Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
POR FIM...
(6)
Em verdade, o surto revolucionário já não é confiança vazia, esperança a esmo, ou construção com o simples fortuito. As pátrias existem, e podem retemperar-se porque, há, trabalhando para elas, imperecíveis motivos sociais, como há incoercíveis princípios cósmicos. Destarte, progridem as formas politicas e morais, apesar da eterna resistência das estruturas mortas. Quando a revolução alcança realmente as almas, as individualidades chegam ao sublime da eficiência, porque a consciência humana tem franca possibilidade de significação, a concentrar energias na forma de caráter, a transformar valores cósmicos em dados psíquicos. Bem sabemos que a vida em forma humana não é, apenas, expansão espontânea, nem a crua imposição dos instintos; mas, dialética, critério de razão, pensamento a desenvolver-se, disciplina moral e política, estreita solidariedade na justiça... Na base de tudo, porém, estará sempre o instinto, válido imediatamente como simpatia, generosidade, compaixão... primeira forma consciente da realidade social. E toda a evolução humana consiste, justamente, na ascensão dessa realidade instintiva para a plena moralidade e a justiça. Ora, nesse fim, a explosão revolucionária vale como depuração súbita, idêntica à mutação de formas, patente e necessária, na marcha social e na evolução biológica. Então, verifica-se, em toda luz, que o homem se torna fator decisivo do caso: a experiência acumulada na espécie é condensação de energias psíquicas, que a descarga – revolução transforma, imediatamente, em ação reformadora. E o realizador, político e social, tem a significação do gênio, como no puro pensamento. Cada criação mental é uma revolução de ideias, como toda verdadeira revolução é criação social Em verdade, a mediania e normalidade nada valem para a reforma em ascensão, nem bastam para a marcha conquistadora. O pensamento original tem de quebrar os conceitos correntes para reinar nas consciências; e renovação social pressupõe convulsão para a lógica transmutação das formas.
Não importa que na base de tudo estejam os mesmos motivos essenciais – fome, amor, compaixão... São estímulos indispensáveis, mas não limitam a socialização a prosseguir. A fome põe à prova a inteligência, para que se multipliquem incessantemente as possibilidades; o amor, difusa simpatia, ou intensidade de afeto, lhe é energia primeira, essencial; a compaixão, primeira renúncia pessoal da animalidade que se eleva, já não se confunde no biologismo – fome e amor. De tal sorte, invocada essa base instintiva, havemos de reconhecer que a fórmula nem chega a ser inspiração de programa, tanto se complicam os aspectos, a partir das necessidades primeiras, até as reivindicações de justiça, e os anelos de cordial e ilimitada solidariedade. Assim, distantes da origem, ficamos em face do fato social por excelência – a reação recíproca das consciências. Então, é possível a reação explosiva, em que se quebram as velhas sínteses, efetivamente resíduos de ordens preexistentes.
Haverá fatores, na indefectível revolução; pronunciar-se-ão motivos, fulgirão ideais... o bastante para precipitar o desfecho; mas os determinantes efetivos estão na própria natureza da vida social. A massa popular, na iniludível necessidade de viver, em assomos de simples afirmação, destruirá irremissivelmente a estiolante e infecunda organização que a acabrunhe. Nas consciências ecoará o ideal anunciado, e – para nós – ao influxo da bondade essencial das almas, nos desejos que se despenharão, devem desabrochar as energias virgens e reveladoras, próprias para as formas em que realizaremos a justiça que nos qualificará, finalmente, no conjunto humano. De tanto repetido, o termo perdeu prestígio, como a mesma ideia, pretexto, até, de opressão, ou afastada como simples abstração a serviço da utopia. No entanto, é a justiça o objeto real da sociedade humana. De fato, só a têm como inacessível abstração os que tomaram o nome para armar a garantia dos seus privilégios, e não podem levar a mente a outros conceitos além dos mesmos privilégios. Apesar disto, e de quanto vilipendiaram a expressão, ligando a respectiva ideia ao juridismo – instrumento dos dominadores, é ela que faz a própria luz dos ideais em que se reclamam as reparações indispensáveis. Nem seria de outra forma, porque na justiça se inclui toda a relação entre o problema político e a questão social. Por isso mesmo, tanto ganhamos em verdade de justiça, tanto predominam na política os aspectos sociais. Nem há, na vida atual, mais importante problema para o Estado.
E aí está a mesma razão de ser da liberdade, e por aí se explica o descrédito crescente da democracia: da liberdade organizada em democracia, esperava-se a melhor justiça, e como, finalmente, não há realização de justiça; parece não ter razão a liberdade, e deprecia- se a democracia... Falharam, então, as duas? Não. Atendamos, no entanto, que se elas são condições políticas indispensáveis, não bastam, ainda, para a completa solução do problema social. A liberdade será sempre aquela coquete de Gandry – difícil de conquistar, e mais difícil de satisfazer, justamente porque não é um valor próprio. Respeita-se o indivíduo, e reclama-se para ele uma livre atitude, para que, em cada caso, a sua consciência possa dar, em solidariedade de efeitos, a plenitude do seu valor. Com isso, a maioria pode e deve ser soberana, pois que, na franquia das reações, as individualidades irradiantes, válidas como elite, fazem, finalmente, a efetiva direção social. Destarte, o grande número deixa de ser um peso para valer em consagração. Os direitos individuais resultam em possibilidade de bem geral, salvaguardados sempre os interesses da comunidade. Mas, subentende-se que essa democracia livre é apenas o acabamento de uma obra pronunciada revolucionariamente. Foi a revolução a criadora, não a simples liberdade. A fórmula democrática, se sincera, manter-se-á como recurso de educação política e livre jogo de opinião, sendo certo, no entanto, que tal liberdade nunca produzirá que a classe dirigente, dominante, abra mão do poder em benefício da que ainda é a de oprimidos, espoliados e dominados. Tanto só se obterá na eliminação dessa mesma opressão. Por isso, vencedora, nenhuma revolução sai de si mesma para ser, imediatamente, manifestação democrática, quando, todavia, ela vem para realizar a essencial democracia. Tal se verifica no momento político das grandes nações democráticas: a democracia, voz da maioria, converteu-se em regime de exploração da maioria trabalhadora, desde que as condições históricas deixaram formar-se essa reserva de energias humanas que é o capital. Senhora dele, uma minoria pôde subordinar o aparelho democrático aos interesses capitalistas, e, arrimada nos direitos patrimoniais, pessoais, exige a garantia dos privilégios de fato em que está montada, privilégios que significam justamente o sacrifício do grande número. É, esta, uma situação que só se pode resolver revolucionariamente. Não fora essa usurpação do Estado pelas minorias privilegiadas do capitalismo, e a democracia, a verdadeira, traria a plena realização do indivíduo, ao mesmo tempo que se confundiria legitimamente no comunismo. O Direito existiria pela vantagem do jogo social, mas valeria no avesso, o sincero dever, em toda a essência religiosa do conceito.
continua pág 332...
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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
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