segunda-feira, 13 de abril de 2020

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (17)

 Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1


1
Estudos de Costumes 
- Cenas da Vida Privada



Memórias de duas jovens esposas





PRIMEIRA PARTE




XVII – DA MESMA PARA A MESMA



02 de Abril


Ontem, o dia estava esplêndido, preparei-me como uma moça amada e que quer agradar. A meu pedido, meu pai me deu a mais bela equipagem que se possa ver em Paris: dois cavalos tordilhos mosqueados e uma caleça da mais refinada elegância. Fui experimentar minha carruagem. Eu parecia uma flor debaixo de uma sombrinha forrada de seda branca. Ao subir a avenida dos Champs-Élysées, vi dirigir-se para meu lado o meu abencerragem montado num cavalo da mais admirável beleza: os homens que hoje, quase todos, são perfeitos conhecedores de cavalos, detinham-se para vê-lo e examiná-lo. Saudou-me e fiz-lhe um sinal amistoso para animá-lo; moderou o passo do cavalo, e eu pude dizer-lhe: 

— Não me levará a mal, senhor barão, que lhe tenha mandado pedir minha carta, que lhe devia ser inútil... O senhor ultrapassou aquele programa... — acrescentei em voz baixa. — Tem um cavalo que chama a atenção sobre o senhor. 

— Meu intendente da Sardenha mandou-mo com orgulho, porque este cavalo de raça árabe nasceu no meu haras. 

Esta manhã, querida, Henarez apareceu montando um cavalo alazão, inglês, também muito bonito, mas que não chamava mais a atenção: bastara o esboço de crítica zombeteira das minhas palavras. Saudou-me, e respondi-lhe com uma leve inclinação de cabeça. O duque de Angoulême fez comprar o cavalo de Macumer. Meu escravo compreendeu que saía da simplicidade desejada, atraindo sobre si a atenção dos desocupados. Um homem deve fazer-se notar por si mesmo e não por seu cavalo, ou por coisas. Ter um cavalo demasiado belo parece-me tão ridículo como ter um enorme diamante na camisa. Fiquei encantada por pilhá-lo numa falta, e podia ser que houvesse no seu ato um pouco de amor-próprio, desculpável num pobre proscrito. Essa infantilidade agrada-me. Oh! Minha velha argumentadora! Gozas com os meus amores tanto quanto eu me entristeci com a tua sombria filosofia? Querido Felipe II [131] de saias, será que passeias na minha caleça? Não vês esse olhar aveludado, humilde e cheio, orgulhoso de sua escravidão, que me dirige, ao passar, esse homem verdadeiramente grande que veste a minha libré e que traz sempre à lapela uma camélia vermelha, enquanto eu tenho sempre na mão uma branca? Que claridade projeta o amor! Como eu compreendo Paris! Agora tudo me parece espiritual. Sim, o amor aqui é mais bonito, maior, mais encantador do que onde quer que seja. Decididamente verifiquei que jamais poderia atormentar ou inquietar um tolo, nem ter sobre ele o menor domínio. São somente os homens superiores que nos compreendem bem e nos quais podemos influir. Oh! Pobre amiga, perdão, esquecia-me do nosso l’Estorade; mas não me disseste que ias fazer dele um gênio? Oh! Adivinho o motivo: tu o educas com esmero, para um dia seres compreendida. Adeus, estou um pouco aloucada e não quero continuar.



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Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.

Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844.[1] Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).

Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava.[1] De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Balzac, Honoré de, 1799-1850. 
          A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac;                            orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São                  Paulo: Globo, 2012. 

          (A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1                    0.000 kb; ePUB 

1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série. 

12-13086                                                                               cdd-843 

Índices para catálogo sistemático: 
1. Romances: Literatura francesa 843

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[130] Todas as argúcias minuciosas das mulheres de Cyrus e da Astrée: trata-se de Le Grand Cyrus, romance À clef heroico-precioso, da srta. de Scudéry (1608-1701), e Astrée, romance pastoral de Honoré d’Urfé (1568-1625), obras que nos parecem hoje frívolas e de um gosto bastante duvidoso, cheias de minúcias psicológicas e de infinitas complicações sentimentais.

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Leia também:

Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada - Ao "Chat-Qui-Pelote" (1)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (01)
Honoré Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: O Baile de Sceaux (07)
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Honoré Balzac - A Comédia Humana/Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (18)


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[131] Felipe II (1527-1598): filho de Carlos V, rei da Espanha, que anexou Portugal. Em Os camponeses, Balzac o chama de “Alexandre da dissimulação”.





Memórias de Duas Jovens Esposas





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