fartura das carícia

Entra, ela pediu

já tava dentro

Anda até o fim do terreiro...

Ora ye ye o! A ie ie u!

... o Moço fala!





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